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quinta-feira, 1 de junho de 2017

O triunfo do nada

Celso Filipe | cfilipe@negocios.pt

Celso  Filipe

Qual foi o tema que dominou o mundo, digamos, nas últimas 24 horas? A resposta é fácil. Foi um tweet do Presidente dos Estados Unidos em que o próprio escreve: "Despite the constant negative press covfefe."
O "covfefe" abalou o mundo, o real e o cibernético, com piadas, tentativas de adivinhas do que, afinal, significa esta gralha e o aproveitamento de putativas oportunidades de negócios, materializadas, por exemplo, no registo do domínio "covfefe".
O que importa que Donald Trump queira rasgar os acordos climáticos de Paris ou esteja a hostilizar a Alemanha, uma estratégia que visa fragilizar ainda mais a União Europeia e pinta um cenário favorável à Rússia, país que o actual inquilino da Casa Branca trata com um suspeito esmero?
Pelos vistos importa pouco. São assuntos sérios, espessos, sisudos, não têm a graciosidade de um "covfefe" que se presta a ser usado como uma plasticina, moldável às necessidades de todos: media, humoristas e políticos. Fazer um título com "covfefe" é dar largas à imaginação, é surfar no vazio, só para não ficar atrás dos outros.
Trump, que se podia ter limitado a apagar o tweet, ao constatar a existência de uma gralha, fez o contrário. Alimentou esta narrativa do nada, com um outro tweet. "Who can figure out the true meaning of "covfefe" ??? Enjoy!"
Donald Trump alimenta o inconsequente dando-lhe o palco do lugar que ocupa, o de Presidente norte-americano, desqualificando o cargo e lançando uma espécie de caça ao tesouro para descobrir o "verdadeiro significado" de "covfefe". É também uma demonstração de carácter. Ou, neste caso, da falta dele. O líder norte-americano, impante, recusa-se a aceitar uma mera gralha e manipula a situação, numa tentativa de a fazer reverter a seu favor.
O problema não é falar do "covfefe". É dar-lhe uma dimensão despropositada. É um sinal do tempo que se vive, onde o nada está a triunfar em toda a linha. Mais, onde os protagonistas do nada já estão no poder e actuam de forma a disseminá-lo transversalmente por toda a sociedade. Exagero? Talvez sim. Mas a verdade é que se acumulam sinais de que este nada se está a impor e que os "fait-divers" vão conquistando espaço mediático.
Por estes dias, ganha um renovado sentido este pensamento, atribuído ao filósofo chinês Confúcio: "Nada é bastante para quem considera pouco o suficiente." E isto é um perigo. Muito real.

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Gulliver e a Europa liliputiana (estatuadesal)

 

(Viriato Soromenho Marques, in Diário de Notícias, 26/04/2017)
soromenho
Imaginemos um cidadão europeu, de nome Gulliver, que tivesse tombado em coma em 2002, no mesmo ano em que o euro entrou em circulação e a convenção que visava estabelecer um tratado constitucional para a Europa iniciou os seus trabalhos. No ano em que intelectuais como Charles Kupchan, da Universidade de Georgetown, profetizavam que a UE seria o próximo farol do Ocidente, dada a inevitável queda dos EUA, de que a presidência de G.W. Bush era a definitiva prova. Imaginemos, ainda, que Gulliver despertava nesta Europa de 2017. Confirmaria a justeza de Kupchan, pois Trump promete ser uma mais incisiva prova de decadência do que Bush. Mas ficaria surpreendido com as brutais metamorfoses ocorridas no projeto europeu. Saberia que na UE o impacto regional da crise financeira de 2008 ficaria conhecido como "crise da dívida soberana". Muito embora a dívida dos Estados europeus tivesse escalado para acudir à derrocada do sistema bancário, e o dinheiro emprestado aos países pelos planos de resgate da troika tivesse sido menos de um décimo da quantia retirada aos contribuintes europeus para salvar a banca (uma significativa parte a fundo perdido...), o diretório europeu preferiu batizar a crise pelo nome da consequência (dívida pública) e não da causa (exuberância de imparidades de um setor financeiro deixado à rédea solta pelo péssimo desenho do euro). Gulliver ficaria também estarrecido por verificar que desde 2010 o nacionalismo e a xenofobia - as mesmas doenças europeias que devastaram o mundo em duas guerras mundiais - regressaram em força ao discurso político, começando debaixo da ideia farisaica de que povos inteiros gastaram para lá das suas possibilidades, sendo por isso a austeridade, simultaneamente, um remédio e uma merecida punição. Em vez das promessas de desenvolvimento da Agenda de Lisboa para 2010, a UE tornou-se um ciclópico centro correcional para promover a disciplina orçamental dos povos, sob os ditames de um novo tratado (2013), que promete um futuro sombrio, sem nenhuma perspetiva de investimento ou solidariedade social.
Ficaria também assustado por ver que a moeda comum se transformou num fator de divergência entre países, e entre grupos sociais, dentro do mesmo país. Perceberia que a desigualdade crescera, que o desemprego, sobretudo o jovem, atingia assimetricamente a UE, sem causar alarme nos países onde os excedentes externos funcionavam como um muro abafando as dores dos vizinhos.
Gulliver ficaria boquiaberto ao constatar que os políticos defensores deste desequilibrado "europeísmo" têm como opositores novos protagonistas, considerados "populistas", para quem bastaria um gesto mágico de supremacia da vontade nacional soberana para corrigir todos os males, como se pisar o campo minado da zona euro não implicasse um perigo mortal inaceitável. Gulliver sentir--se-ia, de facto, entre liliputianos na Europa de 2017. Ele pressentiria, com um pavor frio, que os horrores da Europa, geralmente causados por gente desmesurada e sequiosa de império, com mais vontade do que entendimento, poderiam igualmente ser provocados por gente pequenina em tudo, tanto nas suas ambições como no escasso pecúlio epistémico. Ele não saberia dizer, tal como nenhum de nós, se Emmanuel Macron, o próximo presidente francês, terá engenho e arte para impedir a única coisa gigantesca neste triste e imenso drama: o preço em sofrimento que todos teríamos de pagar se a Europa do futuro, finalmente, tombasse até ao patamar de irrelevância dos seus recentes e atuais regedores.
 
