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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

“Quem não deve não teme” – mas evita responder a questões?

Novo artigo em Aventar


por j. manuel cordeiro

Declarações do deputado ubíquo:

  • “Não registei a minha presença, não mandei registar, não auferi qualquer vantagem monetária”
  • “Não pedi a ninguém para me registar tal como estou convencido que nenhum deputado terá feito mesmo quando no exercício de cargos partidários ao longo dos anos”
  • "Sou um homem honrado, com mais de 30 anos de vida pública e nunca ninguém me apontou qualquer irregularidade"
  • “Dada a dimensão mediática que este caso atingiu, todos deverão perceber que sou eu o primeiro a querer que tudo seja devida e rapidamente esclarecido”

O deputado mostra-se surpreendido pela dimensão mediática do caso. E que caso é este? Trata-se, apenas, da fraude quanto à sua participação num plenário do Parlamento. José Silvano não ver porque é relevante uma questão de ética, ocorrida numa casa onde se deve dar o exemplo, revela tudo sobre si mesmo. Não teme mas recusa-se a responder a uma questão muito simples: como é que alguém usou a sua password? Só falta vir a brigada do spin dizer que foi um ataque dos hackers russos.

O incompreensível corte salarial da função pública

  por estatuadesal

(Alexandre Abreu, in Expresso Diário, 08/11/2018)

abreu

A atual solução governativa assenta num entendimento político cujo núcleo central é a devolução de rendimentos aos trabalhadores e pensionistas, tanto por uma questão de dignidade e de justiça social como enquanto meio para a recuperação económica. É isso mesmo que tem vindo a ser feito ao longo desta legislatura, de formas tão diversas e acertadas quanto os aumentos do salário mínimo, as atualizações das pensões, a introdução de novas prestações sociais, a eliminação da sobretaxa, o descongelamento das carreiras ou as alterações aos escalões do IRS.

Tendo em conta todas estas medidas e os resultados claramente positivos que produziram, percebe-se mal que o governo se prepare agora para, no último ano da legislatura, cortar os salários de boa parte dos funcionários públicos. O que está em causa para 2019 não é um corte nominal nos salários da função pública, claro está, mas um corte em termos reais resultante da inflação prevista de cerca de 1,5%. No próximo ano, quem não tiver um aumento nominal de pelo menos 1,5% verá o seu poder de compra reduzido de forma bem real. De acordo com a proposta de Orçamento do Estado, deverá ser o caso de boa parte dos funcionários públicos, para os quais esta nova perda acrescerá aos cerca de 20% de perda do salário real acumulados em média desde a viragem do século.

Depois de em todos os anos desta legislatura o governo ter reposto salários da função pública através da eliminação dos cortes e outras medidas, no próximo ano podem regressar os retrocessos caso o governo mantenha a intenção de dedicar a este fim apenas 50 milhões de euros, que independentemente da forma como possam vir a ser distribuídos estão longe de chegar para compensar a deterioração do poder de compra decorrente da inflação. E ainda menos se perceberá que assim seja se, como sugeriu recentemente o economista Ricardo Cabral, isso se dever ao excesso de zelo do ministro das finanças no cumprimento de absurdas regras orçamentais europeias relativas à evolução da despesa nominal.

O governo deve explicar claramente aos portugueses porque é que, num contexto de crescimento económico, pretende voltar a cortar em termos reais os salários dos funcionários públicos. E, de preferência, deve reconsiderar esta intenção, garantindo no mínimo a preservação do rendimento real de todos através do recurso à dotação provisional para este fim. Por um questão de justiça, de motivação e de consistência com a linha de atuação do próprio governo.

E tu, camarada, apoias a fome e a opressão na Venezuela?

Novo artigo em Aventar


por João Mendes

Na Venezuela, onde a este javardo inchado nada falta, incluindo a famosa "empanada" escondida debaixo da mesa, dados da FAO indicam que existem 3,7 milhões de pessoas subalimentadas, o que equivale a mais de 10% da população daquele país.

Sim, existem na crise venezuelana outras variáveis que o mainstream tende a abafar. Mas é inaceitável haver quem à esquerda se bata por um regime que escolheu oprimir, como se o que se passa na Venezuela fosse assim tão diferente daquilo a que assistimos nos reinos totalitários do Médio Oriente.

Não é.

A chanceler que encolheu a Europa

  por estatuadesal

(Viriato Soromenho Marques, in Diário de Notícias, 08/11/2018)

soromenho

Depois do duplo desaire da CSU, CDU e SPD nas eleições estaduais da Baviera e de Hesse, a "grande coligação" em Berlim transformou-se num eufemismo que vale 40% das intenções de voto do eleitorado germânico a nível federal (dados Pollytix-Wahltrend). O que aconteceu aos partidos históricos da RFA não pode ser explicado pela narrativa preguiçosa da ascensão da extrema-direita, representada pelos neonazis, ainda engravatados, da AfD.

Na política existem tendências, mas não determinismos semelhantes à lei da gravidade. Se houve um claro vitorioso nacional, esse foi o partido dos Verdes (Die Grünen), que colhe hoje a preferência de 20% dos alemães, tornando-se num claro potencial segundo partido, bem à frente dos 17% da AfD e dos humilhantes 14% do SPD. No estado do Hesse, fugiram mais votos da CDU para os Verdes do que para a AfD. Isto significa que o governo e a chanceler estão a merecer repúdio por parte de eleitores que são cosmopolitas, que aceitam a hospitalidade aos emigrantes e refugiados, que querem a unidade europeia num quadro de defesa do ambiente e desenvolvimento sustentável.

A ideia de que Merkel é a última defesa contra os bárbaros que ameaçam devastar a UE pode colher junto de alguns comentadores portugueses, mas não corresponde ao estado da opinião liberal e democrática dominante na Alemanha. Mais grave ainda, Merkel ficará nos livros da história que ainda está a ser feita como a líder que recusou todas as escolhas que poderiam engrandecer e fortalecer a Europa, que deitou a perder todas as oportunidades de corrigir a perigosa trajetória que ainda nos arrasta em velocidade crescente. Por outro lado, a sua ideia peregrina de renunciar a ser candidata a dirigente da CDU, no próximo congresso de dezembro, mantendo-se, todavia, à frente do governo até às eleições de 2021, indica alguém que perdeu o contacto com a realidade. Como a própria Merkel sempre afirmou, a concentração na mesma pessoa da chefia do governo e da liderança do partido-chave do governo deve ser a regra.

Não sei se haverá eleições antecipadas na Alemanha, mas estou seguro de que o crepúsculo da chanceler, que a própria pretenderia estender por três anos, talvez nem dure três meses.

Não sei se haverá eleições antecipadas na Alemanha, mas estou seguro de que o crepúsculo da chanceler, que a própria pretenderia estender por três anos, talvez nem dure três meses.

Se os grandes líderes, aqueles que dão o rosto a reformas que permitem melhorar o mundo, se destacam pela capacidade de se colocarem no lugar dos outros, a chanceler Merkel, pelo contrário, representa a teimosa persistência de governar dentro da sua pequena visão do mundo.

Numa conferência recente na Universidade de Goethe, o filósofo Jürgen Habermas criticava precisamente o governo de Merkel por este olhar para a crise europeia apenas na perspetiva da sua agenda egoísta: "Eu fico espantado com o desplante [Chutzpah] do governo alemão que acredita poder ganhar parceiros naquelas políticas que nos interessam - refugiados, defesa, comércio internacional - ao mesmo tempo que obstrui completamente a questão de completar politicamente a UEM."

Desde as eleições europeias de 2014 que a iniciativa política na Europa passou para o voluntarismo populista. Merkel tem recusado todas as possibilidades, inclusive as modestas propostas do presidente Macron, para fazer sair o euro do colete-de-forças do tratado orçamental, esse insensato exercício de sadomasoquismo financeiro imposto aos povos e Estados como uma fatalidade natural. A crise europeia talvez já tenha passado o ponto de não retorno, mas a saída de cena de Merkel só deverá ser encarada como favorável à esperança.


