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segunda-feira, 25 de junho de 2018

O peculiar Bruno de Carvalho

Novo artigo em Aventar


por j. manuel cordeiro

Que me desculpe quem ficar aborrecido, mas só me ocorre uma coisa: face ao diz que disse que não disse que disse de Bruno Carvalho, só me ocorre que esta é a versão Trump em jeito nacional. Depois de este ter dito ontem que, afinal, nunca foi sportinguista e que deixou de ser sócio, hoje afirmou que vai impugnar a Assembleia Geral de ontem que se vai recandidatar. Este percurso errático faz-me lembrar Trump, que não tem escrúpulos em dizer uma coisa e o oposto, se preciso até no mesmo discurso. Eu não sou pessoa de bola, mas não posso deixar de sentir pena ao assistir ao definhar de uma organização centenária. É, também, uma oportunidade para sublinhar a imensa mediocridade que envolve o futebol no geral, que estica os seus tentáculos à política e aos negócios. Este caldinho tem todos os ingredientes para correr mal.

domingo, 24 de junho de 2018

Sr. Sérgio Monteiro, é chamado à recepção

Novo artigo em Aventar


por j. manuel cordeiro

Lembram-se do Secretário de Estado dos Transportes do governo de Passos Coelho? Aquele que vendeu os anéis e os dedos?

Quando Sérgio Monteiro entregou a gestão de todos os aeroportos nacionais (todos) a uma empresa estrangeira por um período de 50 anos (cinquenta), jurou a pés juntos que o contrato de concessão contemplava a possibilidade de se avançar de imediato para uma solução quando o aeroporto de Lisboa atingisse os 20 milhões de passageiros, tendo sido dado a entender que se estaria a falar da construção do novo aeroporto.

Agora que o aeroporto da Portela está congestionado, ficámos a saber que, afinal, essa garantia não existe. O que o acordo com a nova empresa gestora das infraestruturas aeroportuárias prevê é a possibilidade das autoridades portuguesas apresentarem uma proposta, mas sem a obrigação da concessionária construir essa solução.


Eis uma das consequências de se perder a soberania sobre as nossas infraestruturas. O governo anterior vendeu tudo, ao desbarato, e nem assegurou o mínimo de controlo, pelo menos neste caso. Fica aqui este registo para lembrar aos excitados defensores do Estado mínimo que há mínimos a garantir.

Quero agora ver se as preocupações com os maus negócios que o Estado faz só são válidas quando são levadas a cabo pela outra cor. Concretizando, li por aí um levantamento geral por causa do Tribunal de Contas ter vindo dizer que o Estado não salvaguardou a sua posição ao regressar à TAP com 50% do capital, mas sem o correspondente controlo. Acredito que o TC tenha razão, aliás não me surpreende, dado ser este o modus operandi dos nossos políticos (esquecerem-se que estão onde estão para defender os interesses do Estado). O que eu quero ver, como se já não soubesse o que vai acontecer, é se essas mesmas vozes agora vão piar perante este escândalo.

Quanto a Sérgio Monteiro, é a prova, novamente, de que os políticos precisam de ter responsabilidade pessoal pelos actos praticados. Afinal de contas, é assim em todas as profissões. Porque é que haveria esta ser diferente?

Fica a seguir o áudio da história contada por Nicolau Santos.

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Trump, crianças, fotos antigas e “a culpa é do Obama”

  por estatuadesal

(José Soeiro, in Expresso Diário, 22/06/2018)

soeiro

José Soeiro

“A FOTO DA CRIANÇA É UMA MANIPULAÇÃO”

Foram hoje aprovados por unanimidade no Parlamento vários votos de condenação à política de Trump de separação das crianças migrantes dos seus pais. Ainda bem que, em Portugal, há um consenso sobre isto. Trata-se de uma linha vermelha que não podemos deixar passar. Mas ainda assim, apesar do consenso institucional, uma visita a alguns jornais e às redes sociais mostra como há ainda gente a relativizar a barbárie de Trump contra as crianças.

Nalguns casos, fazem-no invocando o facto de haver uma imagem que circulou que era de uma criança numa manifestação e não numa gaiola real. Também prefiro quando as fotos têm legenda, com o local, a data e o contexto e acho que temos direito a essa informação. Mas não desvalorizo os mortos da guerra civil espanhola pelo facto de a Guernica ser um quadro cubista. Quando um oficial nazi, ao ver a pintura, perguntou a Picasso: “Foi o senhor que fez isto?”, ele terá respondido: “Não. Foram vocês”. O facto de haver uma representação propositada da realidade não torna essa realidade uma ficção. E a separação das crianças e a sua colocação em gaiolas não é uma ficção: está, de facto, a ter lugar.

