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quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

O potencial dos grupos conservadores nas redes sociais foi subestimado


Desde 2011, pelo menos, grupos conservadores e fundamentalistas vem se articulando nas redes sociais – e fora delas – em campanhas em torno de pautas como a criminalização da homofobia, o casamento gay, a corrupção, direitos humanos e a segurança pública.

Uma rede de grupos de pesquisadores vem acompanhando a ação e o modo de articulação desses grupos há alguns anos. Para esses pesquisadores, o que se viu na campanha eleitoral de 2018 no Brasil seguiu a lógica do que vinha sendo construído. “De certo modo, muita gente subestimou o potencial desses grupos fundamentalistas. Várias das pautas que apareceram na campanha, como o kit gay e a Lei Rouanet, estão circulando há vários anos. A Lei Rouanet foi definida nestes grupos como uma legislação que pega dinheiro de programas sociais e dá para artistas, quando é possível provar factualmente que isso é mentira. Mas não houve nenhum grande esforço de convencimento para mostrar que isso era mentira”, diz João Guilherme Bastos dos Santos, pesquisador da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

João Guilherme dos Santos é doutorando em Comunicação na UERJ, sob a orientação da professora Alessandra Aldé, que é realizadora, juntamente com Vicente Ferraz, do documentário “Arquitetos do Poder”. Além disso, ele coordena um grupo de pesquisa chamado Tecnologias da Comunicação e Política, vinculado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, que reúne grupos de pesquisa de todo o Brasil. O grupo de pesquisa do qual João Guilherme faz parte estuda campanhas eleitorais e a articulação de grupos conservadores há vários anos. Em entrevista ao Sul21, ele fala como o que ficou escancarado agora na campanha de 2018 já vinha se constituindo há um bom tempo, sem que merecesse a devida atenção.

Como funcionou esse acompanhamento que vocês fizeram de grupos de Whatsapp durante a campanha eleitoral deste ano?

João Guilherme dos Santos: Nós pesquisamos campanhas eleitorais e a ação de grupos conservadores há algum tempo já. Vou fazer um rápido histórico. Em 2011, pesquisamos a questão do PL 122/2006, que criminaliza a homofobia, e ali foi possível detectar a formação de grupos que estavam se articulando em torno de petições públicas para impedir a criminalização. Identificamos ali a ação de alguns cantores gospel, de Silas Malafaia e de vários grupos com viés fundamentalista que se articulavam no Twitter na época para exercer pressão sobre o Legislativo. Em 2014, começamos a analisar Bolsonaro com mais cuidado. Havia uma rede de páginas policiais que já tinham um discurso anti-petista, anti-comunista e moralista que serviam de suporte à campanha de Bolsonaro no Rio. Ele usava muito essa dinâmica de polarização, de antagonismo, de definir uma linha clara e dizer que, quem está do outro lado, é bandido e inimigo.

Em 2016, houve uma aproximação dessas duas frentes. Bolsonaro é batizado no rio Jordão pelo pastor Everaldo, consolidando o casamento dessas duas frentes juntando um conservadorismo religioso com viés mais fundamentalista com a pauta da segurança pública. Com o tempo, junta-se a essa frente também a pauta anti-corrupção que coloca o PT como único responsável pela corrupção no país. Os atores que pesquisávamos já confluíam nesta direção há um bom tempo. O que mudou foi a rede, o whatsapp. Essa foi a grande novidade. Nas nossas pesquisas, nós entrevistamos profissionais de várias áreas que atuam em campanhas eleitorais. Nós víamos uma expectativa grande em relação ao whatsapp. Como isso era muito recorrente começamos a pensar em uma metodologia para estudar o whatsapp, principalmente por causa do caso Youssef, que aconteceu em 2014, quando, às vésperas da eleição, surgiu o boato que ele tinha sido envenenado.

Começamos a investigar como a informação pode viralizar dentro do whatsapp. Não é difícil entender porque eles escolheram o whatsapp. Ele garante o anonimato e tem criptografia ponta a ponta, o que é muito interessante para quem quer trabalhar com notícias falsas. Ao mesmo tempo, essas mesmas características fazem com que seja difícil viralizar a informação nesta rede, que é privada, não tem uma time line pública, nem um algoritmo de impulsionamento de visibilidade.