Ovar 26 de abril de 2017
Álvaro Teixeira

terça-feira, 18 de abril de 2017

Esta Turquia é culpa nossa (estatuadesal)

 

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 17/04/2017)
nicolau
 
As instituições europeias não se deviam surpreender com os caminhos para um poder cada vez mais centralizado que a Turquia está a trilhar. Afinal, se bem que não se possa fazer o contrafactual, é de supor que se a Europa tivesse aceite o pedido de adesão da Turquia à União, que há exatamente 30 anos está em cima da mesa, talvez o regime de Ancara não estivesse a tornar-se cada vez menos democrático.
A Turquia apresentou o seu pedido de adesão à então Comunidade Económica Europeia em 14 de abril de 1987 mas já desde o ainda mais longínquo ano de 1963 que Ancara foi tentando desenvolver relações mais estreitas com as instituições europeias. Em 1995 assinou um acordo de união aduaneira com Bruxelas e, a 12 de dezembro de 1999, foi reconhecida oficialmente como candidata. Em 3 de outubro de 2005, foram iniciadas as negociações formais para a plena adesão da Turquia à União Europeia, mas desde aí tem sido manifesta a falta de vontade de alguns países europeus, com a Alemanha à cabeça, para aceitar a Turquia no clube.
Na verdade, os direitos de voto de cada país nas instituições comunitárias estão ligados ao número dos seus habitantes – e a Turquia, com 75 milhões, colocar-se-ia quase no mesmo patamar que a Alemanha (80 milhões) e à frente da França (66 milhões) e de Itália (60 milhões), tendo direito a mais deputados no Parlamento Europeu e a mais votos que Paris e Roma em todas as instâncias comunitárias.
É de supor que se a Europa tivesse aceite o pedido de adesão da Turquia à União, que há exatamente 30 anos está em cima da mesa, talvez o regime de Ancara não estivesse a tornar-se cada vez menos democrático
E assim, por manifesto cálculo político, os governos europeus da União foram encanando a perna à rã, arrastando os pés e o processo, fazendo que andavam mas não andavam, esperando não se sabe bem o quê – que a Turquia desistisse ou que, de repente, ficasse com muito menos população ou que acontecesse uma explosão demográfica nos países da União.
E entretanto, as correntes mais laicas e moderadas turcas iam pouco a pouco perdendo posições para setores mais radicalizados, que se foram cristalizando na sociedade e que ganharam um novo e decisivo avanço com a estranhíssima tentativa de golpe de Estado de 15 de Julho de 2016, esmagada pelas tropas leais ao presidente Recep Erdogan. A partir daí, Erdogan não só eliminou toda a oposição, como encerrou dezenas de órgãos de comunicação e acaba de vencer, embora pela margem mínima e com evidentes sinais de fraude, o referendo que lhe vai permitir eternizar-se no poder até 2029 e reintroduzir a pena de morte.
Ao fazê-lo, Erdogan dá um sinal claro de que desistiu da adesão do seu país à União Europeia, que se fartou do arrastamento do processo e que não acredita que ele algum dia venha a ocorrer. Mais: ele sabe que é uma condição “sine qua non” para que um país seja membro da EU que o seu regime seja democrático parlamentar e que não aplique a pena de morte a quaisquer tipo de crimes.
Ao reafirmar a defesa da pena de morte, o presidente turco está a dar um sinal claro de que deixou de contar com a EU como aliada e que vai procurá-los noutro local do globo. A questão é onde.
Na verdade, apesar da Turquia pertencer à NATO, os Estados Unidos não são um amigo predileto. Com a Rússia as relações também não são sólidas. Nem com Israel. Resta saber para onde se irá voltar Erdogan – e se a tentação do poder absoluto não o levará a ficar pouco a pouco isolado interna e externamente.
 
Ovar, 18 de abril de 2017
Álvaro Teixeira

segunda-feira, 10 de abril de 2017

A desconstrução europeia

Celso  Filipe
Celso Filipe | cfilipe@negocios.pt 10 de abril de 2017 às 00:01

A desconstrução europeia

Jeroen Dijsselbloem foi infeliz ao declarar que os países do Sul gastam o dinheiro em bebida e mulheres. Foi infeliz e inverdadeiro, facto que pode ser verificável nas estatísticas.
A afirmação do presidente do Eurogrupo proporcionou momentos de refinado humor, criou uma onda de choque e possibilitou que os políticos do Sul, entre os quais António Costa, se servissem da indignação para pedirem a demissão de Dijsselbloem. Que, de facto, não tem condições para continuar no cargo, atendendo ao clima de desconfiança que entretanto assentou arraiais.
A última troca de palavras a este propósito, antes da reunião da passada sexta-feira do Eurogrupo, foi exemplar. Ricardo Mourinho Félix, secretário de Estado das Finanças, disse a Jeroen Dijsselbloem estar chocado com as declarações deste, para capitalizar um eventual descontentamento da opinião pública portuguesa, ao que o holandês retorquiu, mostrando-se também chocado com a reacção do Governo português.
Este folclore corrobora a tese de que a política é sempre decepcionante, espraiando-se com uma dolência voraz na espuma dos factos e tornando invisível o essencial. As asserções de Dijsselbloem e as réplicas dos visados são orgásticas e alimentam o espaço mediático, mas são inconsequentes e classificáveis na categoria de "fait-divers". Alimentam nacionalismos bacocos, invadem o espaço dos "soundbites" e subvertem as prioridades.
Por trás delas esconde-se o essencial, o preconceito, a incultura e a fragilidade dos políticos que dominam a arena política europeia. Porque, na realidade, a afirmação de Dijsselbloem nasce de um preconceito e da tentativa de agradar a um grupo de interesses.
Isso é o pior de tudo, porque revela a fragilidade da construção europeia. Numa Europa séria e comprometida com o seu futuro colectivo, o presidente do Eurogrupo teria um conhecimento estruturado dos Estados-membros e não uma opinião baseada em estereótipos. E quando são os próprios líderes europeus a formularem leituras da realidade assentes em trivialidades e a mostrarem-se cinicamente chocados com a celeuma que criaram, torna-se impossível pedir aos seus cidadãos que se comprometam cada vez mais com o projecto europeu.
O caso Dijsselbloem é significativo na medida em que constitui mais um episódio da desconstrução europeia que está em curso e em passo acelerado.

Ovar, 10 de Abril de 2017
Álvaro Teixeira

segunda-feira, 3 de abril de 2017

A guerra das rosas (estatuadesal)

 

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 31/03/2017)
 
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Theresa May assinou, na passada terça-feira, a carta que dá início ao Brexit. Como diria Paulo Portas, agora é irrevogável. A fotografia do momento da assinatura podia ter sido tirada em 1970. Dá a sensação que Theresa May foi roubar a roupa, os brincos e o colar à campa da Margaret Thatcher. Sinto falta da pena a assinar a carta. Aposto que a vai enviar por fax. Tudo cheira a Naftalina by Dior.
Estamos no momento Jangada de Pedra do nosso velho aliado. O Reino Unido afasta-se da Europa e vagueia ao acaso para mares desconhecidos, tentando recriar ou recuperar a própria identidade. Mesmo embirrando com a actual União Europeia, custa a aceitar este afastamento. Perder a estrela do Reino Unido é muito mais grave do que perder uma estrela Michelin, mesmo sabendo que a contribuição a nível culinário do Reino Unido se fica pelo "fish and chips".
A União Europeia sem o Reino Unido é como um sorriso sem um dente incisivo central superior. Perdemos o sentido de humor único dos ingleses e ficamos mais tristes nas mãos do humor alemão o que, por si só, é um oximoro.
Cresci a ver o humor dos Monty Python, a ouvir os Beatles e a coleccionar miniaturas dos double-decker (sim, eu sou antigo) e custa-me assistir a este afastamento. Imagino que em breve irão mandar emparedar o túnel do canal da Mancha. Os muros estão na moda.
Como em todos os divórcios, há culpa dos dois lados. Antes do Reino Unido se afastar da União Europeia, já a União Europeia se tinha afastado de si própria. Nem o Reino Unido é o que já foi nem a União Europeia é o que era suposto ser - e assim acabam muitos casamentos.
Não vai ser um divórcio amigável. A União Europeia vai exigir tudo o que puder exigir, quanto mais não seja pelo receio de perder o resto do harém. Perita em chantagens, como se viu no nosso caso, e no caso da Grécia, a UE irá fazer tudo para fazer a vida negra aos britânicos. Por outro lado, o Reino Unido está com a postura de quem diz - vou só comprar tabaco e já volto e depois nunca mais aparece.
Este divórcio vai ser uma espécie de Guerra das Rosas. Não falo da famosa Guerra das Rosas pela disputa do trono inglês entre os de York e os de Lancaster, mas do filme realizado por Danny De Vito, onde Michael Douglas e Kathleen Turner, um feliz casal de classe alta que, perante a vontade da parte da mulher de se divorciar, inicia um brutal e destrutivo conflito ao se deixar arrastar para um divórcio litigioso.
Numa sequência de cenas em crescendo e movidos por uma sede alucinante de vingança, e decisões idiotas, o casal vai acabar por destruir a sua fabula mansão e pertences com requintes de malvadez, acabando por se matarem um ao outro de forma violenta. O filme é uma parábola sobre a mesquinhez e a ganância dos seres humanos, e a fina linha que existe entre o amor e o ódio. Proponho que Theresa May e Donald Tusk, antes de começarem as negociações, assistam a esta obra genial de Danny de Vito.
 
Ovar, 3 de Abril de 2017
Álvaro Teixeira

segunda-feira, 27 de março de 2017

A reserva de soberania e o futuro de Portugal (estatuadesal)

 

(Professor João Ferreira do Amaral, in Blog ArbrilAbril, 24/03/2017)
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A União Europeia não é um mero prosseguimento da CEE sob outro nome. A União é algo de novo, e o seu estabelecimento, em 1992, com a ratificação do tratado de Maastricht, representou um corte em relação ao que tinha sido até aí a evolução da integração europeia ocidental pós-II Guerra Mundial.

O modelo federal-neoliberal europeu
Comemora-se este mês o 60.º aniversário do Tratado de Roma. Ou, como muitos acrescentam, os 60 anos da União Europeia, anteriormente designada como Comunidade Económica Europeia (CEE).
Nada mais errado que este acrescento. De facto, a União Europeia não é um mero prosseguimento da CEE sob outro nome. A União é algo de novo, e o seu estabelecimento, em 1992, com a ratificação do tratado de Maastricht, representou um corte em relação ao que tinha sido até aí a evolução da integração europeia ocidental pós-II Guerra Mundial. Por isso, mais do que a comemoração dos 60 anos da CEE, o que deveríamos estar a assinalar (não a comemorar) são os 25 anos do Tratado de Maastricht.
Foi a partir deste tratado que a União entrou numa via federalista induzida pelo objectivo do alargamento do mercado tanto no que respeita ao mercado interno europeu como no que decorre do avanço da globalização económica e financeira que, surgida ainda nos anos oitenta se acelerou fortemente nos anos noventa do século passado.
A via federalista assentou em primeiro lugar na criação do euro, que será efectivada em 1999 e desenvolver-se-á mais tarde, em 2009, com o chamado Tratado de Lisboa, que instituiu uma união estranha, uma espécie de pseudo federalismo subordinado a um Estado – a Alemanha –, por vezes acompanhado por um parceiro menor – a França.
Este caminho que as instituições europeias seguiram não foi mais que uma forma de prosseguir o alargamento dos mercados e de forçar uma suposta adaptação à globalização, transferindo todo o impacte desta sobre o factor trabalho, seja a nível dos salários e direitos sociais, seja ao nível do emprego.
De facto, as instituições de Maastricht, em particular no que respeita às instituições da União Económica e Monetária, estabeleceram a obrigatoriedade de serem seguidas, por parte do Banco Central Europeu, políticas monetárias ultraconservadoras e, por parte dos governos, políticas orçamentais restritivas. A combinação destas duas exigências tem como consequência que todo o ajustamento macroeconómico assenta necessariamente sobre o emprego e/ou os salários e direitos sociais. Não é, pois, de estranhar que a zona euro seja, desde a sua criação, a zona de maior desemprego a nível mundial e que o peso dos salários no rendimento nacional tenha vindo a reduzir-se ao mesmo tempo que as desigualdades se acentuaram.
«O caminho que as instituições europeias seguiram não foi mais que uma forma de prosseguir o alargamento dos mercados e de forçar uma suposta adaptação à globalização, transferindo todo o impacte desta sobre o factor trabalho»
A imposição deste pensamento único por parte das instituições de Maastricht exigiu uma perda de soberania dos estados-membros, de modo a que estes não dispusessem de autonomia para decidir sobre as políticas de estabilização económica que pretendessem seguir. O federalismo foi assim um instrumento muito eficaz para forçar os estados a seguir políticas macroeconómicas neoliberais, consideradas pelas propaganda necessárias para reduzir os direitos sociais e os salários no espaço europeu, única forma – dizia-se – de a Europa se poder adaptar à globalização.
Mas não se ficou pelas políticas macroeconómicas a imposição do modelo federal-neoliberal. A política europeia de concorrência e de ajudas de Estado foi reforçada e a jurisprudência do Tribunal de Justiça veio a revelar-se marcadamente ideológica, também ela subordinada à visão neoliberal do primado do mercado, forçando os tratados e impondo uma visão muito restritiva da intervenção do Estado na economia, com o fito, mais uma vez, de potenciar o alargamento de mercado em prejuízo de todos os outros valores. Em vez de perseguir as práticas discriminatórias – entre naturais dos diversos estados – que possam decorrer da política económica, o que é justificado quando existe um processo de integração e que era a sua tradição, o tribunal tornou-se principalmente, sem qualquer base nos tratados, um perseguidor da intervenção estatal na economia.
O modelo federal-neoliberal iniciado com Maastricht cumpriu durante algum tempo o papel para que tinha sido criado. Foi inclusivamente aprofundado pelo Tratado de Lisboa e pelo infame Tratado Orçamental que se lhe seguiu. Mas, quando este entrou em vigor (2013), já o modelo estava em crise. Crise que se transformou numa crise profunda da União e que justifica que se encarem todas as opções para o futuro da cooperação europeia.
2. A reserva de soberania e uma nova cooperação europeia
A cooperação europeia é essencial, uma vez que existem certos interesses comuns colectivos na Europa que exigem uma gestão baseada na cooperação entre estados. Por isso, é perfeitamente aceitável que os estados acordem em respeitar determinadas regras comuns para prosseguirem da melhor forma esses interesses comuns colectivos. Mas tal tem de ter um limite. Esse limite é o da reserva de soberania que cada Estado-membro tem de manter para prosseguir os seus interesses nacionais e não ficar sujeito ao pensamento único nem aos interesses de outros estados.
Ora, o que sucedeu desde Maastricht é que essa reserva de soberania foi violada e os estados, em particular os de menor dimensão, ficaram sem a autonomia suficiente para poderem prosseguir os seus interesses.
Por isso, o passo fundamental para a criação de uma nova união ou para a reforma drástica da actual é repor a reserva de soberania no essencial do que existia antes de 1992. E nesse aspecto a soberania monetária é a fundamental.
Basta ver o que um país perde quando cede a sua soberania monetária, como foi o caso de Portugal quando aderiu ao euro, para verificar como não pode haver sustentabilidade para um país como membro respeitado da comunidade internacional se não dispuser da sua soberania monetária. Recordemos os poderes soberanos que o País perdeu com a entrada no euro.
Perdemos:
– instrumentos essenciais da política económica (política monetária e cambial);
– autonomia do Estado em relação aos mercados financeiros e às agências de rating;
–  autonomia das decisões orçamentais e com isso grande parte da soberania em geral;
– controlo do sistema financeiro por ter deixado de existir um prestamista de última instância nacional (função anteriormente exercida pelo Banco de Portugal);
– possibilidades de o Estado controlar sectores essenciais para a independência nacional.
A pertença ao euro – um dos maiores desastres da nossa história – tem de ser revertida como primeiro passo fundamental para repor a reserva de soberania. Por isso, é urgente que a nova união defina um conjunto de procedimentos para a saída de um país da zona euro.
Por outro lado, essa nova união deve assentar num tratado que substitua o modelo federal-neoliberal e que respeite sem subterfúgios a reserva de soberania de cada Estado.
A questão da reserva de soberania é nos tempos actuais a mais importante que o País tem de enfrentar. Nela se joga a possibilidade de Portugal continuar a existir.
 
Ovar, 27 de Março de 2017
Álvaro Teixeira

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Os engulhos de Dombrovskis

 

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 24/02/2017)
nicolau
Quis o acaso que esta manhã bem cedo, ao passar à frente de um hotel situado no Terreiro de Paço, dei de caras com Valdis Dombrovskis, o vice-presidente da Comissão Europeia responsável pelo Euro e Estabilidade, um dos mais duros e ortodoxos responsáveis europeus, neo-liberal convicto e grande apoiante da linha austeritária aplicada aos países do sul da Europa como forma de ultrapassarem a crise que vivem.
Dombrovskis estava a sair do hotel para ir à Assembleia da República, onde admitiu que Portugal tenderá a sair do Procedimento por Défice Excessivo (PDE) se a evolução positiva da economia se confirmar, nomeadamente nas estatísticas oficiais de Abril. Com efeito, segundo acrescentou, para o país abandonar o PDE será necessário que as “tendências [sobre os valores do défice] se confirmem”.
“Vamos usar o Eurostat de Abril”, lembrou o responsável, numa referência à estatística oficial europeia que fixará os valores das contas públicas de 2016, e acrescentando que nas previsões económicas e financeiras da Primavera, em Maio, também haverá nova avaliação. Será a Comissão Europeia que, nessa altura, emitirá a sua recomendação que decide se um país sai ou não do PDE.
Ora convenhamos que é demais. Há, da parte de alguns comissários europeus e da maioria dos membros do Eurogrupo uma desconfiança intrínseca e uma sanha contra Portugal porque não só a actual solução política não lhes agrada (Governo PS, apoiado pelo BE e PCP), como as políticas que tem vindo a ser seguidas são diferentes daquelas que os ortodoxos dirigentes europeus sempre preconizaram, assentes em reduções de salários, pensões e prestações sociais, além da redução dos direitos dos trabalhadores.
Mesmo a burocracia europeia está na mesma via. As previsões que fizeram em Setembro para um crescimento da economia portuguesa, continuando a apontar para um valor de 0,9% quando já era evidente que o crescimento iria ficar pelo menos em 1,2% (vai provavelmente fixar-se em 1,4%), não pode ser considerado em erro, face aos valores que já eram conhecidos – e só pode ser entendido como uma vontade de deturpar os valores para pressionar o Governo português e mitigar as boas notícias junto dos mercados e dos investidores.
E tudo isto porque um Governo que segue uma orientação diferente e mesmo assim, após um ano no poder, consegue apresentar o défice mais baixo em 42 anos de democracia (facto assinalado hoje mesmo pelo Washington Post), é um perigo para todos os que sempre defenderam que não havia outra alternativa às políticas de violenta austeridade que preconizaram e continuam a defender.
Dombrovskis tem engolido, portanto, vários sapos ao pequeno-almoço, e como tem azia insiste em deturpar as regras comunitárias. Com efeito, a avaliação que é feita a um país para saber se saiu ou não do Procedimento por Défice Excessivo é baseada nos dados do Eurostat relativos ao ano anterior, no caso 2016. É isso e só isso que deve ser tido em conta. As previsões económicas e financeiras de Maio da Comissão Europeia já não contam para nada no que respeita à avaliação do ano passado. Por isso, ao dizer o que disse e ao fazer o que, pelos vistos, a linha ortodoxa da Comissão pretende fazer – ou seja, esperar até Maio pelas previsões da Comissão e só aí tomar uma decisão sobre a saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo – Dombrovskis a Comissão não só extrapolam o que está inscrito nos tratados europeus como demonstram que ainda tem uma réstia de esperança de que surja qualquer razão para impedir que Bruxelas aprove essa saída.
É lamentável esta atitude de Dombrovskis, porque não é baseada em dados objetivos mas em posições políticas, e pelo que ela revela de mau perder e de dificuldade em aceitar outra via para atingir os mesmos objectivos. E é ainda mais lamentável que a Comissão não se demarque do seu vice-presidente, esclarecendo de uma vez por todas quando analisará a saída de Portugal do PDE e o que conta efectivamente para essa avaliação.
 