“ESSA LEI É DO OBAMA”

Noutros casos, a relativização do que está a acontecer recorre a um argumento cínico: com Obama a política de imigração norte-americana já era cruel contra os migrantes. Ora, esta é a parte de verdade de uma manipulação perigosa. E é essa que me importa discutir.

A confusão talvez se tenha instalado, também, com uma troca de fotografias. Jon Favreau, o ex-porta-voz de Obama, partilhou uma imagem de crianças em gaiolas para ilustrar a sua indignação com o que estava a acontecer em 2018. Mas afinal – aproveitaram os apoiantes de Trump para acusar – a foto era de 2014, ou seja, a política já vinha de antes. Sim, explicou depois Favreau, a foto era antiga mas além da semelhança haveria também uma diferença: as crianças estavam ali temporariamente por terem aparecido na fronteira desacompanhadas, e o esforço do Governo Obama era procurar a sua família para as reagrupar. Agora, argumentou Favreau, as crianças eram enviadas para as gaiolas por terem sido separadas das famílias pelo Governo: era Trump quem as tornara crianças desacompanhadas, quem estava a criar o problema, em vez de o resolver.

É possível que sim, e Favreau terá provavelmente razão. Mas o caso embaraçou os democratas. Porque a diferença verdadeira escondia também uma semelhança de verdade. As leis que Trump estava a mobilizar não viriam, de facto, de antes? Sim e não.

AFINAL, O QUE MUDOU COM TRUMP?

Trump promoveu várias alterações importantes nas políticas de imigração dos democratas. Revogou um decreto de Obama que protegia os “Dreamers”, isto é, que dava aos menores indocumentados que entrassem nos EUA uma autorização temporária para residirem, estudarem e trabalharem. Trump aprovou também um abominável decreto que ficou conhecido como o “Muslim Ban”, que proibiu a entrada nos EUA de cidadãos do Irão, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen, mesmo que refugiados e mesmo que viessem ter com a família, levando a que muitos que estavam fora e procuraram regressar ficassem pendurados no aeroporto. Além disso, Trump limitou o critério da reunificação familiar para a concessão de vistos. Propõe, ainda, desviar 25 mil milhões de dólares do Orçamento para que o seu famoso muro separe definitivamente o México dos EUA. E fez mais: com a sua política de “tolerância zero”, toda e qualquer entrada ilegal nos Estados Unidos passou a ser tratada como um crime federal, tornado o modo como as autoridades lidam com as migrações indistinto do modo como lidam com um crime. Daí a multiplicação das abjetas separações das crianças.

É certo, dir-se-á, que a lógica de criminalização da imigração vem de trás. Vem mesmo. Não foi Trump que a inventou. Na verdade, as perseguições por entrada ilegal aconteciam com Clinton, Bush ou Obama. Sim, a administração Obama também deportou dos Estados Unidos milhares de migrantes a quem não foi reconhecido o estatuto de refugiados e até abriu um centro de detenção, longe de onde estavam os advogados defensores dos migrantes, que foi descrito pela New York Times Magazine como um cenário dantesco e desumano. A diferença é que Trump passou a tratar a questão não por via de centros de detenção (onde as famílias permanecem juntas), mas de prisões (onde evidentemente os menores não estão). A solução de Trump foi por isso utilizar a possibilidade de criminalização que já lá estava como forma de normalizar qualquer horror, incluindo o da separação das crianças, e de, por essa via de instalação do terror, tentar dissuadir os fluxos migratórios.

A INDIGNAÇÃO, SEM ARMADILHAS

É evidente que estas políticas, além de violarem direitos humanos básicos, não contêm os fluxos de quem foge da guerra ou da miséria. O facto de mais pessoas se estarem a aperceber da sua irrazoabilidade é muito positivo. A indignação contra um sistema de policiamento de fronteiras e de criminalização da imigração que republicanos e democratas foram construindo, e que agora Trump radicaliza, é muito importante. Na realidade, a política de “tolerância zero” de Trump revela não apenas a obscenidade do Presidente e o seu desprezo pelos outros, mas também quão más eram as normas que já lá estavam. A aplicação implacável dessas normas põe a nu a sua barbaridade.

