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sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Relatório revela que dirigentes do norte do país recebem triplo de remuneração em relação a trabalhadores não qualificados

10 ago 2018 07:25

MadreMedia / Lusa

Economia

4 comentários

Os trabalhadores com funções de dirigentes auferem, na região Norte, um rendimento médio mensal líquido de 1.585 euros, valor que representa o triplo daquele recebido por trabalhadores não qualificados, revelam dados do relatório Norte Estrutura hoje divulgado.

Relatório revela que dirigentes do norte do país recebem triplo de remuneração em relação a trabalhadores não qualificados

“Uma análise por grupos de profissões mostra que a disparidade entre os trabalhadores por conta de outrem com maior e menor salário médio se manteve aproximadamente constante na Região do Norte desde 2014, com os chamados dirigentes a auferirem entre o triplo e 3,2 vezes o rendimento médio dos trabalhadores não qualificados (depois de em 2012 terem auferido o quádruplo)”, conclui o documento elaborado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N).

Na região, e entre os trabalhadores por contra de outrem, o grupo profissional dos dirigentes (onde se incluem representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes, diretores e gestores executivos) é também um dos de menor dimensão (apenas cerca de 39 mil empregados em 2017).

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A nível salarial, seguem-se os especialistas das atividades intelectuais e científicas (1.244 euros em 2017), o grupo dos técnicos e profissões de nível intermédio (919 euros), pessoal administrativo (716 euros mensais), trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices (667 euros), operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem (648 euros) e trabalhadores dos serviços pessoais, de proteção e segurança e vendedores (630 euros).

Com os níveis salariais mais baixos do Norte estão os grupos de trabalhadores qualificados da agricultura, pesca e floresta (507 euros) e trabalhadores não qualificados (502 euros).

De uma forma geral, o salário médio da região registou, nos últimos dois anos, um crescimento real superior ao observado ao nível nacional, atingindo os 796 euros, mas ainda assim manteve-se inferior ao salário médio nacional em cerca de 7%, tal como há cinco anos.

Em 2017, o mercado de trabalho no Norte caracterizou-se pelo aumento da oferta de mão-de-obra, crescimento do emprego, descida do desemprego e aumento do salário real.

Nos últimos anos, o aumento da oferta de recursos humanos no Norte “deveu-se unicamente” à mão-de-obra feminina, que cresceu 2,7% em 2017, o que representa mais 25 mil mulheres ativas do que em 2016. Em sentido inverso, a população ativa masculina residente na região diminuiu ligeiramente em 2017.

O documento destaca ainda a “progressiva escolarização” da mão-de-obra no Norte. Se em 1998, apenas um em cada 15 ativos do Norte tinha concluído um curso do ensino superior, 19 anos depois, em 2017, cerca de 22,2% da população possuía habilitação ao nível do ensino superior.

Nos últimos dois anos, as atividades que mais contribuíram para o crescimento da população empregada residente foram o ramo do alojamento, restauração e similares (com cerca de mais 15 mil empregados) e as indústrias transformadoras (mais 14 mil), seguidas da educação (mais 10 mil) e transportes e armazenagem (mais nove mil).

Paralelamente, a taxa de desemprego continua a ser mais elevada no Norte do que a nível nacional, situação que se mantém desde 2003, tendo-se fixado nos 9,8% em 2017. Numa análise por sub-regiões, o valor mais baixo encontrava-se, no ano passado, no Alto Minho, com 6,7% de desemprego, enquanto no outro extremo, e com 14,6%, a sub-região do Douro tinha a taxa de desemprego mais elevada.

Com taxas de desemprego superiores à média no Norte encontravam-se, no mesmo período, as sub-regiões do Alto Tâmega (12,9%), de Terras de Trás-os-Montes (10,9%), do Tâmega e Sousa (10,5%), e a Área Metropolitana do Porto (10,3%).

