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domingo, 5 de março de 2017

Dia da caça, dia do caçador - estatuadesal

 

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 04/03/2017Autor Daniel Oliveira
O ruído mediático à volta da administração da Caixa Geral de Depósitos conseguiu, durante semanas, abafar os melhores resultados económicos e orçamentais de anos. A coisa prolongou-se numa espiral hiperbólica de adjetivação, em que a oposição decretou o regresso da “asfixia democrática” e um risco para o regular funcionamento das instituições. Quando o caso chegou ao ponto de enjoo, o Governo ganhou, por iniciativa própria ou não, um trunfo inesperado no campeonato dos escândalos: entre 2010 e 2014, €10 mil milhões tinham ido para offshores sem fiscalização tributária. Ainda a apanhar bonés, a oposição falou em notícias plantadas e tentou reduzir o caso a uma mera questão administrativa. Com alguma demagogia, os partidos mais à esquerda tentaram passar a ideia de que o dinheiro tinha voado sem pagar impostos, coisa que não podem saber. Houve mesmo quem comparasse os valores em causa com o dinheiro necessário para financiar o SNS. Depois de semanas de histeria demagógica com a CGD, PSD e CDS provavam do seu próprio veneno. No caso, um veneno fácil de administrar: a palavra offshore faz tocar todas as campainhas a quem sente que, estando longe da pirâmide social, paga quase sozinho os encargos do Estado.
Ficando pelo que sabemos, há duas dimensões deste episódio: a não publicação dos dados e o desaparecimento do radar destes €10 mil milhões. São coisas diferentes que só indiretamente se relacionam. A primeira é a mentira de Paulo Núncio, que contou três histórias diferentes sobre a não publicação das estatísticas do dinheiro saído para offshores. Entre a primeira versão, que responsabilizava a Autoridade Tributária por esta opção, e a última, em que o próprio assume uma escolha política consciente, há a certeza de que o ex-secretário de Estado, tendo deixadas claras as razões para resistir a esta publicação, assume o dolo da sua primeira mentira. As razões que deu para não publicar não convencem: as informações eram demasiado detalhadas, dando armas ao infrator, e eram pouco detalhadas, levando os cidadãos a um erro de perceção. A minha tese até é benigna: o Governo sabia que, no momento em que arrasava o país com medidas de austeridade e apertava o garrote fiscal, a informação de que o fluxo de dinheiro a sair para offshores atingia níveis históricos era politicamente inconveniente. Mas deixo esta leitura dos factos, condenável mas menos nociva, à condição. Veremos o que nos guardam novas revelações.
A segunda dimensão do tema é muitíssimo mais grave. A eliminação de dados, que terá resultado de um “erro informático”, não parece ter sido aleatória. Em 2014, ano de resolução do BES, estavam “ocultas” quase 98% das transferências para o Panamá. E os apagões parecem estar concentrados numa única instituição. Todos adivinham qual. Estes dados não chegam, pelo menos à hora e dia que escrevo este texto, para tirar conclusões. E muito menos para associar a evidente incúria do secretário de Estado a esta parte da história, de que parece por agora totalmente inocente. Mas chegam para perceber que esta novela pode só ter começado.
Uma coisa é certa: o caso da Caixa ficou soterrado. O dia da caça passou a dia do caçador: o Governo tem 2% de crescimento, o mais baixo défice de sempre e o jogo dos casos mediáticos a maltratar a oposição.
 
Ovar, 5 de Março de 2017
Álvaro Teixeira

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

O último pote

 

(In Blog O Jumento, 16/02/2017)
um-artista    Um verdadeiro artista
A crer naquilo que se vai ouvindo a propósito do folhetim Domingues este senhor foi traído por um malandro chamado Centeno (o que se poderia esperar de um mafarrico com um apelido espanhol que em português é centeio? É óbvio que se teria de ouvir muito burro a zurrar com cheiro a palha) prometeu-lhe uma CGD com ordenados e prémios iguais ao do sector privado e sem ter de suportar a curiosidade da populaça, com vícios delegados em jornalistas do CM ou do Sol.
Vendo o seu amigo traído, surge um bom cristão, um tal Lobo Xavier que aparece sempre que cheira a palha, personalidade que como todos sabemos anda neste mundo movido pelo desejo de fazer as boas acções necessárias para ter pontos suficientes no seu cartão de cliente do Céu, a fim de poder abrir as portas do dito, dispensado de terços e penitências e outros bilhetes.
Toda a gente sabe que Lobo Xavier é o cristão mais franciscano que anda acima da terra, homem  despojado de riquezas e mais isolado dos vícios do mundo do que os monges da Cartuxa.
Os nossos deputados, gente que cada vez que dizem uma mentirita a primeira coisa que fazem quando chegam a casa é apertar as partes íntimas com o cilício devidamente certificado e desinfectado, estão indignados com a hipótese de o mafarrico espanhol ter dito uma mentira dentro desse santuário da verdade que é o nosso parlamento. Num hemiciclo onde metade das intervenções resultam de pedidos da palavra em nome da defesa da honra, o pecado da mentira é um pecado mortal, e não admira a reacção digna de meretrizes ofendidas a que temos assistido.
Não, o Domingues e os seus amigos, gente que como se sabe pertence a essa nobre estirpe de banqueiros portugueses, verdadeiros exemplos de honestidade e competência, como se pode ver pela situação brilhante em que estão todos os bancos portugueses ou que o eram em tempos mais recuados, não iam gerir a CGD para ganharem prémios chorudos, como fizeram muitos gestores da nossa impoluta banca. Iam servir o país e como gestores franciscanos e só se sentiam obrigados a prestar contas a Deus porque só a isso está obrigado um bom cristão.
Não, o Lobo Xavier não tem o mais pequeno interesse nos muitos milhões da CGD, nem ele nem os muitos interesses que representa teriam interesse nos créditos, na litigância, nos PER ou nos muitos negócios da CGD. A sua presença no processo foi apenas para divulgar os emails e os SMS privados do Centeno, às mijinhas, porque o seu amigo Domingues é muito envergonhado e não se sente à vontade com jornalistas e políticos da direita, até porque o pobre banqueiro começou a sua escolinha no MRPP.
Não, os muitos milhões da CGD seriam um fardo para qualquer um, um trabalho muito penoso. A má cobrança de muitos milhões em dívida e os muitos milhões disponíveis para muitos créditos não interessavam a ninguém. A própria presença de Lobo Xavier e de muitos dos deputados esganiçados da direita são a maior garantia de que qualquer relação entre aquilo que se passa e a vontade de ir ao pote é pura coincidência.
Enfim, por este andar até me vou tornar um devoto do Paulo Macedo, comecei por defender esse Domingues e dou comigo a sentir-me na obrigação de uma pesada penitência, dando graças a Deus por terem metido o Macedo na CGD; ou estou muito enganado ou com essa mudança salvei o que me resta dos subsídios de férias e de Natal.
 
Ovar, 17 de fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira