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sábado, 25 de novembro de 2017

O OE para 2018 incomoda

por estatuadesal

(Isabel Moreira, in Expresso Diário, 25/11/2017)

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É por isso que o discurso da direita, desde a apresentação do OE para 2018, tem sido sobre casos. Passos e Cristas optaram pelo populismo e pela demagogia, tentando, sem vergonha, juntar episódios sem qualquer nexo de causalidade entre si e anunciar uma alegada falência do Estado. A direita está subitamente apaixonada pelos serviços públicos que destruiu em nome do Estado mínimo que andou a implantar. Outra coisa a que assistimos desde a apresentação do OE para 2018 é ao ataque de carácter. Começa a ser banal ver Assunção Cristas acusar o PM de mentiroso, por exemplo.

Tudo isto acontece porque o OE para 2018 é justo, equilibrado e reformista.

É justo porque prossegue a recuperação dos rendimentos dos portugueses e das portuguesas, aprofundando a justiça na sua distribuição e a redução das desigualdades. Reduz impostos, aumenta pensões e prestações sociais. Esta justiça elementar tem sido apelidada de “eleitoralismo”, como se o respeito por quem trabalha, por quem está em situação de pobreza ou por quem trabalhou uma vida inteira fosse outra coisa que não isso mesmo: respeito.

É equilibrado porque conjuga justiça social com, por um lado, os nossos compromissos internacionais e, por outro lado, a consolidação dessa mesma justiça social, isto é, evitando que no futuro se ande para trás à conta de circunstâncias ditadas por imprevistos.

É reformista porque ataca o problema central do nosso país: estamos na cauda da Europa no que toca ao fosso entre pobres e ricos. A distribuição da riqueza em Portugal não pode deixar ninguém, e sobretudo quem se diga de esquerda, de braços cruzados. Ora, precisamente medidas como o alívio no IRS, mediante a revisão dos escalões do, que passam de 5 para 7, o aumento do mínimo de existência e a concretização do fim da sobretaxa, o aumento real das pensões em 2018 e a atualização extraordinária de pensões tocam numa ferida que foi violentamente alargada na anterior legislatura. Não estamos perante medidas de curto prazo, mas antes perante aquilo que reforma uma sociedade com níveis intoleráveis de desigualdade.

Bem pode, portanto, a direita bradar a um céu que não a acolhe que “as esquerdas unidas” não querem saber do setor privado e que se concentram nos funcionários públicos, desinvestindo mesmo nos serviços públicos. Para além de não ser verdade, como acabo de demonstrar – e não mencionei as medidas dirigidas ao crescimento das empresas e à sua competitividade – é intelectualmente insultuoso. É que este Governo, por exemplo no SNS, investiu em dois anos mais do que PSD e CDS em quatro anos e, por outro lado, sabe que não há bons serviços públicos (os tais que a direita diz estarem em falência) sem funcionários e sem que esses funcionários tenham os seus direitos respeitados. Acresce que a direita fomenta a divisão entre públicos e privados como se fosse a detentora de um historial de proteção desses privados. Todas e todos temos memória do saque fiscal do PSD e do CDS, do ataque à classe média, do convite (bem-sucedido) à emigração e do desprezo concretizado pelos diretos dos trabalhadores, vendo no aumento do salário mínimo um obstáculo ao crescimento.

O OE para 2018 incomoda. Porque mais uma vez a maioria de esquerda demonstra que é possível conjugar crescimento económico, diminuição do desemprego, criação de emprego, diminuição da dívida pública e cumprimento dos compromissos internacionais com a reconstituição e consolidação da Escola Pública e do SNS, ampliando os níveis de cobertura, diversificando as ofertas e qualificando as respostas.

Perante isto ouve-se Assunção Cristas falar nas nossas “vistas curtas”, quando não está a fazer demagogia com a legionella e as suas vítimas. Vistas curtas seria ignorar os enormes desafios da melhoria do bem-estar, da igualdade de oportunidades e da elevação dos níveis de escolarização das portuguesas e dos portugueses, fatores essenciais a um desenvolvimento económico e social que valoriza o conhecimento, a inovação, as pessoas e a qualidade de vida.

É ler o OE e perceber o incómodo.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Professores: como recuperar o que se perdeu nas lutas que não se travaram?

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, In Expresso Diário, 15/11/2017) 

Daniel

Daniel Oliveira

Como se sabe, as carreiras dos funcionários públicos foram várias vezes congeladas. E assim estão desde 2011. O descongelamento das carreiras é um enorme berbicacho. Pela despesa envolvida e porque as carreiras não são todas iguais. É sempre assim: é mais fácil não cometer uma injustiça do que corrigir as injustiças já cometidas.

Para além do descongelamento das carreiras há a tentativa de corrigir o que foi perdido para trás. Não será recuperado o que não foi pago nesses anos. Isso seria impossível, até do ponto de vista legal. O que se quer é, a partir de agora, ficar onde se estaria se tivesse havido congelamento. No caso dos funcionários públicos isso é possível através da contabilização dos pontos acumulados nas avaliações que se foram fazendo. E os que não tenham sido avaliados receberam, por defeito, um “bom”.

Com diferenças entre elas, as carreiras dos professores, militares, forças de segurança e magistrados não tem a mesma estrutura. No caso dos professores, é justo dizer que ela é genericamente mais generosa do que a dos restantes trabalhadores do Estado. Ainda assim, isso não é argumento para qualquer injustiça. As diferenças que existem foram decididas pelo Estado, que não pode fugir dos seus deveres. O que os professores estão a pedir é, na prática, o mesmo a que outros funcionários públicos tiveram direito. Só que a quase totalidade da evolução na carreira dos professores depende do tempo, não da avaliação. Isto permite que todos os professores, ao contrário do que sucede com a maioria dos funcionários do Estado, cheguem todos ao topo da carreira – há apenas duas mudanças de escalões que estão sujeito a quotas. Assim sendo, não têm, ao contrário dos restantes trabalhadores do Estado, pontos para recuperar. Ficam numa situação de enorme desvantagem, com mais de nove anos perdidos (houve outro congelamento entre 2005 e 2007).

O Governo pode apresentar todos os argumentos. O único válido, e não é pequeno, é que compensar esse tempo perdido custaria 600 milhões de euros. Mais, se aos professores se juntarem forças de segurança, militares e magistrados. Esse dinheiro não existe e, mesmo que existisse, a sua canalização para este fim criaria uma situação muito difícil de explicar aos restantes portugueses, que também sofreram nos anos da troika. Parece haver do lado dos sindicatos alguma abertura para fasear esta compensação por um período alargado. E, quem sabe, prescindir de parte desse valor. O risco de não haver um acordo, pelos efeitos políticos que isto teria na “geringonça” e pelos efeitos financeiros que teria no Estado, é começar a entregar o poder àqueles que, no PSD e no PS, congelaram as carreiras. Não me parece que seja justo ter uma posição mais irredutível com um governo que devolve do que se teve com um governo que retirou.

Mesmo que se apele a uma margem de cedência dos sindicatos, tendo em conta o efeito devastador que a compensação de uma década de injustiça teria nas finanças públicas, penso que os professores têm razão para exigir os mesmos resultados práticos que serão sentidos pelos restantes funcionários públicos. E têm razão para, através da greve, pressionarem para se chegar à melhor solução possível. Mas não deixa de ser sintomático que se anuncie agora a maior greve da década. Quer dizer que há maior mobilização para recuperar o que foi perdido com o congelamento das carreiras do que houve para impedir esse congelamento. E isto diz qualquer coisa sobre a fraquíssima capacidade de resistência que existiu ao ataque feito nos últimos anos. Incluindo dos sindicatos. Parece que interiorizámos a austeridade e achamos que é possível compensar agora a luta que não se fez na altura.

Parece que temos mais facilidade em lutar com quem negoceia do que com quem impõe. Esta greve está certa. O que esteve errado foi o que deixámos que nos fizessem. E não vale a pena ter ilusões: nunca se recupera o que se perdeu nas lutas que não se travaram.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

O ELÁSTICO ORÇAMENTO DA CATARINA

Estátua de Sal

por estatuadesal

(Joaquim Vassalo Abreu, 08/11/2017)

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Que como ainda não é feito em fibra de carbono ou outro qualquer material imune ao esticanço, mas para isso resolver temos aí a WEB SUMMIT e milhares de inovadores e empreendedores à espera de uma incubadora que, certamente como outras coisas inimagináveis, tal descobrirão, ele tanto estica, tanto estica que…rebenta!

É o Orçamento da Catarina! Tais e tais medidas, diz ela, não mereceram cabimento na generalidade, mas asseguro-vos que, na especialidade, tudo faremos para que elas lá constem. Essas e muitas mais.  Na especialidade, portanto, o Orçamento vai virar elástico!

A Mariana, por seu turno, numa excelente intervenção no Parlamento, desmontou num ápice a argumentação da Direita (as célebres clientelas das Esquerdas de novo, por exemplo) mas não resistiu à tentação e borrou no fim a pintura. Quando se referia às compensações pelo aumento de cerca de um milhão de Euros na despesa (redução do IRS, aumento das Pensões, dos Subsídios etc, que este Orçamento contempla), disse que a compensação é marginal (aumento do imposto sobre as bebidas açucaradas etc). Não referiu o aumento da Derrama Estadual, mas disse-o de modo orgulhoso e convicto.

A pergunta óbvia é: Mas de onde vem o dinheiro para colmatar esse aumento de despesa, certamente que justa e que eu até a apoio? Quem financia, Mariana? A isto ela respondeu que é o crescimento que concorre para que haja mais cobrança de impostos. Portanto, para a Mariana, o putativo aumento da cobrança de impostos advindo do crescimento económico será gasto na diminuição de impostos, não é? E o défice, Mariana? Como se baixa o défice?

Pois aqui está a questão e isso leva-nos para as famigeradas “Cativações”. Que, afirma a Catarina, sendo um instrumento de gestão de controlo corrente e por todos usado, “não podem servir para cumprir com Bruxelas e falhar com os parceiros”. Ora, se o aumento das receitas com Impostos não dá para diminuir o défice, que mais resta que as “Cativações”? Poupanças, quero eu dizer, nos gastos intermédios do Estado e em alguns serviços. Mais endividamento, claro.

Ah, afirma ela, e aqui secundado pelo Jerónimo, que tivemos um Saldo Primário de cerca de cinco mil milhões e poupamos cerca de mil milhões em juros. Não se pode gastar algum? Pois, mas por alguma razão o nosso défice desceu e contando com os juros (cerca de sete mil milhões) ele será ainda de cerca de dois mil milhões. Como se colmata? Com mais dívida, é também evidente. E também porque dois mais dois ainda são quatro.

Eu não sou ninguém para dar lições à Catarina, e muito menos à Mariana que é uma reputada economista, mas sempre lhes recordo que cabe a qualquer Governo consciente da sua função e das suas obrigações, ter uma política prudente e preventiva no que concerne ao financiamento do Estado e da Economia, para que diminuindo ou acabando os estímulos do BCE na compra de activos (perspectiva-se que diminuam para metade já em Janeiro próximo) tenhamos condições para acorrer aos Mercados.

Mas para irmos aos Mercados em condições vantajosas temos que ter contas sãs e défice a pender para o zero, pois senão a dívida aumentará sempre, e um satisfatório “rating”. Mas de que depende o “rating”? Disto tudo, é claro também. O bom senso tem como limite o défice zero, quer se queira quer não.

Eu também não concordo com este “sistema” que está implantado, em pertencermos a uma moeda única que nos tolhe e em não termos instrumentos eficazes como a taxa de câmbio ou moeda própria, por exemplo. Mas é o que temos, enquanto tal não se modificar. E é obrigação de quem aspira à governação, ou a mesma queira influenciar, resistir à tentação da demagogia.

O PODEMOS em Espanha, por exemplo. Teve a oportunidade de ter sido Governo em aliança com o PSOE mas, inseguro, pretendeu encher mais o balão através de novas eleições e desatou a reivindicar medidas sem conta, cerca de noventa, para que o PSOE não pudesse aceitar e levar a sua avante. Que sucedeu? Baixou a sua votação e deixou de contar para uma maioria! A demagogia às vezes paga-se! Mas pega-se, não é? Alguma vez terá o Bloco vontade de pertencer a um Governo?

Por registo de interesses, não sou apoiante do BE, antes pelo contrário, nunca nele votei e certamente nunca votarei mas, como pessoa de Esquerda, respeito-o, até porque faz parte da “Geringonça”.

Mas não aprecio e critico até a sua forma um tanto ou quanto imatura e excêntrica de actuar. Pelo que digo: Sei o que é o PCP e o que representa; também sei o que é o PS mas, sinceramente, não sei bem o que é ideologicamente o BE.

Sei que vão chover mil críticas a este meu posicionamento mas, como não sou o dono da verdade absoluta nem sou imune a críticas, pois façam o favor…

Tenho para mim que, tal como o “Albergue Espanhol”, o Bloco é o reduto onde cabem todos os indefinidos de Esquerda, os que foram anti-PCP, os que se revêm nas Esquerda do PS, mas não aceitam subscrever as regras do Capitalismo (e tudo o que nisso significa) e são assim como que uma sobra das Esquerdas, mas muitas vezes com uma arrogância intelectual tal que faz com que seja vista como uma organização pretensamente elitista. A Esquerda “Bairro Alto” ou “Caviar”, como também lhe chamam.

E não posso, para terminar, deixar de referir que não me agrada e irrita-me mesmo que, na vigência desta solução governativa, exiba muitas vezes uma postura sobranceira, a roçar muitas vezes o cinismo, reivindicando como de sua patente medidas que foram negociadas a três (ou quatro), quebrando até e muitas vezes o próprio sigilo auto imposto por todos. E isto diminui a sua fiabilidade e confiança, pelo menos para mim.

Mas na sua entrevista ao DN, que acabei por ler, constatei também uma surpreendente afirmação sua e que, de tão estimulante, eu acabei até por reler :”…as folgas pontuais não resolvem o problema estrutural da dívida”. E fiquei muito, mas muito confuso e perguntei-me: Se não são as folgas, será o quê? E como se faz para que as folgas deixem de ser pontuais? E como é que, sendo pontuais, servem para “esticar” o Orçamento?

Mas também fiquei convencido que, depois de saber dos seus dotes de alquimia, foi ela que, qual Alexandre- O Grande  com o “Nó Górdio”, resolveu o complexo, indecifrável e irresolúvel “nó” da “Quadratura do Círculo”!

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

A direita não sai do seu velho ciclo

Estátua de Sal

por estatuadesal

(In Blog Aspirina B, 06/11/2017)

Mumia Cavaco SLopes

Para desespero da direita, ainda não foi desta que Bloco e PCP roeram a corda do Orçamento. O resultado das Autárquicas alimentou-lhes a esperança da vinda do tão esperado novo ciclo, como não aconteceu, alguns atacam o documento agora aprovado, enquanto outros usam como única arma de arremesso político a tragédia dos incêndios.

E há ainda os que misturam tudo como faz o Pedro Marques Lopes, esta semana, na sua crónica no DN.

Diz ele que “o Orçamento do Estado para 2018 é uma espécie de documento de “depois logo se vê”.” Confesso que demorei um bocadinho, mas acabei por concordar. Afinal, há aqui uma diferença, os orçamentos da direita eram mais do tipo “vê-se logo”. Via-se logo que eram inconstitucionais, via-se logo que as contas estavam aldrabadas e que seriam necessários vários orçamentos rectificativos e, sobretudo, via-se logo que o País continuaria a marcar passo. Mas fiquei a pensar e o “depois logo se vê” deve ter sido inspirado na campanha dos candidatos à liderança do PSD. É que, tirando o campeonato dos afectos, não se lhes conhece ideia alguma para o futuro do País. Aliás, “depois logo se vê” podia ser o lema do velho ciclo da direita. Adiante.

Mais abaixo, o Pedro Marques Lopes, informa-nos que “a grande questão é que este Orçamento revela o labirinto sem saída desta solução governativa”, e que “o Orçamento grita isso, está bem à vista que os entendimentos em aspectos fulcrais para o país são impossíveis com esta solução governativa”. Até aqui, os aspectos fulcrais para o País têm sido o défice, a dívida, o crescimento da economia, o desemprego, etc.. Como esses aspectos estão bem encaminhados, e o Orçamento assim o prova, no entender de PML, e se calhar bem, os aspectos fulcrais passaram a ser “as mudanças na Segurança Social, prioridades para o investimento público, reformas no ordenamento do território, acordos para reformar a Justiça, entre outros.” E que os mesmos “são impossíveis de obter no quadro da geringonça.” Não sei se é impossível o Governo realizar essas reformas com o apoio do BE e do PCP, mas sei, e o PML também, que sem o acordo do PSD, pelo menos, são reformas com muito pouco alcance. Ou seja, não são reformas, são apenas umas medidas que o governo seguinte revogará assim que tiver oportunidade.

O que me leva ao tal labirinto. Ao contrário do que diz o PML, os labirintos normalmente têm uma saída e o PS, o BE e o PCP têm conseguido encontrá-la. Já no PSD não se movem num labirinto, isso implica percorrer caminhos, sendo que alguns até os poderiam levar ao entendimento com a esquerda para os tais aspectos fulcrais. Movem-se em campo aberto, mas, tendo em conta as coisas sem nexo que gritam, devem andar todos de olhos vendados.

sábado, 4 de novembro de 2017

A “GERINGONÇA” TEM FUTURO? TEM QUE TER!

Estátua de Sal

por estatuadesal

(Joaquim Vassalo Abreu, 04/11/2017)

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O Daniel Oliveira publicou por estes dias um texto, que quase na íntegra corroboro, que se intitula: “O Orçamento é de Esquerda. Mas deixa Esquerda para o futuro?”.

Enumera, embora não exaustivamente, o que de bom já se fez mas, recordando o ainda não realizado, preocupa-o que deixando tudo isso para o futuro, tal fique como uma “marca” negativa desta governação. O que quer dizer, para o Daniel, não ter este Governo feito tudo o que os Partidos à sua esquerda reclamaram e reclamam, como a Contratação Colectiva e a sua caducidade, por exemplo.

É inquestionável ser substancialmente correcto e factual que ainda há muito por fazer, mas como comentador e analista político que é, o Daniel esbarra na dúvida sistemática que o assalta, a ele e a outros, que se manifesta na tendência para o politicamente correcto (deixar sempre pontas soltas na sua abrangente linguagem) e no receio de assumir o papel de antecipador, utilizando para isso a dúbia interrogação.

Mas eu, como não sou analista nem comentador de serviço, não convivo com essa tal dúvida sistemática e procuro sempre simplificar. E não concordo que essas importantes medidas ainda não tomadas ou mesmo adiadas, fiquem como uma “marca” negativa para as Esquerdas. Não penso mesmo isso!

Penso, antes pelo contrário, que o que já foi feito e conseguido é que fica como uma “marca”! E fica por várias razões. A saber:

· Porque nem o mais iluminado optimista imaginaria ser possível que, em pouco mais de dois anos, esta solução governativa tivesse tanto sucesso.

· Porque nem o mais empedernido optimista a sonharia há pouco mais de dois anos.

· Porque o que também fica como uma indelével “marca” é o fim do mito de que as Esquerdas não sabem governar. As Esquerdas mostraram e têm mostrado que são competentes e que sabem conjugar uma certa austeridade (cativações, por exemplo) com reposição de direitos e rendimentos, com crescimento económico e controlo das Finanças Públicas. Coisas que as Direitas nunca saberão.

· Porque com tudo isto as Esquerdas ganharam crédito e respeito insuspeitáveis. Até lá fora!

· Pelo que esta “marca” tem que ser ainda mais fortemente sedimentada. Porque se ajusta às vontades da grande maioria da sua base de apoio e, ia apostar, da grande fatia da população e desperdiçá-la, para além de um grosseiro erro, seria um crime de lesa pátria.

E isso mesmo ficou bem visível ainda hoje na discussão e aprovação do Orçamento de Estado para 2018 e em que à irritação de toda uma quezilenta Direita, perdida e incapaz de apresentar alguma alternativa, correspondia um acerto cada vez maior e mais pacífico das Esquerdas.

Por tudo o exposto e também porque entendo que não pode ser tudo feito de uma vez só, há coisas mesmo que requerem o seu tempo, é imprescindível que o que ainda não foi realizado e é forçoso que se realize, continue a constar da agenda como um essencial objectivo conducente ao combate efectivo à precariedade, à estabilização das leis do trabalho e à segurança no emprego.

Mas, ainda assim, é minha convicção que tem aumentado paulatinamente o número daqueles que já compreendem que, tal como Roma e Pavia não se fizeram num dia, quer queiramos quer não, só poderemos todos esses desideratos alcançar se tivermos as contas públicas controladas, o défice a descer, o saldo primário excedentário e a dívida pública a diminuir.

E isso não só é importante para que o financiamento do Estado e da economia estejam assegurados e a taxas cada vez mais baixas, mas também para que a nossa credibilidade e afirmação fiquem, elas igualmente, como uma “marca”! Mas essa “marca” cada vez mais vincada, necessita de cada vez maior sustentabilidade, que só pode ser alcançada através do cumprimento dos pressupostos acima enunciados.

A Esquerda, toda a Esquerda, ou Esquerdas, tem que estar bem ciente disso e quando digo que a grande maioria do Povo das Esquerdas está cada vez mais elucidado a esse respeito, é para dizer claramente que quem isto subestimar será fortemente penalizado por todo esse eleitorado.

Esticar a corda, seja de um lado, ou seja do outro, mais à esquerda ou menos à esquerda, será sempre contraproducente, tanto mais que o que se notam são substantivos avanços e não recuos. Do mesmo modo que o precipitado aproveitamento de algum sinal que as sondagens possam fornecer o será inevitavelmente. A “marca”, a tal “marca” é já indissociável dos Partidos que sustentam este Governo e, estou convencido, esse mesmo Povo não perdoaria ao PS nem a arrogância nem o distanciamento.

O que esta solução governativa teve e tem de grande mérito é mesmo isso: é, na sua diversidade, os Partidos que a compõem terem conseguido estar juntos e coesos no essencial. No possível, ou no imediatamente possível melhor dito, em detrimento precisamente daquilo que ainda está fora do seu tempo e se mostra, neste momento, mais separador que agregador.

Devemos a este Governo os louros pelos resultados alcançados, mas devemos aos restantes Partidos da “coligação” (a que agora o PSD resolveu chamar de “Social Comunista”!) a justeza, firmeza e resiliência na exigência de medidas que pareciam impossíveis, mas que, como disse, se mostraram salutares e, igualmente de suprema importância, no desabar de um vetusto “tabu”: o de que os tais Partidos, a que as Direitas chamam de “Radicais”, estavam impossibilitados de pertencerem ao arco da governação.

