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sexta-feira, 19 de abril de 2019

“Petróleo, não!” Nesta semana já estivemos perto

por estatuadesal

(Daniel Deusdado, in Diário de Notícias, 19/04/2019

Daniel Deusdado

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1 Uma coisa é termos uma vaga ideia de quão estupidamente dependemos dos combustíveis fósseis. Outra, vivê-la em concreto. Obrigado aos grevistas. A memória perdida sobre o "petróleo" voltou. Ficou a nu que temos de fugir dos senhores feudais do Médio Oriente, das oligopolísticas, campanhas energéticas com preços afinados ao milésimo de euro e, finalmente, deste tipo de sindicatos e associações patronais com um poder absolutamente desproporcionado.

Estamos naquele momento de adesão aos transportes públicos e à mobilidade elétrica. Não podia ser melhor para mudarmos de vida.

O caso dos "oleodutos imaginários" é o expoente máximo das decisões político-carbónicas. Como explicar esta displicência de décadas na não construção dos gasodutos Sines-Aveiras e Estarreja-Leixões? O statu quo era bom para o setor dos camiões-cisternas de materiais perigosos. Portanto, mais de duas centenas de camiões-cisternas atravessam diariamente as duas principais áreas metropolitanas do país como bombas ambulantes - numa contagem decrescente até que um dia algo de absolutamente catastrófico aconteça, como estabelece a lógica das probabilidades. Vai ser agora que acabamos com este escândalo de segurança nacional?

2 Olhe-se para o que está a acontecer já em muitas cidades da Alemanha e da Escandinávia - mas também Madrid - nas limitações ao uso gasóleo no centro das cidades. Fica claro como a crise das alterações climáticas se está a impor na opinião pública. Não por masoquismo (as alternativas de mobilidade elétrica ainda são caras e de baixa autonomia) mas as pessoas já perceberam que as consequências interferem diariamente com a saúde e o bem-estar.

Do ponto de vista ético, sabemos também, sem margem para dúvidas, que estamos a comprometer de forma irreversível o futuro das próximas gerações.

A propósito disso, o The New York Times de ontem incluía um artigo de Anna Sauerbrey - "Como o clima se tornou na nova contenda alemã" - em que assinalava que o tema "imigrantes" está a ser substituído pela "discussão climática" e será o tema número um das eleições no outono que substituirão Angela Merkel.

A questão será ferozmente disputada entre os que consideram um exagero as limitações ao gasóleo e os que sentem já não haver mais tempo para concessões.

Não é algo menor: estamos a falar do país da Volkswagen, da Mercedes, da BMW, da Audi e da Porsche. Estamos a falar do país que cometeu a maior fraude alguma vez feita para omitir emissões - e com isso potenciando a liderança mundial da Volkswagen.

Em simultâneo, a Alemanha parece ter perdido a dianteira da indústria automóvel na transição para a mobilidade elétrica. Sacrificou o pioneirismo pelas economias de escala para maximizar os lucros até ao limite absoluto. Como foi possível?

Sabe-se que a situação vai ser difícil nos próximos anos para as marcas automóveis. O modelo de negócio atual chegou ao fim. Ou as fábricas deixam de produzir tantos carros movidos a petróleo ou vão ter de começar a oferecê-los... Já vemos isso: há cada vez mais promoções extraordinárias para se comprar carros a gasóleo que não vão sobreviver à dinâmica das cidades, dos países e das opiniões públicas. Querem enganar quem?

3 Os factos têm de nos fazer pensar e mudar. Comecemos pelo ciclone Idai que arrasou o centro de Moçambique. Raramente estas regiões de África são sujeitas a choques meteorológicos deste cariz. Mas a "tempestade perfeita" é mesmo isso: água cada vez mais quente nos oceanos, levando a maior evaporação, aumentando a velocidade dos ventos nos fenómenos meteorológicos extremos, caindo chuva a uma quantidade impressionante por minuto - o que impede as estruturas de escoamento (quando as há) de atuarem. O que é isto? Alterações climáticas. Ponto.

Como se chega aqui? A concentração de dióxido carbono na atmosfera está já nesse número abstrato de "410 partes por milhão" e ultrapassou a barreira de segurança de que anda a falar Al Gore há mais de dez anos. Repare-se que em registos de mais de 800 mil anos de vida na Terra, nada de igual aconteceu.

Mais um exemplo: dados registados pelas seguradoras a nível mundial revelam que nos últimos três anos houve perto de 700 sinistros de elevado impacto causados por alterações climatéricas. Valor recorde.

Entretanto, o Acordo de Paris tenta obter uma neutralidade carbónica de 2050 em diante, apesar de os Estados Unidos liderarem uma corrente negacionista. Ora, como chegaremos a um resultado concreto sem o maior poluidor do mundo per capita?

4É aqui que entramos nós, todos. A economia não pode continuar assim. Se não há sustentabilidade, não há futuro. Num mundo de economia circular, tudo acaba por gerar um efeito boomerang.

No site da NASA - ainda não proibido pelo presidente dos Estados Unidos... - está reunido um conjunto de informação que deveria fazer-nos pensar todos os dias. Um dos mais impressionantes é o gráfico sobre alterações climáticas (eventos de temperatura fora dos padrões médios) entre 1880 e 2018. A imagem de um planeta a tornar-se incandescente é impressionante.

Noutro vídeo do mesmo site, há uma análise à subida recorde de temperatura da primeira metade do ano de 2016 e de como isso teve um tremendo impacto no degelo do Ártico.

Factos como estes geram não só a subida do nível do mar como agudizam o aumento de temperatura do solo na Sibéria, região onde se concentra o permafrost, uma camada de subsolo repleta de dióxido de carbono e metano cuja extensão agudizaria ainda mais o efeito estufa que estamos a sentir.

E se for pouco, outro vídeo sobre a imparável subida do nível do mar nos últimos 22 anos ou o degelo da Gronelândia.

As pequenas tragédias já nos tocam por cá, como se viu em 2017 nos dramáticos incêndios ou em 2018 na destruição de Monchique. Mas seja cá ou lá, não há mais tempo.

É certo que as pessoas não mudam os hábitos, exceto quando são obrigadas. Mas o que não mudar a bem vai infelizmente surgir pelos acontecimentos. Portanto, podemos pôr em prática uma ideia que ocorreu certamente a muitos nesta semana: diminuir os abastecimentos até nunca mais precisarmos de meter combustível fóssil numa bomba de gasolina. Aqui está um objetivo a ser perseguido pelas melhores razões do mundo.

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