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sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Passos curtos e pavio longo



por estatuadesal
(Francisco Louçã, in Público, 08/09/2017)
louca2
No meio de notícias contraditórias sobre as negociações para o Orçamento de Estado de 2018, o primeiro-ministro reuniu com alguns parlamentares do seu partido e declarou que nessa lei que define o próximo ano se manteria um “progresso sustentável”, com uma gestão “prudente”, mas sem dar “passo maior do que a perna“. É vantajoso que, de vez em quando, seja deitado um balde de água fria nas especulações que correm. Mas não creio que o processo esteja a correr como devia.
Até agora, os negociadores já têm dois problemas em mãos. Primeiro, estão demasiado atrasados: o novo Secretário de Estado de Assuntos Fiscais só reuniu com as esquerdas em Setembro, falta um mês para o documento ser entregue na Assembleia. Todo o trabalho feito com o anterior titular da pasta parece ser ignorado. Ou seja, a negociação de impostos, como de pensões e carreiras, vai ser feita em poucas semanas.
Segundo problema, o governo já por várias vezes apresentou em público números errados, o que tem um efeito comunicacional prejudicial. A criação de um novo escalão entre o primeiro e o segundo não beneficia 3,6 milhões de pessoas, é melhor dividir por três e ainda tirar alguma coisa (entre 7 e 20 mil euros anuais estão 1,128 milhões de contribuintes). A alteração do mínimo de existência de 607 para 632 euros não beneficia 1,6 milhões de pessoas, como sugerido por fonte governamental, é melhor dividir várias vezes.
A consequência do atraso é a total sobreposição com a campanha eleitoral. Seria menos problemático não fora o tempo curto e a tentação de fazer o debate fora da mesa da conversa. Não é assim que se negoceia, e sobretudo o governo não deve fazer este jogo. É evidente que as esquerdas, que não têm poder de governo, só podem fazer pressão apresentando as suas agendas, mas têm-no feito com o cuidado necessário para reservar para a negociação o apuramento de compromissos. Da parte do governo tem inteiramente outro significado quando são apresentadas conclusões, que não correspondem a nenhuma negociação, pois, uma vez publicada a decisão do governo, mais difícil será que haja um compromisso distinto. O governo está a negociar anunciando a lei antes de a discutir com os parceiros (por exemplo, remeter o essencial do descongelamento das carreiras para o próximo governo). Está a reduzir o diálogo a factos consumados, apoiando-se para mais em jogos com números demasiado fáceis mas sem rigor. E está a abdicar de fazer um contrato legislativo sólido para o ano inteiro.
O tempo passa a ser um factor porque, na pressa, se torna mais difícil pensar, corrigir e propor. De facto, o governo parece convencido de que basta oferecer discricionariamente algum ganho de causa a propostas das esquerdas para arrumar o assunto. Favorece assim quem prefere este tipo de negociação, um pouco de braço de ferro de última hora e ficamos satisfeitos, vale mais a aparência do que o trabalho aturado para soluções esforçadas e imaginativas, que abram caminhos novos.
Ora, as escolhas em Portugal não se compadecem deste jogo. Mesmo presumindo que o pavio é longo e que a bonança europeia se prolongue por mais uns meses, que Trump não destrua algum pilar da economia mundial e que o castelo de cartas aguente, Portugal precisa de um governo com mais ambição nos serviços estratégicos, com mais capacidade de mobilização de recursos para consolidar a recuperação económica e, portanto, não pode adiar medidas essenciais.
Será esse passo muito ou pouco curto? Pois até agora os resultados falam por si. Os únicos festejos que houve nos últimos dois anos foi quando se saiu do mapa estabelecido pela austeridade. Mais valia continuar a fazer o que tem sido bem sucedido.
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terça-feira, 5 de setembro de 2017