Ovar, 28 de fevereiro 2017
Álvaro Teixeira

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Os “governantes” da União Europeia e o caminho estreito que lhes resta

Os “governantes” da União Europeia, que não foram eleitos para exercerem os cargos que desempenham, estão a comportar-se como um grupo de internados num manicómio e, de repente, colocados num recreio ao mesmo tempo.

Jean Claude Juncker

A União Europeia ainda não tomou consciência das consequências do Brexit, há malucos à solta a cometerem as maiores barbaridades e o DAESH continua a exercer a sua influência e a reivindicar atentados. Na Turquia está à vista de todos a forma como o Erdogan vai eliminando os seus adversários e nos Estados Unidos da América os escândalos da campanha da senhora Clinton só estão a dar mais força àquela figura sinistra, chamada Donald Trump. Os atentados do Daesh no Iraque não param e a guerra na Síria esta para durar.

Vladimir Putin

Perante tudo isto, o “czar” Putin vai esfregando as mãos de contente, porque já não se fala na guerra civil na Ucrânia nem da anexação da Crimeia e o seu poder vai-se estendendo às antigas repúblicas que integravam a antiga URSS.

Enquanto tudo isto se passa, os “governantes” não eleitos da União Europeia vão discutindo, entre si, quais as sanções a aplicar a um país (Portugal) que ultrapassou em duas décimas o défice previsto no Tratado Orçamental com as políticas que esses mesmos senhores “não eleitos” aplicaram ao País.

No mínimo, deveriam ter vergonha por aquilo que estão a fazer e reconhecerem que erraram grosseiramente.

Os portugueses devem orgulhar-se de terem um Primeiro Ministro que não vira as costas às dificuldades e que encara, de frente, os problemas.

Dr. António Costa - PM de Portugal

Os senhores “não eleitos” não aceitam isso, porque o Dr. António Costa foi eleito pelo voto popular e essa “gentinha” não se sujeitou a qualquer veredicto popular.

Vamos ver se os “senhores” que mandam na União Europeia ainda irão a tempo de emendar a mão, mas o caminho começa a ser muito estreito.


Ovar, 25 de Julho de 2016
Álvaro Teixeira

terça-feira, 19 de julho de 2016

TURQUIA - O Estado num Golpe


No meu post anterior, o título foi “Turquia – Um golpe de Estado ou Estado num Golpe”. Depois das notícias que têm sido difundidas, chego a uma conclusão aterradora. Toda esta situação foi perpetrada pelo regime, a fim de eliminar todos os que o regime do Erdogan poderiam constituir um obstáculo ao seu poder absoluto. As prisões têm sido aos milhares e não escapam juízes, militares, funcionários públicos, governadores distritais e muitos outros.

Este Erdogan já admite a pena de morte para aquilo que ele considera crimes contra o povo turco.
Mas será que a pena de morte terá acabado, alguma vez, a Turquia? O que poderão dizer os sobreviventes curdos aos massacres a que têm estado sujeitos?
A violência gera violência e a luta contínua do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) começa a ter razão para a sua existência.

Curdistão

O regime turco é tão cruel, que o antigo líder do PKK, Oçalan, está preso, em isolamento total, numa cadeia situada ao largo do mar de Mármara, há 17 anos.
E é gente desta que quer fazer parte da União Europeia?
E é gente desta que pertence à NATO, para, com a cobertura desta organização, comete crimes horríveis contra o seu próprio povo?

 Abdullah Oçalan, Líder do PKK, condenado a prisão perpétua em 1999

Enquanto os milhares de milhões de Euros da União Europeia continuarem a entrar na Turquia, sob o pretexto de suster a vaga de migrantes do Médio Oriente, enquanto a Turquia continuar a subsidiar o DAESH com a compra de petróleo que esta organização terrorista rouba no Iraque e na Síria e enquanto os USA continuar a alimentar o Orçamento Turco com muitos milhões de dólares, a fim de manter uma importante posição geoestratégica, o Erdogan e os seus apoiantes podem viver descansados.

O Papa Francisco condenou o genocídio do Povo Arménio pelo Império Otomano, agora cabe a cada um de nós condenar as mortes dos turcos e dos curdos que se opõem ao  regime do Erdogan.

