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terça-feira, 21 de maio de 2019

O elogio de Lage

por estatuadesal

(Martim Silva, in Expresso Diário, 20/05/2019)

Bruno Lage

(Ganhou no relvado, não sei se justa ou injustamente. Deixo tal debate para a miríade de especialistas que abundam no espaço público e que dão preleções detalhadas sobre as tácticas e as minudências técnicas do jogo.

Mas com justiça ganhou na palavra para os adeptos e no fair-play para com os adversários na hora da vitória.

Comentário da Estátua, 21/05/2019)


Depois de conquistar o título de campeão nacional de futebol, com uma inédita recuperação de um clube que a meio do campeonato levava sete pontos de atraso para o então líder, não é difícil encontrar adjetivos para realçar o trabalho de Bruno Lage, até ao início do ano um ilustre desconhecido, à frente do Benfica.

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O jovem treinador mudou o esquema tático, mudou alguns dos principais jogadores da equipa, não hesitou em promover e dar destaque a jovens promessas ainda virgens na primeira equipa e, sobretudo, conseguiu imprimir uma alegria de jogo e uma capacidade ofensiva que Rui Vitória já não lograva.

Isto é a parte do futebol.

Mas o elogio a Lage deve ir muito além do futebol ou das quatro linhas. Num futebol feito de casos e questiúnculas, de polémicas e ataques, de ameaças e crispação, as suas palavras no sábado à noite merecem ser muitas vezes sublinhadas.

Claro que o exemplo dado demora a dar frutos e a criar raízes. O treinador do Benfica bem pediu aos adeptos que deixassem o Marquês de Pombal como o encontraram, mas as suas palavras – “Malta, é só para avisar que ninguém vai para casa sem deixar a praça limpa” - caíram em saco roto e no dia seguinte os serviços de higiene urbana da Câmara de Lisboa tiveram de fazer horas extraordinárias.

Da mesma forma que o ódio gera ódio e o ressentimento fomenta o ressentimento, também o respeito pelo outro e o civismo acabam por dar frutos

Mas o que importa é o exemplo dado. É deixar lá a semente plantada. Da mesma forma que o ódio gera ódio e o ressentimento fomenta o ressentimento, também o respeito pelo outro e o civismo acabam por dar frutos quando praticados e apregoados de forma reiterada.

Disse Bruno Lage na hora da vitória: “Tem de partir de nós, do nosso exemplo, começar a olhar para os nossos adversários e, quando eles ganharem, também lhes dar mérito. Só assim é que também eles vão começar a dar-nos mérito.” Mais: “O futebol é apenas o futebol e há coisas mais importantes na nossa sociedade e no nosso país pelas quais temos que lutar”.

Rapidamente as palavras do treinador foram elogiadas pelo próprio Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República.

Se cada jogador, treinador ou dirigente seguir o mesmo caminho, seguramente que o futebol português, que é um espetáculo incrível, move multidões e é um negócio que movimenta muitos milhões, ficará muito melhor.

O ano termina cheio de polémicas à volta das arbitragens. Mas alguém se lembra como era o nosso campeonato antes da existência do videoárbitro? O VAR tem imensas falhas, mas um futebol assético e imune a falhas é algo que nunca teremos. E a ajuda dos meios eletrónicos diminuiu o número de erros existentes. Ponto final.

Bem se pode dizer que é fácil ser magnânimo na hora da vitória. Cá estaremos para ver o que acontece em dias menos felizes. Mas não é difícil reconhecer que nestes meses Lage teve quase sempre um discurso muito sereno e positivo. Ou seja, as palavras de sábado não são propriamente uma surpresa.

Para o futuro, o que fica é isto: mil vezes ter treinadores com um discurso positivo e carregado de civismo e exemplos pedagógicos do que aqueles que preferem a arruaça e o insulto e uma crispação permanente que só nos puxa mais para baixo.

O Benfica tem um Lage. Os outros clubes precisam de muitos Lages também. Os clubes e não só...

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