Agradecimento ao Professor Cavaco Silva


por estatuadesal
(Francisco Louçã, in Público, 05/09/2017)
louca
Francisco Louçã
A intervenção de Cavaco Silva na universidade de verão dos jovens do PSD é um triplo erro para ele e uma tripla vantagem para a esquerda.
Em primeiro lugar, o contexto. O ex-presidente esteve quase sempre discreto durante o mandato do seu sucessor, ao longo de ano e meio. Apresentou um controverso livro de memórias, mas a reacção da opinião pública já o devia ter feito perceber que as suas quezílias com Sócrates não aquecem nem arrefecem o país. Assim, ao escolher fazer pela primeira vez um discurso político de fundo, poderia ter optado por um cenário nacional mais abrangente, que evocasse o seu tempo em Belém. Não, escolheu voltar ao partido para perorar perante uma centena de jovens laranja. Quis portanto fazer-se pequeno.


sábado, 8 de julho de 2017

Trabalhos limpinhos e a teoria do buraquinho



por estatuadesal
(Francisco Louçã, in Público, 07/07/2017)
louca2

Na base de Tancos, a reparação da vedação foi um “trabalho limpinho” diz a empresa responsável pela obra. Talvez tenha sido e até parece provável que o assalto não tenha sido feito pela vedação, cujo buraco pode ser um truque. Entrarem camiões de transporte pesado por um buraco na rede para carregarem caixotes de munições e armas, isso não deve ter acontecido, mas sabe-se lá.
Ora, a teoria do buraco tem encantos surpreendentes e adeptos imprevisíveis. A teoria pode ser enunciada com os seguintes axiomas: se é preciso um assalto de grande envergadura técnica e meios sofisticados, um buraquinho serve; se a operação revela que não havia rondas de segurança, a culpa é de quem não tinha de definir as rondas; e, finalmente, havendo dúvida, dispara para cima. Percebe-se por isso porque é que esta teoria é tão apetecível, tem a vantagem de não haver responsabilidades.
Ao que se lê nos jornais, algumas associações militares estão por isso indignadas pelo facto escandaloso de o Chefe de Estado Maior do Exército ter dito que é uma humilhação descobrir que quem devia fazer a segurança da base é culpado de não haver segurança na base. O general não perfilhou a teoria do buraquinho e isso é uma chatice.
O que no entanto mais me preocupa, além destas ameaças de militares que dizem que vão entregar espadas porque alguém lhes pede contas da sua função militar, é como a teoria do buraquinho se instalou em Portugal e é rainha em diversos domínios. Veja o caso da fuga ao registo das transferências para os offshores, a que Inspecção Geral de Finanças dedicou esta semana um relatório. O relatório diz que não sabe o que aconteceu e parece-lhe que não houve “mão humana” (embora fique por esclarecer se houve mão divina, o que é sempre uma possibilidade). O inspector-geral chegou mesmo a sugerir que sabia de formas mais eficazes de ocultar o registo dessas transferências, no que deve ter razão. Portanto, ou o buraco na rede talvez seja só para disfarçar ou não houve mesmo assalto algum. A direita exultou, respirou de alívio o coitado do Secretário de Estado do CDS que tinha sido recrutado para o governo de um escritório de advogados que se dedicava a offshores, os mais afoitos exigiram pedidos de desculpas, afinal a teoria do buraquinho venceu mais uma vez.
Esta versão da teoria buraquista tem mais uma vez um problema. É que faltou o registo de 10 mil milhões de euros, com uma tripla pontaria infalível: a falha só teria beneficiado dois bancos, o BES e o Montepio; foi quase toda em prol de dois grupos económicos, incluindo o GES/BES no momento em que estava a ocultar as manobras que o levaram à falência; e o software em causa, que magicamente e sem “mão humana” decretou o apagão, incluía outras regras fiscais mas só se olvidou dos dinheirinhos para os offshores. Não pode haver então dúvida alguma: foi um buraco na vedação, depois veio uma mão espiritual, porventura a inteligência artificial de um software malicioso, e o registo de dez mil milhões evaporou-se.
Esta teoria do buraquinho teve nos últimos anos uma versão académica, que se chamou austeridade expansionista: se cortarmos as pensões dos nossos pais, o país empobrece e portanto melhora. E teve uma versão política para uso corrente: se cortarmos as gorduras do Estado, a União Europeia fica contente. Nas duas versões, o capital que circula pelos paraísos fiscais é inexpugnável, passou o buraquinho, e as funções do Estado devem ser reduzidas ao mínimo. O Estado, que tem obrigações fundamentais para com os cidadãos e quem paga impostos, fica ele próprio um vazio. Nas florestas, em Tancos e em todo o lado, o que agora vamos tendo é esse buraco.

