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sábado, 20 de outubro de 2018

PROVIDENCIAL

  por estatuadesal

(Virgínia da Silva Veiga, 20/10/2018)

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O Conselho Superior da Magistratura abriu um inquérito a propósito da entrevista de Carlos Alexandre à RTP mas ninguém sabe qual seja o objecto de tal inquérito. Não se sabe se se destina apenas a investigar a legalidade dos sorteios no Tribunal de Instrução Criminal, se as violações deste juiz ao Estatuto a que está obrigado, se as ligações deste a grupos políticos, se, finalmente, a própria RTP para quem, em violação das leis que regem o canal público, o contraditório, não existem.

O caso merecia, de facto, ser investigado de todos os prismas porque há muito se clama por ordem e legalidade.

Comecemos pelo fim, por uma RTP cujo trabalho é uma entrevista laudatória a terminar como começa: com uma ameaça velada, um recado aos magistrados que se atrevam a condenar o envolvido.

Alexandre preparava -se para ir este fim de semana a Portalegre, integrado num comício politico, fazer uma palestra. Era anunciado como cabeça de cartaz do acontecimento. Terá desistido, mas o episódio, real, não pode deixar de se enquadrar no perfil de um homem que admite ter uma página da mesma sensibilidade política, a mesma em que se enquadra o teor de toda a entrevista.

A entrevista não se limita a pôr em causa o sorteio que ditou Ivo Rosa como juiz de instrução. Sugere todos os sorteios do TIC, incluindo a sua própria escolha, serem ilegais, assunto que refere expressamente, bem sabendo estar a contribuir para a nulidade de actos processuais pelo próprio praticados, em instância última a levar ao arquivamento dos autos. É matéria arguida nos requerimentos de Instrução que revela conhecer. Porquê?

O que Alexandre diz é de uma gravidade extrema. Por outras palavras, obscuras mas claras, face a um sistema que entende manipulável, não apresentou nenhum requerimento ao Conselho Superior da Magistratura nem comunicou ao seu colega de trabalho, menos à presidente da comarca a quem soube solicitar folga. Porquê? Se era assim, porque não denunciou pelos meios próprios, isto é, nada fez?

Sob a pior das formas – a suspeição -, lança subrepticiamente a ideia de que os seus colegas e funcionários orquestraram, à distância de meses, um sorteio falso, escolhendo a dedo o dia em que o próprio estaria ausente, como se não legitimasse exactamente ter ele próprio perpetrado a ausência, pormenor que esperamos ver esclarecido.

Acrescenta, o processo ter sido apenas parcialmente distribuído, como se tal existisse, e, depois de afirmar não falar com Ivo Rosa - vangloriando-se de sobrarem dedos das mãos para as vezes em que com ele falou, em três anos de vizinhança de gabinetes -, anuncia-se como pessoa rigorosa e nega, “de facto” – sublinha – alguma vez ter aceitado que lhe tivesse sido distribuído um processo antes entregue a outro, como se não soubesse que Ivo Rosa não pode negar o sorteio que lhe calhou.

Alexandre vai mais longe na teoria da cabala e deixa no ar a hipótese de o “ Dr. António Luís Santos da Costa” - assim se refere ao primeiro-ministro – estar feito com estranhos propósitos do Conselheiro Henriques Gaspar, o ex-presidente do STJ, para lhe tirarem o emprego, acabando com tribunais de competência criminal especializada, não porque seja inconstitucional, mas para o afastar, a ele, para outro qualquer lugar de primeira instância.Não recorda, como devia, ter sido este mesmo conselheiro que desempatou a seu favor o incidente de que foi alvo aquando de outra entrevista de triste memória.

Isto, e a forma como se refere ao hipotético causador dos incêndios de Mação - “ gostava de saber quem são os ladrões que me tiraram as características da minha terra”, assim profere o magistrado - mostram, não um juiz preocupado com a Justiça, mas um justiceiro no mais inadequado sentido do termo.

É neste quadro, do justicialismo, que não da Justiça sensata e equidistante, que se enquadra ter admitido ir ser orador em eventos de agrupamentos políticos que se dizem apartidários, não o sendo. Iria falar este sábado a Portalegre. Terá desistido. Mas até hoje nunca se opôs a que a mesma sensibilidade política tenha criado uma página com a sua imagem.

Carlos Alexandre veio a público fazer acusações de falta de isenção aos seus colegas, que insinua terem um programa político, onde se enquadra a nebulosa tentativa do seu afastamento. Deu roda de incompetente a Ivo Rosa, deu nota de um Conselho Superior da Magistratura vendido ao poder político, anunciou que a Operação Marquês é caso condenado ao arquivamento. Porquê?

No quadro de suspeições que o próprio alimenta, uma certeza deixou: o processo a que, mais uma vez, alude publicamente, nunca devia ter-lhe sido entregue. Justicialismo é um assunto, a Justiça outro. A última não se compadece com juízes providenciais patologicamente dispostos a contar, “bem contados”, cada dia útil do trabalho que os devia honrar.

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