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quarta-feira, 22 de maio de 2019

Entre as brumas da memória


Diz que é uma espécie de “frente progressista”

Posted: 21 May 2019 12:00 PM PDT

«Se procurar na comunicação social portuguesa, dificilmente encontrará uma referência à “frente progressista” que Costa terá proposto a Macron para o próximo Parlamento Europeu. Não deixa de ser surpreendente. Os arautos do “nós somos Europa” escondem meticulosamente este imbróglio de alianças com que dividem a sua própria família política e que os parece levar para terra incógnita. As eleições devem ser um “referendo” ao Governo, resume Carlos César, mas apresentar aos crédulos eleitores um plano para a União Europeia, isso já parece estar fora de cogitação pelos seus mais ardentes defensores. Mas olhe que merecia.

Uma recente insinuação pública sobre esta “frente” terá sido a mensagem que o primeiro-ministro português enviou a um comício eleitoral do partido de Macron, em que sugere que “as forças progressistas (se) devem unir para permitir a mudança necessária”. Qual mudança, isso logo se verá. A fórmula até poderia ser interpretada como um rendilhado diplomático mas, interrogado sobre o assunto, Costa enviou à Lusa uma nota em que explica que, no seu entender, “a Europa precisa de uma grande frente progressista” e está “empenhado em ajudar a construir as pontes necessárias”. O encontro desta segunda-feira entre Macron e Costa em Paris confirma este vaivém para uma prometida convergência. Tudo desejos e boas intenções?

Ao contrário da discrição com que o assunto é tratado neste cantinho à beira-mar plantado, a imprensa francesa diz que a preparação do casamento já vai em juras solenes e aliança no dedo. Garance Pineau, um dos chefes do empreendimento de Macron, diplomata e responsável pelas consultas com outros partidos, veio a Lisboa e registou que o PS está “muito interessado” na “frente”. As mensagens emitidas do Largo do Rato confirmam-no. O Partido Socialista Europeu esclareceu seraficamente que “não está incomodado” com esta iniciativa. Ela parece ambiciosa, pretendendo juntar alguns dos socialistas (que tinham 185 deputados, mas estão em perda) com os eleitos de Macron e dos partidos seus aliados (ninguém sabe quantos serão), que por sua vez prometeram integrar uma aliança com os liberais (atualmente 69 deputados) para enfrentar a direita europeia do PPE (que tem agora 216 deputados, mas divididos entre os merkelianos e a extrema-direita do Grupo de Visegrado).

Ora, o projeto é duvidoso pelo menos por três razões. A primeira é que se trata em todo o caso de uma inversão de rumo, pois implicaria que Macron e Costa procurassem vencer o PPE de Merkel e deixassem de buscar a sua complacência para entendimentos do dia a dia. Havendo uma coligação governamental na Alemanha entre a CDU e os social-democratas, esse putativo afastamento parece atrevimento. A segunda é que chamar a isto “frente progressista” é uma bizarria. Os liberais, que já assinaram com Macron um protocolo que curiosamente declarava que pretende “romper com o bipartidismo” europeu entre os socialistas e a direita merkeliana, são conduzidos por Mark Rutte, o primeiro-ministro, e representam o tradicional programa neoliberal da direita. Seria mais fácil vê-los numa associação com Passos Coelho do que com Costa, pelo que chamar a isto “progressista” é em qualquer caso um floreado extravagante. A terceira razão é que esta frente divide os socialistas. Estes já foram destroçados em França pelo sucesso inicial de Macron e pode até admitir-se que Costa despreze os seus camaradas locais. Mas em Espanha isto é um problema, porque Macron se aliou ao Ciudadanos, e não vejo como possa haver um grupo europeu que tenha simultaneamente o PSOE, que está no Governo, e esse partido de direita, na oposição, sendo, por sua vez, aliado da extrema-direita na Andaluzia. É uma salganhada impossível, o que significa que, se Macron leva os seus, o PSOE fica de fora.

