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segunda-feira, 22 de maio de 2017

A desfaçatez não tem limites

 

(Por Estátua de Sal, 22/05/2017)
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Tinha que escrever sobre a saída do Procedimento de Deficit Excessivo.
Em primeiro lugar deve referir-se como uma ficção tem tanta importância e dá origem a tantos comentários. Sim, porque o deficit de 2% diz respeito ao ano de 2016 que já lá vai há cinco meses e celebramos agora um acontecimento que já é requentado. É ridículo aceitarmos de forma subserviente que a Comissão Europeia tenha o privilégio de carimbar um número, dizendo que dois é menor que três, como se pudesse fazer outra coisa  inventando uma matemática nova.
Em segundo lugar deve dizer-se que a direita e os seus comentadores de serviço estão, no mínimo, em estado de choque, e deveriam escolher um fato negro escuro e gravata preta como se fossem a um funeral.
Para amenizar tentam colar-se ao sucesso do feito alcançado. Foi uma caricatura burlesca ver Passos Coelho entrar nas televisões, ao meio dia em ponto, para saudar o acontecimento como se fosse ele o Primeiro-Ministro em funções, e tentando assim recolher também os louros do evento. Uma desfaçatez de grande gabarito só mesmo ao nível desta personagem que teima em não sair de cena.
Tendo Passos ameaçado com o diabo e previsto as maiores catástrofes decorrentes das políticas deste governo, como pode agora vir dizer que com outras políticas também teria atingido a mesma meta? Se as políticas de Costa, para Passos, sendo más, horríveis e pronunciadoras do cataclismo, conseguiram um resultado que ele aplaude agora, como pode ele querer juntar-se ao sucesso alcançado, se passou meses a criticar o programa económico que permitiu lá chegar?
Só a falta de vergonha de Passos Coelho e de toda a direita, bem acolitada pelo coro dos seus comentadores de serviço leva a que digam que o governo anterior teve um grande papel neste conseguimento.
Eu não duvido que Passos, se não tivesse sido apeado da governação, também teria colocado o deficit abaixo dos 3%. O que tenho a certeza é que não o conseguiria subindo salários e pensões, e baixando impostos sobre os rendimentos do trabalho. Venderia mais umas coisas aos chineses, baixava os impostos sobre o capital, mandava os portugueses emagrecer mais uns furos, em suma, continuaria a política de devastação que prosseguiu nos seus quatro anos de mandato. E também tenho a certeza que não teríamos o crescimento económico que já hoje se verifica e as perspetivas de que ainda se vai acelerar no curto prazo.
É por isso que é de uma hipocrisia lamentável a direita, a Comissão Europeia, e todos os neoliberais de pacotilha que enxameiam no espaço público, congratularem-se com o evento e ao mesmo tempo virem chamar a atenção para a necessidade das reformas estruturais. Ora, as reformas estruturais são exatamente o oposto daquilo que este governo seguiu e que, como a realidade acabou por demonstrar, levou à redução do deficit. Ou seja, apesar dos resultados serem bons, o que se pretende é que se venham de novo a prejudicar os rendimentos do trabalho em detrimento dos rendimentos do capital, diminuindo em simultâneo o efeito redistributivo que decorre da existência de um Estado Social eficaz e atuante.
O que me leva a concluir que o deficit não passa de uma ficção que é usada como vaca sagrada para justificar as políticas da direita, de ataque aos salários e a quem trabalha. Porque agora, estando já o deficit nos eixos, continuam contudo a preconizar essas mesmas políticas e já inventaram outra fábula que é o deficit estrutural, uma nova montanha para trepar.
No fundo, o que está em causa, não é reduzir o deficit nem pagar a dívida. O que é mesmo importante é saber quem paga a fatura. O que dói a Passos e à direita é que, com este governo, os trabalhadores passaram a pagar um pouco menos. É triste, é muito triste que sintam tantas dores. Mas a avareza é a praia deles. E como dizem os Evangelhos, a avareza é um pecado muito, muito feio.
 
Ovar, 22 de maio de 2017
Álvaro Teixeira

segunda-feira, 24 de abril de 2017

As carpideiras e o sorriso de Centeno (estatuadesal)

 

(Nicolau Santos, in Expresso, 22/04/2017)
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Nicolau Santos

 
As carpideiras estão inconsoláveis. Perante as surpreendentes subida do PIB e descida do défice arrepelam-se, rasgam as vestes, batem com os punhos no peito e clamam: só há crescimento porque o Governo mudou de estratégia; o défice só se reduz porque o Governo cortou fortemente na despesa; as projeções para 2017 são realistas e podem vir a concretizar-se — mas a partir de 2018 tudo voltará a ser pior. Enfim, as carpideiras sentem-se enganadas. Se o Governo tivesse feito tudo o que elas achavam que iria fazer — aumentar impostos e apostar no consumo privado — o país estaria à beira de pedir um novo resgate e o cheiro a enxofre já se sentiria por toda a parte.
Mas Mário Centeno não fez o que esperavam. Alterou a composição das políticas mas manteve o rumo no sentido de cumprir os compromissos europeus. Resistiu quando era evidente o preconceito ideológico e a má vontade do Eurogrupo, do seu presidente Jeroen Dijsselbloem, do ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, e do vice-presidente da Comissão Europeia com as pastas do euro e da estabilidade financeira, Valdis Dombrovskis. Teve também de arcar com as sucessivas análises da Comissão Europeia, do FMI, do Banco Mundial e do Conselho das Finanças Públicas bem mais pessimistas que as do Governo.
As carpideiras sentem-se enganadas. Se o Governo tivesse feito o que esperavam, o país estaria à beira de pedir um novo resgate e o cheiro a enxofre seria insuportável
Esta semana, contudo, FMI e Conselho das Finanças Públicas (CFP) vieram dar a mão à palmatória, corrigindo as suas estimativas de crescimento para este ano para 1,7%, apenas uma décima a menos do que a previsão do Governo (1,8%) — com o CFP a considerar mesmo que o cenário macroeconómico do Programa de Estabilidade para 2017-2021 “apresenta uma composição do crescimento assente no dinamismo do investimento e das exportações que (...) se afigura como a mais adequada para a sustentabilidade do crescimento da economia portuguesa”. Por seu turno, a agência de notação financeira Standard & Poor’s veio admitir na semana passada que pode vir a melhorar a nota de Portugal (atualmente em BB+, nível de não investimento ou ‘lixo’) caso venha a “baixar o volume do crédito malparado” dos bancos e se “o crescimento económico for melhor do que o esperado”. E o o banco alemão Commerzbank, que tem sido muito crítico em relação a Portugal, veio admitir que a agência canadiana DBRS pode mudar para “positivo” o rating da República com base nas notícias “encorajadoras” sobre a descida do défice acima do esperado, o crescimento económico e os avanços na reestruturação do sector bancário.
Junte-se a isso o facto de o Tesouro português ter emitido na quarta-feira dívida às taxas mais baixas do ano; e de a dívida portuguesa a 10 anos que há um mês estava nos 4,2% estar agora nos 3,76% — e ficamos com a certeza que Mário Centeno tem cada vez mais motivos para sorrir e as carpideiras cada vez mais motivos para chorar.
 
Ovar, 24 de abril de 2017
Álvaro Teixeira