Aproveitemos então o momento evitando duas armadilhas: a de protestarmos apenas contra as características psicológicas da personagem Trump, e a de menorizarmos a barbárie em curso pelo facto de haver leis que já vinham de trás. Agora que a monstruosidade destas práticas está a ser exposta, indignemo-nos contra as leis que autorizam esta separação e, já agora, contra a criminalização da imigração e a violação quotidiana dos direitos humanos das crianças e dos migrantes. Nos Estados Unidos, na Europa, e onde quer que seja.

O papel das banalidades e da ignorância na luta de classes

  por estatuadesal

(José Pacheco Pereira, in Sábado, 24/06/2018)

JPP

Pacheco Pereira

Todos os dias se repetem pseudo-argumentos, falsas evidências, mentiras, banalidades para usar nos conflitos sociais, a variante, em linguagem asséptica, da luta de classes. Uma das coisas que Trump percebeu muito bem é que, em períodos de conflito, esta forma de envenenamento da opinião, cresce exponencialmente e que as "redes sociais" são um excelente veículo para a sua circulação.

Durante os anos de lixo do "ajustamento" circulou um número anormal deste tipo de fake news para servirem de argumentário de combate social, por exemplo, contra os mais velhos, os reformados e os pensionistas. Uma parte eram argumentos neo-malthusianos para justificar cortes de pensões e reformas em nome de uma "justiça geracional" para os mais novos.

Nem os falsos argumentos neo-malthusianos eram sustentáveis - por exemplo falar das curvas demográficas na segurança social, omitindo a produtividade -, nem a distribuição dos recursos era corrigida "socialmente" a favor dos mais novos. Não era dos avós e dos pais para os filhos e os netos, era a favor de alguns avós e alguns pais e contra tudo o resto.

Um dos argumentos usados contra os professores (e há muitos que podiam ser usados com mais rigor, como os que têm a ver com a avaliação) é perguntar como é que podem "entrar" mais professores quando diminui o número dos alunos. É um tipo de argumento banal e redutor. Sim, pode haver redução do número de alunos e ser necessário haver mais professores se queremos combater muito dos factores de atraso e ineficácia do sistema de ensino e da qualificação dos portugueses. Como partimos de uma situação de atraso, o esforço para o colmatar pode implicar maior número de professores, turmas mais pequenas, diferentes formas de acompanhamento, escolas mais próximas. Não quer dizer que os efeitos positivos decorram apenas de haver mais professores, mas apenas que dizer que o número de professores deve diminuir com o número de alunos é superficial e banal.

Sabe qual é o problema dos fogos?...
Responde uma senhora estrangeira: "Estas pessoas são pobres e vão continuar a ser"...

Estou um pouco farto de repetir a mesma coisa, sabendo inclusive que não tem qualquer resultado: as tragédias dão excelente televisão, grandes audiências, e quanto maiores forem mais podem ser exploradas. Os fogos do ano passado são disso um exemplo. Uma das suas consequências é má política, medidas apressadas e atabalhoadas, gastos desnecessários, respostas destinadas apenas a aliviar a pressão para se fazer alguma coisa e por isso, a prazo, mais tragédias. Há uma sobriedade a ter com estas matérias, uma grande contenção na exibição da dor, um enorme cuidado em avançar com propostas mal estudadas e com a obsessão dos "meios", diz a "voz que clama no deserto".

Mas não vale a pena, aquilo a que tenho chamado, com uma expressão incómoda, "masturbação da dor" é a regra, com entrevistas a vítimas, exibição de feridas, telejornais transmitidos dos locais dos incêndios, audição de gente séria misturada com "aproveitadores" (uma espécie que cresce nestes ambientes) autoridades apascentadas pelo senhor Presidente da República em exercícios ou de negação ou de justificação, ou de promessas sobre promessas. Este é caldo de cultura para a asneira, muita emoção e pouca racionalidade. Se alguém pensa que isto ajuda a resolver os problemas dos fogos, ou o ressuscitar de terras que estavam quase mortas e vão continua a estar, está muito enganado. Ouvi apenas uma voz dizer coisas acertadas, e era um sotaque estrangeiro, num português com sotaque: "Sabe qual é o problema? É a pobreza, estas pessoas eram pobres."