Ovar, 19 de Julho de 2016

Álvaro Teixeira

terça-feira, 12 de julho de 2016

Sancionistas e Predadores




Hoje, 12 de Julho, o Conselho, do Ecofin decidiu aplicar sanções a Portugal e à Espanha por défice excessivo, seguindo as recomendações da Comissão Europeia.
No caso de Portugal e esse de que me interessa divagar, esteve sob intervenção da Troika desde 2011 e, as “receitas” aplicadas pra o equilíbrio das nossas contas não resultou, apesar do Governo PSD/CDS ter ido além da Troika. Os chamados “bons alunos” falharam e os seus “professores”, nomeadamente a senhora Lagarde, dizem que e aconselham a Comissão Europeia a ser dura com os países incumpridores.

Os portugueses conheceram a maior carga de impostos de que há memória, os reformados viram as suas parcas pensões reduzidas, os serviços de saúde foram reduzidos aos mínimos, o estado social foi arrastado para o seu desmantelamento, além de outros malefícios a que nos conduziu a Troika e o Governo PSD/CDS. É claro que é nesta fase que entram os predadores que se aproveitaram de tudo o que o Estado punha de lado, para devorarem tudo o que ficava à sua disposição. Exemplos disso não faltam, basta ver o que os hospitais privados ganharam por falta de assistência aos doentes nos hospitais públicos, o que ganharam os colégios privados à custa da diminuição do ensino público e assim por diante.



A cereja em cima do bolo seria a privatização da Caixa Geral de Depósitos, descapitalizando-a, para se proceder à sua privatização.

E o que ganharam os portugueses com as privatizações da REN, da EDP, dos CTT, da Galp e outras? Ganharam preços mais elevados na prestação ou fornecimento de serviços e viram os lucros irem parar aos bolsos dos predadores e os seus prejuízos distribuídos por todos nós.

Francamente, não é esta Europa com que sonhei. Esta Europa está a ser dominada por “sancionistas” e “predadores”, a começar pelo “império germânico”. Por este caminho, vamos avançar para a implosão da União Europeia, porque outros “exits” estão a caminho, a começar pela Holanda.

Vamos aguardar os acontecimentos, mas o futuro não se apresenta nada risonho.

Ovar, 12 de Julho de 2016

Álvaro Teixeira

quarta-feira, 6 de julho de 2016

O BREXIT e a UNIÃO EUROPEIA


Já se passaram mais de 10 dias sobre o conhecimento dos resultados do referendo sobre a permanência ou não do Reino Unido na União Europeia e entretanto algumas situações aconteceram:

1- A demissão dos principais rostos dos apoiantes do "leave";

2- Afinal fizeram uma campanha, mas não tinham qualquer plano para "day after" em caso de vitória
da posição que defenderam. Vamos ver o que vai acontecer no futuro próximo.

Mas o que mais me impressiona é a atitude das altas "chefias" em relação ao assunto. Uns dizem que o britânicos devem ir já pela porta fora. Outros dizem que devem sair, mas devagar.
Na União Europeia fala-se a diversas vozes e onde ninguém se entende.
Os grandes pensadores da Europa, como modelo de desenvolvimento, de solidariedade entre os estados, uns já não não parte do reinos dos vivos e, neste momento, não temos nenhum líder capaz de obrigar a UE a parar para pensar, porque esta Europa já não serve e começam a aparecer perspectivas de novos "Exits" (Holanda, Dinamarca e até na própria França). A única pessoa que está a impor as regras é uma figura sinistra, Schäuble, que, pelo que defende, quer tornar a Europa numa quinta da Alemanha, coisa que o Hitler não conseguiu pela força das armas, está ele a fazê-lo com os constrangimentos financeiros que vai impondo aos países da UE.

Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças do "Império Germânico"

Os grandes decisores da UE são pessoas que não têm legitimidade democrática, porque não se sujeitaram a qualquer votação popular.
Depois de Jaques Delors, na presidência da Comissão Europeia só apareceram figuras cinzentas, como Prodi, Um ex-maoísta convertido ao capitalismo, Durão Barroso e, agora temos um Juncker, envolvido, como primeiro ministro do Luxemburgo, envolvido no escândalo do "Luxleaks".
Depois dos Tratados de Maastrithc, Tratado de Lisboa e do Tratado Orçamental, a Europa mudou profundamente, a solidariedade passou a ser exploração e transformou-se num paraíso para os especuladores financeiros.

Durão Barroso, um maoísta convertido ao capitalismo

Do meu ponto de vista, ou a Europa retorna aos princípios que estiveram na base da fundação CEE, ou o seu desmoronamento estará mesmo ali, ao virar da esquina.

Acho que todos deveremos lutar por um verdadeiro retorno da UE aos princípios que estiveram na sua génese, para que os movimentos extremistas e xenófobos deixem de ter razões de existir.

Ovar, 06 de julho de 2016
Álvaro Teixeira