O relatório Norte Estrutura avalia ainda o crescimento das empresas da região nos últimos anos, concluído que entre 2008 e 2016 foi determinado pela internacionalização e aumento de produtividade, com o volume de negócios para o mercado externo a atingir um valor recorde em 2016 e as indústrias transformadoras a darem um forte contributo para o crescimento da produtividade do trabalho, dos lucros e do investimento, principalmente em equipamento básico.

#EuAbortei, #YoAborte, ou as campanhas pelo aborto legal, seguro e gratuito na América Latina, com uma nota ao Papa Francisco, e aos evangélicos

10 ago 2018 09:47

MadreMedia

Opinião

3 comentários

A opinião de

Alexandra Lucas Coelho

Alexandra Lucas Coelho

O fortalecimento combativo das mulheres foi das coisas mais emocionantes, mais encorajadoras de ver, e a cada vez que aqui piso parece-me que os saltos estão cada vez mais fortes. Bem precisamos porque nunca as mulheres com voz foram tão ameaçadas, vai fazer meio ano que Marielle Franco foi morta, o Brasil vai para eleições daqui a menos de dois meses, e um dos candidatos mais fortes é um apologista da ditadura, da tortura, não só contra a despenalização do aborto, como defensor da esterilização dos pobres.

#EuAbortei, #YoAborte, ou as campanhas pelo aborto legal, seguro e gratuito na América Latina, com uma nota ao Papa Francisco, e aos evangélicos

1. Aterrei no Rio de Janeiro entre as duas audiências públicas do Supremo Tribunal Federal (3 e 6 de Agosto) sobre a despenalização do aborto no Brasil. Neste momento, uma brasileira que aborte pode ser presa por três anos. Uma das campanhas em curso contra isto diz que se os homens também pudessem ser presos o aborto não seria crime ainda. Pois é. Mas desde a idade das cavernas que a mulher engravida totalmente sozinha, ou do Espírito Santo, como se sabe. E na idade das cavernas continuamos, em muitas frentes. A única brasileira que aborta e não corre mesmo o risco de ser presa é aquela que morre disso, o que no Brasil acontece a quatro mulheres por dia. Isto significa que, quando estiver a ler esta crónica, uma brasileira terá morrido na sequência de um aborto pouco antes, e irá morrer a seguir. E significa, de facto, que a vida de uma mulher no Brasil não vale mais do que uma célula ou um embrião. Na lógica dos crentes que teimam que esse embrião já é vida, são duas vidas diante do Criador, mulher e embrião. Então, morte por morte, morre a mulher, pois quem a mandou abortar? E, antes disso, engravidar — sozinha, ou do Espírito Santo.

2. Eis onde estamos em 2018, no Brasil, como na Argentina. Na quarta-feira, o Senado em Buenos Aires chumbou por 38-31 a legalização do aborto até à 14ª semana de gravidez. Num interminável dia de Inverno, com a Argentina dividida entre azuis — contra — e verdes — a favor —, os senadores argentinos contrariaram o voto dos deputados que em Junho tinham aprovado a legalização. As argentinas continuarão, assim, a poder ser presas por quatro anos se abortarem. E até ao fim deste ano parlamentar não será possível voltar à luta legislativa.
Nessa mesma noite, as cariocas saíram à rua, diante da Assembleia do Rio de Janeiro, pelo aborto legal, seguro e gratuito na América Latina. Porque a luta delas é a mesma que a das argentinas, e não apenas. É a minha luta, e a de todas as mulheres e todos os homens que queiram uma democracia plena. Aborto não é só questão de saúde pública, é questão de saúde política. Não é possível conceber uma democracia plena em que as mulheres valham menos do que um embrião. Em que as mulheres continuem a valer menos. Em que os homens continuem a legislar em esmagadora maioria, olimpicamente, hipocritamente, como se as filhas, mulheres, sobrinhas, afilhadas, amigas não pagassem bem para abortar com segurança. Em Junho, quando os deputados argentinos aprovaram a legalização, pareceu-me ver sobretudo mulheres naquela emocionante maré verde. Eram as hermanas que dominavam a rua. Agora, esta quarta, depois do chumbo do Senado, pareceu-me ver mais homens de verde a fugir da carga policial. Tudo isto à distância eventualmente enganadora do vídeo. Mas o que parece certo é que serão precisos muitos mais homens nesta luta. É preciso que os homens tirem a cabeça da areia.