E a quebra deste “tabu”, ao mesmo tempo que abriu importantes janelas para o futuro, abriu também a porta a cada vez maiores responsabilidades.

E hoje virei “analista”! Como diz um Irmão meu: dizes que não és, mas afinal…



sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Maldita retoma



ladroes de bicicletas

Posted: 03 Nov 2017 02:15 AM PDT

Retoma

Fonte: INE, contas feitas a partir das Estatísticas das Empresas

Leia-se as duas declarações seguintes:  

"A estabilidade das políticas publicas é crucial para a recuperação da confiança. A recuperação da confiança é determinante para a recuperação do investimento. A recuperação o investimento é essencial ao crescimento e à criação de emprego. E só com crescimento e emprego é possível recuperar o rendimento e consolidar de forma sustentada as nossas finanças públicas. À convicção deste virar de página que era não só necessário como possível, juntamos agora os resultados produzidos por esta mudança de política."

Ou seja:
Cumprir as metas orçamentais -->  recupera a confiança --> recupera o investimento -->  crescimento e aumento do emprego. Uma ideia que seria facilmente defendida pelas bancadas à direita do Parlamento.

"Alcançámos porque soubemos conduzir com equilíbrio virtuoso os diferentes objectivos orçamentais. Só foi possível cumprir os compromissos orçamentais da União Economia e Monetária porque a economia respondeu positivamente às novas políticas com mais crescimento e mais emprego. E é também claro que a recuperação económica só foi possível ao provarmos que eram elas que conduziam à estabilidade orçamental, à estabilidade do sector financeiro e à recuperação da confiança na economia portuguesa"

Resumo:
Novas políticas --> crescimento e mais emprego --> cumprimentos das metas orçamentais e estabilidade do sector financeiro, recuperação da confiança. Uma ideia que está mais de acordo com as críticas à esquerda.
Se olharmos para estas duas sequências causais, elas aparentam ser não antagónicas, dada a natureza em espiral dos efeitos virtuosos. Mas na realidade, depende de onde se comece o raciocício. Elas têm, na verdade, diferentes pressupostos de teoria económica e, com eles, uma forma diversa de olhar para a economia e para o país e pressupõem panóplias de políticas distintas.
Aliás, essas duas visões distintas ficaram patentes em Portugal, desde 2010 até agora (desembocando nas eleições legislativas de 2015) e tiveram até mais um episódio de confronto, ontem, na discussão na generalidade da proposta de Orçamento de Estado para 2018. O PSD assentou a sua posição com uma declaração política de ... Maria Luís Albuquerque, que foi aplaudida no fim durante um minuto por toda a bancada social-democrata, como se fosse ainda ministra das Finanças! 
Mas voltemos às duas citações.
O interessante é que ambas foram ditas pela mesma pessoa. E são do primeiro-ministro António Costa, ontem proferidas na sua declaração de apresentação da mesma proposta de OE.
A poítica seguida até agora tem, de facto, gerado uma subida do crescimento e do emprego, mas em que o emprego gerado é pouco qualificado, mal remunerado (abaixo da média global da economia), influenciado por uma conjuntura favorável e, pior que tudo, baseados maioritáriamente em formas diversas de contratos precários, em que os salários médios praticados têm vindo a decrescer, apesar da retoma. O gráfico acima é prova disso.
Por razões diversas, a que não é alheio a existência de cerca se um milhão de desempregados (em sentido lato), os ganhos da retoma não têm sido distribuídos com justiça e esse aspecto deriva muito da ausência de políticas que relativizem a componente conjuntural e de políticas relativa ao mercado de trabalho. O Governo - por razões diversas, nomeadamente europeias - pouco quis alterar o enquadramento legal deixado pela direita, criado para embaratecer a mão-de-obra e fragilizar o papel dos sindicatos, o que marca muito a política seguida pelo governo.
Este foi um dos aspectos ausente do debate orçamental de ontem. Algo que permitiu ao primeiro-ministro fazer a quadratura do círculo, na defesa o mesmo tempo de todas as ideias económicas.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Passos curtos e pavio longo