Assim, a “frente progressista” pode vir a ser uma frente (juntando partidos tão diferentes mas afastando uma parte dos socialistas), mas duvido que seja progressista (os liberais defenderam arduamente sanções contra Portugal e é de esperar que voltem a fazer o mesmo na primeira oportunidade) e, sobretudo, que configure uma alternativa razoável para a União Europeia. A não ser que o programa neoliberal à Rutte e Macron seja o novo oásis. Só que isso não se pode dizer em Portugal, pois não? Alguém se poderia lembrar de perguntar se esta aliança em Bruxelas não é o contrário do que promete o Governo em Lisboa, que por isso mesmo quer ser plebiscitado no meio da santa ignorância sobre estas aventuras casamenteiras. Entretanto, em Portugal o PS continua a repetir a promessa de um “novo contrato social europeu”. Mas isso vai ser com os liberais? Será que houve milagre da reconfiguração das almas e Macron deixou de ser o presidente dos milionários, Renzi o homem do ataque à segurança social, Rivera o nacionalista espanholista e Rutte o arauto dos mercados?

Como dizia Tyrion Lannister no último episódio do “Game of Thrones”, “não há nada no mundo mais poderoso do que uma boa história. Nada a pode travar. Nenhum inimigo a pode vencer”. A questão é que, neste caso, a história da “frente progressista” não é boa, não é nova e nem sequer sei se chega a ser uma história, pois já aterra com um cadastro demasiado pesado. Talvez seja simplesmente a prova da incoerência dos seus inventores, reduzidos à manobra por falta de um projeto apresentável. Por alguma razão a escondem meticulosamente dos eleitores.»

Francisco Louçã
P.S. - A ver e ouvir.

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João Bénard da Costa

Posted: 21 May 2019 07:27 AM PDT

João Bénard deixou-nos há 10 anos. O tempo passa depressa.
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Marisa vs. Blackrock

Posted: 21 May 2019 02:46 AM PDT

«Em junho de 2015 o vice-presidente da Comissão Europeia, Vladis Dombrovskis, veio a Portugal exigir "ajustamentos" no sistema de pensões antes de serem necessárias ações "mais dramáticas" no futuro.

Na mesma conferência de Imprensa, Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças do PSD, fazia segredo sobre as medidas planeadas para obter uma "poupança" de 600 milhões de euros nas pensões em 2016. A pressão era tanta que, também em 2015, o PS concorreu às eleições prometendo o congelamento das reformas de velhice durante a legislatura.

Sabemos hoje que estavam errados. O descongelamento das pensões a partir de 2016 - uma das condições do Bloco para viabilizar um Governo do PS - permitiu aumentos anuais pelo menos ao nível da inflação, acrescidos de aumentos extraordinários para as pensões mais baixas. Cerca de metade dos pensionistas da Segurança Social conseguiram mesmo recuperar o poder de compra perdido com a troika. E tudo isto sem colocar em causa a sustentabilidade da Segurança Social, que está hoje mais robusta graças ao crescimento do emprego.

Mas, para além dos maus pressupostos económicos, o tempo também nos revelou outros interesses que se têm movido por uma transformação radical do nosso sistema de pensões. Em fevereiro de 2015, a Blackrock - a maior gestora de fundos do Mundo - propôs à União Europeia a criação de um fundo de pensões privado. Em 2017, Vladis Dombrovskis apresentava a proposta de um fundo europeu privado de pensões.

A ideia, que já foi defendida por PSD e CDS, consiste em atribuir a fundos privados uma parte (ou a totalidade) dos descontos para a Segurança Social. Passaríamos assim de um modelo de solidariedade, em que os descontos atuais suportam as reformas atuais (para além de um fundo de capitalização de reserva) para um modelo misto, ou inteiramente baseado em contas individuais.

É fácil perceber o apetite de empresas como a Blackrock por este maná. A sua esperança é somá-lo aos 159 mil milhões de dólares que já gere, deixando as pensões à mercê dos mercados financeiros. Para isso conta com o apoio da União Europeia, e espera também o acolhimento dos parlamentos nacionais.

O impacto da crise de 2008 em fundos de pensões em todo o Mundo não foi suficiente para afastar o espetro da privatização da Segurança Social. Este é por isso um dos temas essenciais nestas eleições europeias e não pode haver lugar a hesitações. Defender as pensões da predação dos gigantes da finança será uma das tarefas dos eurodeputados eleitos. E para o fazer, não consigo pensar em ninguém melhor que Marisa Matias.»

Mariana Mortágua

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