3. Algo mudará mais quando muitos deles forem capazes de partilhar uma campanha como #YoAborte, #EuAbortei. Porque, sim, na esmagadora maioria das vezes em que uma mulher aborta, um homem aborta também, embora nunca possa viver no corpo aquilo por que passa uma mulher. Mas justamente por isso, quer já tenha sido parceiro de um aborto ou não, por nunca conhecer em toda a extensão o que significa fazer um aborto, é que será importante cada vez mais homens partilharem isto.
Fazer campanha com as hashtags #YoAborte, #EuAbortei não é glorificar o aborto, como já ouvi comentar em redes sociais, mesmo da parte de quem diz defender a descriminalização do aborto. Confundir essas hashtags com glorificação do aborto é uma ofensa para qualquer mulher que já tenha passado por um aborto. Todas as mulheres que fizeram um aborto sabem que é impossível haver uma glorificação do aborto. Ele pode ser vivido mais ou menos dramaticamente, mas nunca com satisfação — para não dizer em glória: só esse pensamento é de uma violência sem noção.
Dizer Eu Abortei é fazer o que fizeram as mães e avós desta luta, que vestiram t-shirts para estar no parlamento. É dizer, leia na minha camisa: esta luta é de todos nós. Dizer que o aborto é transversal, o aborto envolve todo o tipo de mulheres e de homens, crentes e não crentes, pobres e ricos. A diferença, claro, é que os ricos, as ricas tendem a não morrer, porque podem pagar abortos mais seguros. Dizer Eu Abortei é dar força a quem abortou, dar força a quem se julga sozinha, dar força a quem teme sermos poucas e poucos. É dizer que pode acontecer a qualquer uma, qualquer um, e que estamos aqui para que nenhuma de nós morra disso, vá presa por isso, sofra mais — mais ainda — por isso. Não somos poucas e poucos, somos imensos, desde a Idade das Cavernas. O que nos pode distinguir é já não estarmos na Idade das Cavernas. E o Estado já não estar na Idade das Cavernas de ainda punir quem já passou tanto. De assegurar que quem precisa de abortar o possa fazer legalmente, em segurança e de graça.
E aos estafados receios de que a legalização “incentive” o aborto, olhem para as estatísticas, poupem-nos. Em Portugal, onde começámos por perder um referendo, e viemos a ganhar outro há pouco mais dez anos, os abortos diminuiram, e continuam a diminuir. Para quem se diz a favor da descriminalização, mas depois contesta este tipo de campanhas, eu faria uma sugestão: aponte ao inimigo.

4. Quando vim morar para o Brasil, em 2010, como correspondente, comecei por cobrir a eleição presidencial que reelegeu Dilma Rousseff. Foi o meu primeiro choque com a ginástica de parte da esquerda brasileira quanto ao aborto, e a escassez da luta feminista então. Ginástica de parte da esquerda porque de uma mulher que foi guerrilheira, e reclamava ser chamada Presidenta, eu esperaria um discurso mais corajoso quanto ao aborto. Mas não foi só um problema de Dilma, foi também de Lula. Em nome da governabilidade, de não alienar votos evangélicos ou mais conservadores, essa esquerda não foi corajosa, ou foi sinceramente conservadora, quanto ao aborto.
Lula, entretanto, disse que havia que tratar o aborto não de acordo com as suas convicções pessoais, mas como questão de saúde pública. Menos mau.
E o feminismo no Brasil deu saltos gigantescos desde então. Nestes oito anos, as mulheres ganharam voz e acção, desde as favelas à burguesia, com as mulheres do morro a arrastarem muita vezes as do asfalto, e muitas vezes as mulheres a arrastarem homens, enfim homens que há poucos anos nem remotamente achariam que isto era assunto deles. Isto: do aborto ao assédio, passando por todas as formas de violência a que as mulheres brasileiras têm sido sujeitas, elas que foram o primeiro objecto da violência colonial. O fortalecimento combativo das mulheres foi das coisas mais emocionantes, mais encorajadoras de ver, e a cada vez que aqui piso me parece que os saltos estão cada vez mais fortes.

5. Bem precisamos porque nunca as mulheres com voz foram tão ameaçadas, vai fazer meio ano que Marielle Franco foi morta, este país vai para eleições daqui a menos de dois meses, e um dos candidatos mais fortes é um apologista da ditadura, da tortura, não só contra a despenalização do aborto, como defensor da esterilização dos pobres para combater “miséria” e “crime”: Bolsonaro.
E o problema não se fica por Bolsonaro. Chega a quem quer combater Bolsonaro. Por exemplo, Ciro Gomes, uma das alternativas ditas à esquerda. Que diz Ciro Gomes sobre o aborto? Do que eu entendo, diz “nim”. Diz que é uma tragédia a que o Estado não pode pesar mais. Ok. Vamos tirar daqui que Ciro até vá pela despenalização. O facto é que a sua vice, a ruralista Kátia Abreu, acaba de defender mais facilidades para o porte de arma, e mais criminalização do aborto. Num dos casos em que a lei brasileira, hoje, permite a excepção — anencefalia do feto —, Kátia Abreu é contra. Ciro veio dizer que não concordava com a sua vice, e que vice não tem de pensar o mesmo que o candidato, e sempre foi assim no Brasil. Bem, Temer, que foi vice de Dilma, não é lá grande exemplo. O que vejo aqui é mais um contorcionismo. Não percebo o que a esquerda faz com isto.
Depois há Marina Silva, evangélica. Contra prender a mulher e admitindo um plebiscito, mas contra o aborto pessoalmente.
Mas um dos dramas desta eleição é mesmo a divisão em tantos do contrapeso de Bolsonaro.

6. O Brasil é um país laico onde é difícil achar ateus. As duas coisas não são nem podem ser incompatíveis. O Brasil tem de continuar a ser um país laico, sendo que é difícil achar ateus aqui. Leio que nas sondagens 57 por cento é contra a despenalização do aborto. Não é um bom número, mas é um número com que se pode trabalhar, leia-se lutar. E há outro número interessante. A percentagem de quem defende a legalização aumentou de 23 por cento para 36.
Só a luta, a pressão popular, cívica levará à legalização. Uma luta contínua, capaz de superar perdas e fracassos, cada vez mais ampla, com mulheres e homens.

7. Os cristãos terão nisso um papel importante. E por isso vale a pena terminar com uma nota relacionada com o Papa Francisco. Ele que é argentino, ele que soube falar ao coração de milhões de brasileiros em 2013, ele que tem sabido falar para fora da Igreja Católica, a outros cristãos, e tantos não-crentes, poderia ter um papel decisivo na questão do aborto. Porta que já entreabriu.
Das audiências públicas do Supremo Tribunal Federal sobre a despenalização do aborto destaco a contribuição de uma católica, professora da PUC (universidade católica), presidente do movimento Católicas pelo Direito de Decidir, Maria José Rosado:
“As mulheres católicas recorrem ao aborto, em grande número, indicando mesmo as pesquisas que são a maioria das mulheres que abortam. E sua fé religiosa conta no momento de sua decisão. E conta também, o peso da ilegalidade e a possibilidade de serem maltratadas e mesmo presas. É tendo essas mulheres em meu horizonte que trago o Papa Francisco nesta intervenção. Fui religiosa católica — freira — durante muitos anos. Morei no interior do estado do Acre e na Bahia, na região da seca. E aí tive a oportunidade de conhecer e conviver com a Teresa, com a Ni… mulheres pobres, prostitutas, com muitas outras mulheres para quem a religião era, de fato, o único consolo. E é essa a razão de eu trazer aqui, a forma do Papa Francisco tratar o aborto, as mudanças que ele introduz. Seria desonesto dizer que ele não o considera um pecado, diferentemente de nós, católicas feministas. No entanto, desde que, logo no início de seu Pontificado, em outro contexto, ele disse: ‘Quem sou eu para julgar?’ um redirecionamento estabeleceu-se (…). Por séculos a Igreja considerou-se a portadora única da verdade e da capacidade de julgar os atos humanos e mesmo a sociedade. O que o Papa fez, foi colocar-se em outro lugar, num outro horizonte: aquele do pastor que não julga; compreende, perdoa e oferece compaixão. Foi ainda o que reiterou, quando estendeu aos padres a possibilidade de oferecer perdão às mulheres católicas que tivessem abortado. Em lugar da excomunhão, o acolhimento. Não é de se admirar que a Igreja mude. Historicamente, ela sempre mudou quando percebeu que as sociedades mudavam. Foi assim em relação à escravidão e foi assim em relação aos direitos humanos. Recentemente, mais uma mudança: A condenação da pena de morte, por tanto tempo aprovada pela Igreja. Por que não poderia reconsiderar sua posição em relação ao aborto? A ilegalidade faz do aborto uma forma de pena de morte para as mulheres.”
E, pelo lado dos evangélicos, que tanto têm crescido no Brasil, termino com uma citação da pastora luterana e teóloga Lusmarina Campos Garcia, que também contribuiu para a udiências pública do Supremo Tribunal:
“Há séculos, um cristianismo patriarcalizado é o responsável por penalizar e legitimar a morte de mulheres. A criminalização religiosa das mulheres por causa do aborto necessita ser colocada neste contexto histórico. Esta audiência pública é um momento importante para um debate aberto e democrático, cuja pergunta de fundo é: porqueuma parte das tradições religiosas, que são construções históricas, insiste em disseminar e reproduzir a misoginia, controlando os corpos das mulheres e penalizando-as psiquicamente, por causa do suposto pecado e da culpa, e também criminalmente. As inquisições contra as mulheres continuam, mesmo travestidas por outras faces e formas. Outrora, foram as fogueiras reais, hoje, as fogueiras simbólicas, mas não menos perversas, que persistem através de um poder religioso, que age contra a dignidade das mulheres, via poder político, e se mantém institucionalmente.
A segunda tese que gostaria de propor é sobre como a laicidade do Estado é fundamental para a garantia do direito à igualdade em todos os seus aspectos, e, de maneira especial, à igualdade de género e liberdade religiosa e de consciência, inclusive no que diz respeito à possibilidade de decidir como, quando e se levar adiante uma gestação ou não.
Por fim, não menos importante, gostaria de oferecer meu acolhimento a todas as mulheres que já fizeram aborto e se sentiram sós. Gostaria de dizer a cada uma delas: vocês não estão sozinhas, e vocês não são criminosas. O aborto é uma questão de saúde pública, e questões de saúde pública não devem ser resolvidas através do direito penal nem da Bíblia, sobretudo por uma interpretação enviesada por interesses masculinos.”

Al-Qaida renasce, mas Estado Islâmico permanece maior risco para Europa

10 ago 2018 08:18

MadreMedia / Lusa

Atualidade

4 comentários

A rede terrorista Al-Qaida está a renascer em várias regiões do mundo a par do declínio do grupo Estado Islâmico, embora este continue a ser o principal risco para a Europa, defendeu o especialista José Manuel Anes.