Professor universitário

Antifascismo militante

Ladrões de Bicicletas


Posted: 07 Nov 2018 01:55 PM PST

No seu primoroso blogue A Terceira Noite, Rui Bebiano apela à “organização de um antifascismo militante”, capaz de fazer face à “extrema-direita mundial” em ascensão. Sem esquecer a solidariedade internacional possível e a atenção aos fenómenos internacionais de contágio, a escala nacional é hoje a mais importante para acção política, partindo de análises concretas das variadas situações nacionais concretas, incluindo das forças sociais em presença e suas bases materiais. Neste sentido, partindo da situação portuguesa, reafirmo: não importemos problemas, embora, dado o caso Bolsonaro, talvez tenha sobrestimado o grau de compromisso democrático de certa direita portuguesa dita liberal. É realmente preciso estar sempre vigilante. Sobre o fascismo, termo que realmente não deve ser vulgarizado, repito algumas notas a pensar sobretudo neste lado do Atlântico:
1. É necessário adaptar para estes tempos sombrios a famosa fórmula de Max Horkheimer sobre a relação entre capitalismo e fascismo: aqueles que não querem falar criticamente de neoliberalismo, da forma dominante de economia política hoje em dia, e que até querem defender as instituições supranacionais que garantem a sua perpetuação em parte do continente europeu, devem ficar calados sobre tendências fascizantes de novo tipo que lhe são endógenas.
2. A lógica da frente popular, do antifascismo mais consequente, nunca deve ser esquecida. Assim, vale a pena ler ou reler o discurso de Georgi Dimitrov sobre a estratégia das frentes populares, definida, em 1935, pela Terceira Internacional. Para lá da crítica ao sectarismo e da defesa de uma unidade política consequente, uma das apostas passou por não deixar a inevitável imaginação nacional entregue às direitas: “O internacionalismo proletário deve aclimatar-se, por assim dizer, a cada passo e deitar profundas raízes no solo natal. Ao revoltar-se contra toda a vassalagem e contra toda a opressão é o único defensor da liberdade nacional e da independência do povo”.
3. No seu extraordinário livro A Democracia – História de uma Ideologia, Luciano Canfora assinala precisamente como o antifascismo passou de um programa negativo, de resistência, para um programa positivo, de reforma na estrutura, sobretudo a seguir a 1945. Destacando justamente Palmiro Togliatti, outro dos grandes estrategas do antifascismo, Canfora localiza nesses anos de esperança o maior avanço do ideal democrático, consubstanciado constitucionalmente na república democrática, baseada no trabalho e na remoção dos obstáculos socioeconómicos no caminho de uma igualdade substancial, ou seja, de uma democracia avançada. Por cá, teríamos ainda quase três décadas de luta antifascista, rumo à revolução democrática e nacional.
4. Hoje não há internacional e desapareceu um dos freios e contrapesos que tinha contribuído para a institucionalização de formas menos polarizadoras e agressivas de capitalismo. Mas, de novo, só podem defender consequentemente os valores universais da solidariedade, que ganham densidade em estados soberanos, as forças democráticas enraizadas no solo nacional e que não aderiram à lógica supostamente leve dos fluxos e de um cosmopolitismo que mascara tantas vezes o imperialismo.
5. As sociedades mais igualitárias, seguras na sua identidade, são internacionalmente mais cooperativas, sabemo-lo há muito. E nós também sabemos bem como são hoje poderosas as forças que apostaram em destruir Estados no bloco afro-asiático e em esvaziá-los na Europa do sul. A história é repetição e novidade. Uma das boas novidades é que vivemos num mundo muito mais multipolar. A outra é que dispomos, aqui e ali, de constituições nacionais onde ainda sobrevivem algumas das marcas do antifascismo; constituições que de resto o capital financeiro e as suas instituições de suporte europeias ainda consideram um empecilho, lembrem-se.