Nós passamos a investigar então como uma notícia pode viralizar dentro deste cenário. Elaboramos uma primeira hipótese de trabalho que é entender o whatsapp não só como uma rede de pessoas interconectadas. Se você jogar uma fake news em seu grupo de amigos, a quantidade de interessados em política pode ser pequena e a quantidade de dispostos a compartilhar esse conteúdo menor ainda. Mas quando você tem grupos de política a chance de alguém se interessar é bem maior. E esses grupos são interconectados, com algumas pessoas participando em vários deles. Alguém compartilhar uma notícia de um grupo para outro é muito diferente de eu compartilhar essa notícia para os meus contatos e esperar que alguém compartilhe. O funcionamento dos grupos tem uma dinâmica que tem um grande potencial de viralização. Em cada grupo destes, são mais de 250 pessoas, o que propicia uma lógica de viralização que não é tão comum em uma rede privada.

João Guilherme dos Santos é doutorando em Comunicação na UERJ

Em maio deste ano, antes do início da campanha eleitoral,começamos a entrar em alguns grupos para tentar entender melhor essa lógica. Muita gente só foi perceber a dimensão do whatsapp durante a campanha, entrou no final e assistiu o sucesso de um coisa que foi construída nos meses anteriores. Ter entrado nos grupos em maio nos ajudou muito a entender como essa estratégia foi se organizando, como eles erravam às vezes e aprendiam com os erros. Os grupos têm um limite de pessoas. Quando um grupo atingia seu limite, muitas vezes eles criavam outro mantendo o mesmo nome e só ir acrescentando uma numeração. Quando alguns candidatos visitavam outros estados esses grupos não conseguiam se mobilizar para receber o seu candidato. Vários grupos aprenderam com isso e passaram a se dividir regionalmente. Em vez de ter grupos 1,2,3, passaram a ter grupo Rio, grupo São Paulo e assim por diante. Houve um processo de aprendizado nestes meses que é muito importante para entender um pouco o que aconteceu durante a eleição.

Em termos de conteúdo, por mais que muita gente tenha ficado surpresa, só se reafirmou o que já vinha circulando há um bom tempo. O tema do kit gay, por exemplo, não é muito diferente das ideias que já circulavam em 2011 no debate sobre a criminalização da homofobia. O que mudou foi o alcance que tiveram notícias falsas pegando esses temas e associando-os a personagens atuais. O kit gay foi ligado com Haddad, a fraude nas urnas foi ligada com o TSE e assim por diante.

Quantos grupos foram avaliados nesta pesquisa?

O nosso grupo de pesquisa está em 90 grupos, mas temos parcerias com outros núcleos de pesquisa que também estão fazendo essa investigação.

O estudo prossegue então?

Sim. É interessante acompanhá-los. É uma nova fase e os grupos mudaram bastante. Muita gente saiu, muita gente entrou. Nós tentamos identificar padrões de comportamento e dinâmica de rede. Entendendo esses padrões nós podemos fazer projeções e não precisamos conhecer a rede inteira, o que é impossível no caso do whatsapp, para entender a dinâmica com que funciona.

Vocês estão mais preocupados então com a lógica de disseminação do que com os conteúdos em si mesmos?

Nós nos preocupamos com os conteúdos na medida em que alguns deles têm maior potencial para viralizar e estamos particularmente interessados nas notícias falsas. Além disso, nós temos parcerias com pesquisadores que têm outros focos de investigação. Tem gente estudando, por exemplo, como os administradores moderam ou não esses grupos, quem é expulso do grupo e por qual razão, se há pessoas concentrando muitos grupos. Nós identificamos que existem figuras políticas nestes grupos, com numero oficial de campanha e tudo. Qual é a função desses políticos nos grupos? Quando alguém mostra que uma notícia é falsa, todo mundo fala que não estava sabendo daquilo. Mas há parlamentares dentro de grupos onde essa notícia circulou. Algumas vezes, são administradores do grupo inclusive. As pautas são diversas e estamos dividindo esse trabalho entre vários grupos.