Al-Qaida renasce, mas Estado Islâmico permanece maior risco para Europa

“Aqui na Europa, claramente, [o maior risco] é ainda o Estado Islâmico, que aproveita sempre algum tipo de oportunidade para fazer um ataque”, disse à Lusa o especialista em segurança e terrorismo e ex-presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), a propósito do 30.º aniversário da rede terrorista fundada por Usama bin Laden.

Enquanto o Estado Islâmico (EI) ganhava território, financiamento e militantes, a Al-Qaida era “criticada por todos” os extremistas, que a comparavam a “um grupo de velhos que já não tinha capacidade operacional” e que consideravam o Estado Islâmico “a verdadeira vanguarda do islamismo radical”.

Mas, depois das recentes perdas territoriais do EI no “califado” que proclamou em 2014 em partes da Síria e do Iraque, e a consequente perda de poder, a “Al-Qaida saiu mais ou menos incólume da situação e está aí”, explicou Anes, admitindo que a organização “não tem a capacidade operacional que o EI chegou a ter, mas está perfeitamente capaz de fazer atentados e de atuar, já com mais racionalidade”.

“A Al-Qaida está a renascer, não digo das cinzas, porque ela não foi destruída, mas está a renascer e a posicionar-se nas suas diversas áreas de intervenção”, prosseguiu o especialista, apontando como principais palcos da rede terrorista nos próximos anos o norte e centro de África, o Afeganistão e o Paquistão, onde o movimento Talibã do Paquistão (Tehrik-i-Taliban Pakistan), se mostra como “um braço da Al-Qaida muito forte e com muitos atentados no Paquistão e no Afeganistão”.

Além da Al-Qaida na Península Arábica (AQPA), que reivindicou o último atentado da Al-Qaida na Europa, o ataque à redação do jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, a 7 de janeiro de 2015.

Antes considerada a mais perigosa “filial” da Al-Qaida, a APQA é atualmente instrumental no conflito no Iémen para aliados dos Estados Unidos como a Arábia Saudita na luta contra as milícias ‘Huthi’, apoiadas pelo Irão, o “inimigo principal”.

A rede terrorista não conhece “um período de expansão tão pujante e tão forte como o EI teve, mas vai recuperando e, portanto, pode atacar. Mais nesses locais extra-europeus, menos na Europa”, explicou.

Há uma “juventude entusiasmada” com a “ideologia apocalíptica do EI” que “não deixa muito espaço para que a Al-Qaida respire aqui na Europa”.

Esses jovens “sentem-se parte de um movimento mundial que vai resgatar a honra perdida do Islão e, nesse sentido, essa ideologia apocalíptica entusiasma-os. [Pensam:]’Estamos a acelerar o fim do mundo e, mesmo que morramos, vamos para o céu e esta civilização há de acabar'”, explicou.

Mas “as coisas podem mudar”, advertiu. “Porque essa imagem de um grupo de velhos, que pouco faziam, está a passar, devido à crise do EI […] Se a Al-Qaida tiver uma ação espetacular, que entusiasme os seus seguidores na Europa, também pode ser que a situação mude”.

No submundo dos músculos

Opinião

Inês Cardoso

Hoje às 00:04

ÚLTIMAS DESTE AUTOR

De tempos a tempos, quando há uma agressão ao estilo da que em novembro foi gravada no exterior da discoteca Urban Beach ou um processo judicial picante envolvendo clubes de futebol, acordamos para o submundo da segurança privada. Há mais de 55 mil vigilantes com cartão emitido, mas uma minoria de gente musculada e malformada basta para criar uma imagem de desconfiança quanto aos excessos e à falta de fiscalização da atividade.

A revisão da lei estava prometida há muito pelo Governo e traz novidades importantes. Desde logo, porque introduz o princípio de responsabilização dos proprietários dos estabelecimentos pelos atos cometidos por seguranças. Deixa de ser possível sacudir a água do capote, o que terá como consequência natural um maior cuidado na contratação e no acompanhamento dos funcionários.