domingo, 5 de março de 2017

Do milagre segundo Teodora Cardoso aos offshores - estatuadesal

 

(Francisco Louçã, in Público, 03/03/2017)
louca
      Francisco Louçã
 
Manda o rigor que se diga que foi a jornalista da Rádio Renascença quem falou de “milagre” na conversa com a entrevistada, Teodora Cardoso, mas esta entusiasmou-se e usou-a para argumentar que, afinal, o défice é ilusório. Como a noção tinha precedência, afinal a própria entrevistada tinha sugerido no final do ano passado que só por “fé” se poderia imaginar que fosse alcançado o objectivo do défice, ficou a tese do “milagre”. Terá portanto sido coisa sobrenatural, independente da vontade ou do mérito humano.
Não foi. Foi do lado da despesa o efeito de uma sucessão de cortes antigos, só parcialmente repostos, combinado com algumas medidas excepcionais e com o impacto, esse estrutural, da melhoria do desempenho da economia e do alívio das pessoas. Ou seja, o que salvou a economia foi a viragem de 2015 com o fim do governo de Passos e de Portas.
Em contrapartida, o que para Teodora Cardoso não é do domínio da “fé” mas da “ciência”, pelo contrário, é a doutrina da austeridade. Empossada em 2011 à frente do Conselho de Finanças Públicas pelo governo de Passos Coelho, Cardoso defendeu a estratégia de cortes estruturais com a troika, chegando a declarar que o programa do PSD-CDS era “prudente, credível e fundado na melhor e mais sofisticada ciência económica” e que por isso a sua ideologia, a “racionalidade”, a levava a saudar estas medidas “científicas”.
Recapitulemos então. Para Cardoso, “milagre” é conseguir-se um bom indicador orçamental ao passo que “a mais sofisticada ciência económica” é a austeridade que agravou a recessão com cortes sociais. Mas então temos um problema: se a medida do êxito desta espiritualidade for o seu resultado, a “ciência” garantida alcançou o pior efeito e só a tal “fé” não-científica conseguiu sacudir a pressão.
Portanto, Cardoso e o seu apoio à austeridade ficam mal no retrato: nem a sua posologia resultou nem as previsões acertaram. A pergunta então será: por que razão deveríamos dar crédito às suas antecipações do diabo, se falhou sempre desde 2011 e apoiou o caminho mais prejudicial? De facto, o Conselho presidido por Teodora Cardoso revelou-se inútil: só faz previsões e são todas erradas, nunca dando uma ideia de medidas e estratégias para evitar o sofrimento da população.
A polémica sobre os offshores ilustra perfeitamente esta doutrina “científica”. Há aliás uma pulsação irritante na questão: dia sim, temos escândalo e promessas de acabar com os offshores e, dia não, temos silêncio e continuidade. Bush prometeu em 2001 acabar com eles; Obama prometeu em 2008; e, quando foram revelados os dossiers dos “Offshore Leaks” (100 mil empresas, 2013), do LuxLeaks (400 multinacionais, 2014) e dos Panama Papers (214 mil empresas, 2016), repetiu-se a mesma farsa, agora é que vai ser. Não foi e não por culpa de Paulo Núncio, que afinal é só um advogado especializado na promoção de offshores. Ora, a “mais sofisticada ciência económica” é isto: os offshores são centros da finança mundial. É por isso que a União Europeia tolera jurisdições não cooperantes como Andorra, Liechtenstein, Mónaco e Guernsey, ou respeita a Holanda, Áustria e Suíça; ou que Portugal protege a zona fiscalmente privilegiada da Madeira, onde, como aqui se escreveu, “percebemos que a UC Rusal, a maior produtora de alumínio, a British American Tobacco, a segunda maior tabaqueira do mundo, a Pepsi, a Sonangol e um total de mil empresas partilhavam uma sala de 100 metros quadrados sem terem contratado um único madeirense e sem terem atividade produtiva no Funchal.”
Aqui, sim, temos uma “fé”. Só que ela não produz milagres, antes a jigajoga fiscal no nevoeiro dos offshores.
 
Ovar, 5 de março de 2017
Álvaro Teixeira