Outra característica desses grupos parece ser uma segmentação temática muito grande, segundo os critérios mais diversos que podem ser desde uma localização regional até os adeptos da caça do javali no interior de São Paulo. Essa segmentação tem uma contribuição particular para a viralização de determinados conteúdos?

Se formos pensar a viralização de notícias falsas dentro desses grupos, temos pelo menos três etapas. A primeira é a emissão. Algum pólo está emitindo sistematicamente essas notícias. A segunda etapa é a da viralização e a terceira é aquela onde esse conteúdo atinge grupos que não estão interessados em política. Essa última é a etapa onde mais pessoas são atingidas, chegando aos grupos de famílias, de hobbies, de futebol, geralmente por meio de um de seus integrantes que participa de algum grupo especificamente sobre política. Ao se perceber algum nicho importante, passa-se a incidir especificamente sobre ele, seja um grupo de caçadores de javali ou de entusiastas por carros, pesca, tiro, etc. Mas esses grupos estão na ponta do processo. Como os integrantes de grupos que gostam muito de política potencialmente participam também de algum grupo de família, a possibilidade desses conteúdos chegarem aos grupos de família é muito grande.

Na tua avaliação, qual é a dimensão do impacto que essa lógica de disseminação de fake news teve no resultado das eleições, se é que é possível quantificar esse impacto?

É difícil mensurar isso objetivamente, pois estaríamos inferindo coisas sobre a motivação de quem votou, o que exigiria um estudo mais aprofundado. Mas há dois fatores que nos permitem afirmar que as notícias falsas têm um papel relevante. As equipes que entrevistamos no passado, que estavam envolvidas neste processo, apontaram que, quem compra um pacote com esse tipo de conteúdo, geralmente está interessado em aumentar a rejeição do oponente e não propriamente em conquistar votos. É isso que a notícia falsa acaba provocando: ou a pessoa voto nulo ou deixa de votar em um determinado candidato que seria perigoso. Esses dos fatores foram muito importantes nesta eleição. Houve uma rejeição recorde dos candidatos no segundo turno e um índice de abstenção enorme.

Não estamos dizendo que as notícias falsas definiram, sozinhas, o resultado da eleição, mas parece que elas influenciaram um contingente de pessoas grande o bastante para ter impacto eleitoral, seja por pessoas que acabaram anulando o voto, seja por pessoas que votaram contra um determinado candidato. Esse é um padrão internacional. Aconteceu com o referendo do Brexit, no Reino Unido, e com a eleição de Trump, nos Estados Unidos, que foi um caso emblemático. Não é um fenômeno específico do Brasil. Está acontecendo em vários países seguindo um padrão. Em todos eles, temos eleições apertadas onde as notícias falsas parecem ter cumprido um papel importante.

Muito tem se falado sobre a atuação de Steve Bannon, ex-assessor e estrategista de Trump, na elaboração de um pacote tecnológico específico e na implementação dessas práticas em campanhas. O que há de real nisso, na tua avaliação?

Steve Bannon, de fato, parece estar envolvido nestas campanhas. Há vários indícios disso e no Reino Unido estão investigando mais a sério essa questão. Ao mesmo tempo, temos cenários muito diferentes. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, essa ação se deu principalmente pelo Facebook. Aí temos o caso envolvendo a Cambridge Analytica, que permitiu o acesso a uma série de informações privadas específicas o bastante para se definir bem determinados públicos e produzir notícias falsas específicas para cada um desses públicos, com o objetivo de obter impacto eleitoral. Isso só pode acontecer no Facebook. No Whatsapp, você não tem um perfil público com informações suas, nem um algoritmo de visibilidade que vai selecionar o que vai mostrar para cada pessoa.

Por outro lado, se o cenário é diferente, a lógica das notícias falsas segue um padrão recorrente, utilizando alguns gatilhos emocionais, fomentando a solidariedade de um grupo específico baseada na hostilidade contra quem não está naquele grupo. Há várias agências investindo neste método e, assim como veio para o Brasil, provavelmente irá para o Uruguai em breve. Existe um mercado crescendo aí.

E a produção e disseminação de fake news é uma das principais armas desse mercado?