por estatuadesal
(Francisco Louçã, in Público, 08/09/2017)
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No meio de notícias contraditórias sobre as negociações para o Orçamento de Estado de 2018, o primeiro-ministro reuniu com alguns parlamentares do seu partido e declarou que nessa lei que define o próximo ano se manteria um “progresso sustentável”, com uma gestão “prudente”, mas sem dar “passo maior do que a perna“. É vantajoso que, de vez em quando, seja deitado um balde de água fria nas especulações que correm. Mas não creio que o processo esteja a correr como devia.
Até agora, os negociadores já têm dois problemas em mãos. Primeiro, estão demasiado atrasados: o novo Secretário de Estado de Assuntos Fiscais só reuniu com as esquerdas em Setembro, falta um mês para o documento ser entregue na Assembleia. Todo o trabalho feito com o anterior titular da pasta parece ser ignorado. Ou seja, a negociação de impostos, como de pensões e carreiras, vai ser feita em poucas semanas.
Segundo problema, o governo já por várias vezes apresentou em público números errados, o que tem um efeito comunicacional prejudicial. A criação de um novo escalão entre o primeiro e o segundo não beneficia 3,6 milhões de pessoas, é melhor dividir por três e ainda tirar alguma coisa (entre 7 e 20 mil euros anuais estão 1,128 milhões de contribuintes). A alteração do mínimo de existência de 607 para 632 euros não beneficia 1,6 milhões de pessoas, como sugerido por fonte governamental, é melhor dividir várias vezes.
A consequência do atraso é a total sobreposição com a campanha eleitoral. Seria menos problemático não fora o tempo curto e a tentação de fazer o debate fora da mesa da conversa. Não é assim que se negoceia, e sobretudo o governo não deve fazer este jogo. É evidente que as esquerdas, que não têm poder de governo, só podem fazer pressão apresentando as suas agendas, mas têm-no feito com o cuidado necessário para reservar para a negociação o apuramento de compromissos. Da parte do governo tem inteiramente outro significado quando são apresentadas conclusões, que não correspondem a nenhuma negociação, pois, uma vez publicada a decisão do governo, mais difícil será que haja um compromisso distinto. O governo está a negociar anunciando a lei antes de a discutir com os parceiros (por exemplo, remeter o essencial do descongelamento das carreiras para o próximo governo). Está a reduzir o diálogo a factos consumados, apoiando-se para mais em jogos com números demasiado fáceis mas sem rigor. E está a abdicar de fazer um contrato legislativo sólido para o ano inteiro.
O tempo passa a ser um factor porque, na pressa, se torna mais difícil pensar, corrigir e propor. De facto, o governo parece convencido de que basta oferecer discricionariamente algum ganho de causa a propostas das esquerdas para arrumar o assunto. Favorece assim quem prefere este tipo de negociação, um pouco de braço de ferro de última hora e ficamos satisfeitos, vale mais a aparência do que o trabalho aturado para soluções esforçadas e imaginativas, que abram caminhos novos.
Ora, as escolhas em Portugal não se compadecem deste jogo. Mesmo presumindo que o pavio é longo e que a bonança europeia se prolongue por mais uns meses, que Trump não destrua algum pilar da economia mundial e que o castelo de cartas aguente, Portugal precisa de um governo com mais ambição nos serviços estratégicos, com mais capacidade de mobilização de recursos para consolidar a recuperação económica e, portanto, não pode adiar medidas essenciais.
Será esse passo muito ou pouco curto? Pois até agora os resultados falam por si. Os únicos festejos que houve nos últimos dois anos foi quando se saiu do mapa estabelecido pela austeridade. Mais valia continuar a fazer o que tem sido bem sucedido.
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“NÃO DAR UM PASSO MAIOR QUE A PERNA…”



por estatuadesal
(Joaquim Vassalo Abreu, 08/09/2017)
passo
(Este texto reflecte apenas a opinião do seu autor, sobretudo no que toca à sua declaração negativa de voto eleitoral. Esta página não faz declarações de voto explícitas, nem a favor nem contra, até porque as Estátuas não votam.
Estátua de Sal, 08/09/2017)

Lentamente começo a actualizar-me e, agora que terminou o período estival e recomeça a disputa política, também eu vou retomando os meus velhos hábitos e vendo alguma TV.
E ouvi hoje esta lapidar frase de António Costa, que releva da sabedoria popular e do bom senso, não admitindo, por isso, qualquer relevante contraditório, e verifiquei de imediatos três tipos de reacções: Por um lado o ar estupefacto de Passos Coelho, que desejava realmente que Costa aceitasse, por pressão dos seus aliados, dar “um passo maior que a perna”, a de Catarina Martins, também estupefacta e dando uma resposta leviana e inconsequente e, por fim, a posição sempre sensata do PCP que prefere esperar para ver, mas sempre disposto a lutar pelo possível.
“Lutar pelo possível” disse eu e conscientemente o disse. Porque é disso mesmo que se trata.
Pois vejamos: Se os resultados da Economia têm sido francamente bons; se os valores das principais variáveis económicas e sociais têm tido um comportamento francamente positivo ( a confiança, o investimento, o consumo privado, as exportações etc e etc.), tudo isso tem por sustentação dois aspectos nitidamente relevantes: por um lado a sensação de que o Governo tudo tem feito para inverter o ciclo da austeridade e reverter rendimentos, mesmo que faseadamente e, por outro lado, a certeza de que tudo isso tem sido feito observando e respeitando integralmente as condicionantes que nos são impostas pelo controle do défice e pelo rating da dívida.
Assim sendo, constituindo esta notável melhoria da situação económica e global um desafio a uma estabilidade sustentável, não só desejável como imprescindível, ela não pode ser desperdiçada por desejos de um aproveitamento pontual que se poderá tornar malévolo num futuro próximo.
As posições do Bloco de Esquerda, imediatistas , não digo irresponsáveis mas no mínimo aéreas, não condizem minimamente com a aceitação da realidade nem com as suas exigência e mais me parecem a daquelas famílias que, tendo conseguido uma momentânea melhoria da sua situação orçamental, desatam logo a gastar sem cuidar de poupar ou antever uma crise futura.
Reivindicar, como faz o BE, para que depois o sucesso das medidas sejam obra sua, é o caso de uma política pouco responsável e até oportunista, que nada aporta nem ao bom senso nem à estabilidade.
Contrário é, como disse, o comportamento do PCP. O PCP elege temas comportáveis e realizáveis. Estuda-os e, movimentando-se na sombra, sabe perfeitamente da exequibilidade e de todos os contornos mas, sabendo serem medidas possíveis e compagináveis, não prescinde delas. É consequente e responsável.
O BE apenas quer louros e apresenta uma Catarina sempre mal disposta. Não é bem o Passos Coelho, embora às vezes pareça, mas coloca-se muitas vezes a jeito!
É que Passos Coelho logo veio dizer do seu desejo: que os Partidos de Esquerda que apoiam esta solução parlamentar se desentendam e deixem o PS a falar sozinho!
Isto é o que ele sonha, já que todos os seus sonhos se têm perdido no anedotário do tempo, a não ser que a Catarina ajude…
De modo que eu reafirmo, corroborando energicamente a frase de Costa, que “ Não dar um passo maior que a perna”´ é o que impõe o bom senso e a razoabilidade!
O BE quer derrubar o Governo? Pois que derrube! Vai-se arrepender eternamente…
Não tenho nada contra o Bloco, mas nunca nele votaria!
É a minha opinião! Apenas minha!
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quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Porque nem todos devem pagar IRS



por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 06/09/2017)

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Miguel Sousa Tavares lançou o novo mantra que já encontrou vários seguidores: pôr os mais pobres a pagar IRS. Um valor simbólico que seja, diz ele. Podem ser 10 euros. Esta é a grande demanda pela justiça fiscal. Só assim teremos contribuintes responsáveis e só assim as pessoas darão valor aos apoios que recebem do Estado. Não sou insensível à necessidade de valorizar política e socialmente os gastos do Estado, apesar de ter a sensação que os mais pobres dão muito mais valor ao que lhes é oferecido pelo Estado – Serviço Nacional de Saúde ou Escola Pública, subsídio de desemprego ou reforma –, do que os mais ricos. Seria interessante verificar isso com dados sólidos.