Como deve a comunicação social lidar com políticos como Trump, que usam a mentira de forma operacional?
Nos EUA há uma enorme discussão sobre como é que a comunicação social deve lidar com pessoas como Trump e os seus servos do Partido Republicano, que inundam o espaço público de mentiras flagrantes, repetidas, repetidas, repetidas. O efeito de repetição torna essas mentiras operacionais e, a seu modo, eficazes. E a comunicação social séria, acaba por ter um papel nessa operacionalidade. Algumas propostas são muito criativas e levam a pensar duas vezes. Por exemplo, um especialista do efeito psicológico da comunicação, sugere que os jornalistas que cobrem as declarações de Trump e as conferências de imprensa da Casa Branca, devem ser estagiários e não os repórteres mais conceituados. Na verdade, se ali só há mentiras não tem sentido fazer um upgrade da cobertura.

O Vale dos Caídos e a Espanha franquista

  por estatuadesal

(Carlos Esperança, 24/06/2018)

fascismo

O anúncio da transladação dos restos mortais de Francisco Franco, do Vale dos Caídos, no cumprimento da decisão unânime, aprovada em sede parlamentar, não é apenas um ato de reparação histórica às vítimas, é um corte com a herança que envergonha o País perante a História e o compromete no seio dos países democráticos.

Pedro Sánchez apenas se limitou a confirmar o cumprimento do compromisso e da sua obrigação, e acordou demónios adormecidos do fascismo. Sobressaltou os herdeiros da Falange, inquietou filhos dos algozes, levou o alvoroço às sacristias, fez tremer báculos, agitar mitras e enraivecer velhos purpurados. A Fundação Franco, que nenhum político teve a coragem de extinguir, amaldiçoou a medida de higiene que a democracia exige.

Não há outro país europeu que, por masoquismo ou falta de pudor, perpetue a memória de um genocida e o venere, por respeito aos direitos humanos e ao pluralismo político, herdados do Iluminismo, e assimilados na sua matriz civilizacional.

Quem aceitaria hoje que Mussolini, Hitler, Pétain, Tiso ou Salazar tivessem uma guarda de honra permanente a homenageá-los? Ou, noutro quadrante, Estaline, Pol Pot, Enver Hoxha ou Ceauşescu? Só resiste o culto a Kim Il-sung, na Coreia do Norte, e a Mao, no regime ditatorial chinês, de capitalismo selvagem, sob o pseudónimo de comunismo e a cooperação do partido que mantém o nome.

Franco é uma referência sinistra entre os maiores genocidas do século XX, um precursor europeu de Pinochet, a réplica caucasiana de Idi Amin. No entanto, aquela Espanha sem remorso nem vergonha, acordou para a contestação à democracia na defesa do carrasco que repartia com a Custódia o direito a desfilar sob o pálio, nas procissões pias.

Com a experiência da cruel repressão da Revolução das Astúrias (1934) com tropas da Legião Espanhola, depois da vitória, apoiado pela Alemanha, Itália e Portugal, Franco estimulou durante cinco anos a alucinada chacina de centenas de milhares de pessoas, mortas em campos de concentração, execuções extrajudiciais ou em prisão.

A decisão do destino a dar aos restos mortais do genocida cabe à família, que não pediu perdão ao País, tal como o Vaticano, que esqueceu o apoio de Pio XI, designando como Cruzada a sedição, e a dos bispos espanhóis aos de todo o mundo a manifestarem o seu entusiasmo.

À Espanha democrática cabe dar um funeral digno às vítimas do franquismo e alterar o significado ao lúgubre monumento que perpetuou a memória e a vontade do ditador.

Enquanto não se alteram a constituição e o regime político, e se extinguem os títulos nobiliárquicos, cabe ao governo do PSOE solicitar ao rei a extinção do título de ‘duque de Franco’ que, no dia da moção de censura, que remeteu o PP à oposição, foi assinado pelo ministro da Justiça, Rafael Catalá, proclamando Carmen Martínez-Bordiú como nova duquesa de Franco, com o título que pertencera a Carmen Franco, filha do ditador, e solicitado algum tempo antes pela neta.

Urge fazer justiça para pacificar as feridas da guerra cuja violência foi exercida dos dois lados, e que os vencedores prosseguiram impiedosamente. Urge contar a verdade.

O nacionalismo e o populismo são chagas que dilaceram de novo a Europa, da Áustria à Itália, na própria Alemanha, da Polónia à Hungria. Neste último país, a ajuda altruísta a refugiados passou a crime, punível com prisão. Parece que o exemplo dos EUA, após a eleição de um presidente inculto e amoral, está a singrar na Europa das Luzes, esquecida a sua herança humanista, mas nenhum país reverencia ainda a memória de um déspota.