Introduz-se a possibilidade de as autoridades acederem, em tempo real, a imagens de videovigilância em lojas, discotecas ou residências. Mas nem tudo é reforço da intervenção e fiscalização policial: os seguranças ganham poderes para fazer revistas com apalpação, ainda que mediante supervisão, em locais como estádios de futebol ou aeroportos. Em discotecas não - o que se percebe mas poderá ser um paradoxo num cenário como, por exemplo, de ataque terrorista.

Os princípios podem ser globalmente positivos, mas é no detalhe que se irá ver a sua coerência e operacionalização. As mudanças agora aprovadas em Conselho de Ministros são relativamente genéricas e apenas a regulamentação permitirá clarificar as vantagens e eventuais riscos. Já que a proposta legislativa está há tanto tempo a marinar, que ao menos valha a pena a espera. E, já agora, que depois haja recursos para a fiscalização preventiva da atividade. Antes de serem pisadas linhas vermelhas, e não depois.

* SUBDIRETORA

Loureiro dos Santos

Opinião

Francisco Seixas Da Costa

Hoje às 00:03

  • ÚLTIMAS DESTE AUTOR
  • Um dia, nos tempos em que coincidimos numa aventura de aconselhamento universitário, em conversa com o meu saudoso chefe da "tropa", o general Gabriel do Espírito Santo, vieram à baila nomes dos tempos do "verão quente" de 1975. Embora tivessem decorrido algumas décadas, o impacto desses dias comuns mantinha em nós fortes impressões sobre algumas figuras, embora nem sempre coincidentes. Ele conhecia-as mais de perto, eu tinha criado uma visão mais ligeira, feita nos corredores e nos episódios vividos no seio do MFA, por onde tinha "passarinhado" como civil fardado.

    Recordo-me de lhe ter então dito que tinha pena de não ter conhecido bem o general Loureiro dos Santos, de quem tinha uma excelente opinião, em especial depois de ter lido algumas reflexões teóricas que ele vinha a fazer sobre estratégia e política de defesa. Os olhos do "meu general" arregalaram-se: "O Loureiro dos Santos?! Ó homem! Esse é o melhor de todos nós!"

    Luísa Meireles, uma jornalista cujo rigor, infelizmente, começa a ser muito raro na nossa imprensa, acaba de publicar uma excelente biografia de Loureiro dos Santos. Li-a de um trago. E através dela pude "recortar"(utilizando uma expressão do léxico das "informações", que aprendi com Espírito Santo) a figura de Loureiro dos Santos, percebendo assim, não apenas as razões de algum do seu comportamento naqueles tempos revolucionários mas, principalmente, esclarecendo as motivações do seu posterior envolvimento governativo e em funções de chefia militar.

    Loureiro dos Santos nunca foi verdadeiramente um político, mesmo quando exerceu funções dessa natureza. Percebe-se bem por este livro que foi sempre um militar, fiel às determinantes de uma condição que, para ele, foi muito menos uma profissão e muito mais uma vocação, um empenho quase obsessivo numa certa forma de ser servidor público. Pelo que a biografia de Luísa Meireles agora nos traz, confirmando o que dele já se conhecia, pode mesmo imaginar-se alguma angústia que o terá atravessado, nesses dias de abril, obrigado ao dever cívico da revolta contra o respeito hierárquico em que fora educado. Este livro ajuda-nos a entender bem que o 25 de abril não foi apenas, contrariamente à perceção comum, uma Revolução "de Esquerda". Foi também, para gente conservadora e patriótica como Loureiro dos Santos, uma revolta essencialmente ética e democrática. Sem gente como ele e como Ramalho Eanes, no seio do MFA, pergunto-me hoje se poderíamos ter escapado então a uma guerra civil.

    * EMBAIXADOR