Há uma razão para mais de metade dos portugueses não pagarem IRS: receberem muito pouco. O problema não está no sistema fiscal. O problema está na desigualdade salarial. Somos dos países da Europa em que o fosso entre o salário mais alto e o salário mais baixo é, dentro da mesma empresa, maior. O fardo fiscal cair sobre os ombros de uma minoria não resulta da injustiça do sistema fiscal, resulta da injustiça da distribuição da riqueza: a minoria que paga IRS é a minoria que recebe o suficiente para o pagar. É aí que está o problema.

Perante esta constatação de facto – de que a desigualdade salarial é tanta que a maioria nem recebe o suficiente para pagar IRS – seria normal concluir que o papel redistributivo dos impostos se torna ainda mais relevante. A conclusão é no entanto a oposta: como os impostos são pagos por uma minoria, temos de diminuir esse papel redistributivo.

O meu colega de colunas Henrique Monteiro deu um argumento que é em parte verdadeiro: “Quem ganha pouco, não pagando nem simbolicamente, tem direito a ajudas do Estado para as quais nem contribui. Quem contribui mais não tem direito a ajuda praticamente nenhuma.” Isso resolve-se de uma forma evidente: a não ser nos apoios à pobreza ou em subsídios não contributivos (que julgo representarem uma pequena parte das despesas sociais do Estado), os serviços públicos devem ser universais e o seu custo para cada cidadão não deve ser indexado ao rendimento. A progressividade e redistribuição garante-se nos impostos, não no pagamento de serviços públicos. O que contraria a ideia do utilizador/pagador, conforme o rendimento de cada um. Seja nas propinas ou nas taxas moderadoras. E ainda mais, passando para a segurança social, o plafonamento das reformas. Porque criticar esta “dupla tributação” e depois embarcar no discurso demagógico de que os mais ricos não devem ter acesso a serviços públicos gratuitos é, na prática, alimentar a “dupla tributação" que leva quem ganha mais a deixar de querer pagar impostos. Não podemos defender a injustiça e depois queixarmo-nos da injustiça.

Mas o que me espanta mais nesta polémica é mesmo o seu absurdo social e político. Num país onde, através de um labirinto de isenções e deduções, quem tem dinheiro para pagar a contabilistas leva um bónus; e num tempo em que a chantagem da globalização permite ao capital e aos grandes grupos económicos fugirem aos seus deveres fiscais, a prioridade não é o Pingo Doce pagar impostos em Portugal, é o caixa do supermercado dar a sua contribuição.

A desigualdade nunca é apenas económica. É sempre de poder e visibilidade. A maioria que ganha miseravelmente não tem voz nos media. Não tem quem fale por ela no telejornal. Uma imaginada “classe média”, que na bolha onde vivem muitos comentadores está nos dois escalões mais altos do IRS, tem tempo de antena ilimitado. O que cria uma imagem distorcida da realidade: a de que os mais pobres vivem às custas dos impostos pagos por uma minoria. Lamento, mas é o contrário: é a minoria que concentra nas suas mãos grande parte da riqueza deixando tão pouco para a maioria que nem para pagar IRS sobra. Os que mais recebem não são pessoalmente responsáveis pela desigualdade. Mas são moralmente responsáveis por não enviesar o debate, não transformando o privilegiado em vítima e a vítima em parasita.


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Pormenores de 600 milhões



por estatuadesal
(Marco Capitão Ferreira, in Expresso Diário, 06/09/2017)
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A execução orçamental de 2017, tal como se vinha desenhando, está a beneficiar dos efeitos positivos de uma descida do desemprego mais rápida do que o previsto, de um crescimento económico acima das previsões e da manutenção de um apertado controlo na execução da despesa.
De tal forma que há quem já identifique uma “folga” de 600 milhões de euros na execução orçamental. Já lá vamos, mas por ora convém abrir um breve parêntesis.
600 milhões era também o montante de cortes na Segurança Social que o PSD e CDS se preparavam para fazer se tivessem conseguido formar um Governo com apoio mínimo no Parlamento. E esses cortes podiam mesmo ser cortes directos nos montantes das pensões. Não vale a pena negar essa realidade.
Este não tão pequeno pormenor de 600 milhões de euros acima ou abaixo diz tudo sobre quem vê a solução para o País por via de repor rendimentos e crescer e quem só pensa em empobrecer o País e retirar rendimentos do trabalho enquanto aumenta os rendimentos de capital.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Os insondáveis mistérios da estabilidade fiscal


por estatuadesal

(Mariana Mortágua, in Jornal de Notícias, 05/09/2017)
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"O Governo devia privilegiar a estabilidade fiscal, o que significa não andar a mexer nos escalões". Estas declarações de Passos Coelho são uma boa oportunidade para tentar esclarecer alguns mistérios associados à dita estabilidade fiscal. Em primeiro lugar, o mistério da relatividade. Porque é que descer o IRS através do aumento de escalões é prejudicial à estabilidade fiscal, mas reduzir o IRC, como propõe o PSD, não é? Dirão que a descida já estava prevista na reforma do IRC começada pelo anterior Governo e que foi - e bem - interrompida. Mas, então, porque é que PSD e CDS se opõem ao aumento da derrama sobre as empresas com mais lucros, tal como também estava previsto como contrapartida da segunda redução da taxa de IRC, em 2015? "Estabilidade fiscal" é, conceptualmente, afinal, muito mais do que a sua mera interpretação literal possa sugerir.
Mas consideremos também o mistério da supremacia. Porque é que a estabilidade fiscal deve, por si só, ser privilegiada ou prevalecer sobre outros princípios? É preciso perguntar porque é que o princípio da estabilidade não vingou quando PSD e CDS fizeram aprovar as novas regras para taxação de patentes ou de mais -valias distribuídas pelos grupos económicos. Será que é porque ambas as medidas promovem o planeamento fiscal e, por isso, neste caso, a "competitividade fiscal" se sobrepõe à "estabilidade fiscal"?
Se há outros princípios, porque é que uns são aceites e outros não? Um dos mais dolorosos pontapés que o governo de PSD/CDS deu na dita "estabilidade fiscal" foi precisamente a alteração do número de escalões de IRS. A consequência foi o brutal aumento do imposto pago pelas famílias com menos rendimentos e pela classe média. Porque haveria um Governo de manter uma regra fiscal, sabendo que esta é injusta e que diminui o caráter progressivo (previsto constitucionalmente) do IRS? Porque é que a "competitividade fiscal"" vale mais que a "estabilidade fiscal", mas a "justiça fiscal" perde para ambas?
O aumento do número de escalões é essencial, não só para reduzir o imposto a pagar, mas para aumentar níveis de progressividade e justiça do IRS. Se fosse irrelevante, Vítor Gaspar não tinha passado de oito para cinco, chamando-lhe "enorme aumento de impostos".
Bem vistas as coisas, não são assim tão insondáveis os mistérios da estabilidade fiscal. Uma coisa é certa, o PSD terá de se esforçar mais para explicar a sua oposição à alteração dos escalões do IRS.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Brincar com a tropa



por estatuadesal
(Sandro Mendonça, in Expresso Diário, 06/07/2017)
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A operação levada a cabo em Tancos, complexo militar no coração do país, deve ser visto como uma operação planeada e executada contra o Estado português.
Em tempos de paz o perigo vem muita vez de dentro. Se as armas pesadas estão com os militares, pois estes asseguram o monopólio da violência, então uma prioridade da Defesa Nacional tem de ser defender a sociedade dessas próprias armas. Não tem charme nem dá medalhas, mas o controlo das armas não pode ser esquecido como função prioritária pelo sistema de segurança. Isto inclui as polícias: quantidades industriais de armamento ligeiro ou pesado não podem simplesmente evaporar-se.
Forças portuguesas participam e participaram em várias operações no estrageiro, juntando-se a várias missões de patrulha marítima ou de manutenção de paz no terreno. Não se pode pensar que, nestes temos de globalização fluída e fronteiras porosas, o risco não vem bater à porta da própria base de partida.
Diz-se por aí que Portugal, depois da Islândia e da Nova Zelândia, está no pódio dos países pacíficos. Se repararmos estes são países distantes, separados e insulares. Não é o caso de Portugal: bastante central, aliás, termos de rotas internacionais e transcontinentais. Não há portanto nada de predestinado, e o país não é à prova de instabilidade.
Não é tanto uma questão de “os brandos costumes” mas sim de “os bananas do costume”: a espécie sobreviveu porque à porta da caverna estavam uns tipos que não dormiam, lá para o fundo da gruta havia quem ressonava contando carneirinhos pacíficos.
Pois bem, pode dizer-se que a questão é complexa mas:
1. Quão recorrente eram os furtos de material não-bélico em Tancos e em outros paióis? Para dar um exemplo caricato, os kits de sobrevivência do exército têm o condão de “voar”: quem reconhece os talheres encaixáveis destes kits sabe do que eu estou a falar, eles são visíveis por aí, a uso no meio da sociedade (como lá chegaram?!). Porque razão estes sinais fraco nunca foi sistematicamente reportados? Como se construiu e consolidou uma cultura de não-reporte e envergonhada implícita conivência? Uma cultura de “broken windows” na tropa levou depois a este escândalo?
2. Pois, a verdade é que nos anos da troika o “número de bombeiros caiu 10% e de militares desceu 15% no período da 'troika’”, como apontou Mário Centeno perante a Comissão parlamentar de Orçamento, Finanças e Administração Pública. Mas muitos desses estavam na parte mais adiantada da distribuição etária. A falta de recursos não justifica tudo. A quebra de serviço terá uma natureza sobretudo organizacional.
3. A oposição fala de cativações, tendo ela própria usado e abusado desses expedientes quando estava poleiro. Tem a lata de falar de cativações, mas não a honestidade de falar de “Descativações”. A Conta Geral do Estado referente a 2016 efectivamente mostra que na Administração Central quase metade das verbas foram desbloqueadas e que onde houve mais descativações foi na “aquisição de bens e serviços” com destaque para a Segurança Interna e Defesa Nacional (páginas 102, 103 e 104).
4. Mas um problema nunca vem só. Cedo se percebe que quando há problemas como este e como os fogos (como já me referi aqui) há personagens estrangeiros que se tentam aproveitar e se esforçam por atiçar ainda mais a confusão: e estas iniciativas de interferência estão a vir dos dois maiores jornais espanhóis. Agora foi o caso do jornal El País a cometer mais um exemplo de sub-jornalismo. Tanta incompetência e falta de sobriedade não pode apenas ser talento, é mau demais para ser aleatório. Estas instâncias têm todo o perfil de tentativas plantadas de interferência no processo democrático e de beliscar a serenidade das instituições. E assim devem ser assim sinalizadas.
Brincar com a tropa é coisa bem séria.