João Guilherme dos Santos: Sim. E não se trata apenas de difundir, mas de conseguir viralizar. Você pega um conjunto de pessoas que não estão contratadas pela campanha, que tem seus grupos particulares e que acabam sendo um canal que, sistematicamente, compartilha aquelas notícias. Deste modo, você consegue, gratuitamente, um potencial gigantesco de difusão de notícias falsas. De algum modo, essa lógica parece ter feito as pessoas não prestarem tanta atenção nas notícias falsas. Muita gente parte do princípio de que se ela não recebeu (dinheiro) para compartilhar aquela notícia, ninguém recebeu também para produzi-la. Esse processo mistura pessoas que estão profissionalmente envolvidas na produção e difusão de notícias falsas, cientes de que elas são falsas e com finalidade eleitoral, com pessoas que não têm muito discernimento sobre política.

Em que medida, esse tipo de prática pode representar uma ameaça à democracia e à possibilidade de um convívio social que não esteja baseado em um permanente antagonismo e em discursos de ódio e intolerância?

Há um ponto importante a observar que é o fato de que a maioria das pessoas que participam desses grupos só observa. Há uma minoria muito ativa que posta muitas mensagens e realmente é muito radical. Não temos como saber até que ponto essa maioria silenciosa concorda efetivamente com as ideias da minoria ativa. De fato, essa minoria é perigosa e não mostra nenhum comprometimento com a democracia, adotando um discurso de ódio muito pesado. Quanto ao tema das ameaças à democracia, uma coisa muito grave que aconteceu foram os ataques contra o Tribunal Superior Eleitoral. Eles aconteceram durante muito tempo e, durante a contagem do segundo turno, havia uma série de mensagens dizendo que, se o resultado não fosse “aquele que deveria ser”, se iria para os quartéis. Circularam muitas fotos de armas nestes grupos, em parte pelo apoio ao porte de armas, mas em parte também por serem pessoas ligadas à segurança pública. Então, insuflou-se nestes grupos um posicionamento contrario às instituições democráticas, o que é algo muito grave. Ou seja, essas ameaças não estão muito no futuro, já estão aí.

Parece que mudou radicalmente o modo de se fazer campanhas. A esquerda em geral e o PT em particular estavam despreparados para essa realidade? Quais são os principais desafios e aprendizados a serem enfrentados.

De certo modo, muita gente subestimou o potencial desses grupos fundamentalistas. Várias das pautas que apareceram na campanha, como o kit gay e a Lei Rouanet, estão circulando há vários anos. A Lei Rouanet foi definida nestes grupos como uma legislação que pega dinheiro de programas sociais e dá para artistas, quando é possível provar factualmente que isso é mentira. Mas não houve nenhum grande esforço de convencimento para mostrar que isso era mentira. Não houve nenhum grande esforço para conversar com esses grupos ou para perceber que eles se apropriaram de um modo muito eficaz das redes sociais. Isso já ocorreu em 2011 na campanha contra a PL 122/2006. Um dos aprendizados é esse: não subestimar o estrago que esses grupos e a desinformação podem causar.

Por outro lado, creio que houve um aprendizado sobre o papel do whatsapp nas campanhas que pode ajudar a equilibrar um pouco futuras disputas. Para além da dimensão eleitoral, há grupos de pesquisa que estão preocupados com esses temas há muito tempo, mas que não foram acionados pelas instituições que subestimaram o estrago que poderia ocorrer. Quando decidiram levar o assunto a sério, já era tarde e as providências tomadas foram incompatíveis com o que estava acontecendo. Não ter acessado o conhecimento acumulado nos últimos por esses grupos de pesquisa foi algo grave.

Por Marco Weissheimer, Jornalista especializada na cobertura de direitos humanos, políticas públicas sociais e democracia  Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV (Sul21) / Tornado

Escândalo no Deutsche Bank: a ponta da corrupção financeira


Esquemas de corrupção nas grandes economias atingem cifras astronômicas.

A notícia do escândalo envolvendo o Deutsche Bank, que teria criado contas offshore para lavagem de dinheiro, abala o sistema financeiro europeu. A investigação levantou “suspeitas de que o Deutsche Bank apoiou os clientes na criação de negócios offshore em paraísos fiscais e que dinheiro gerado através de atividades criminais foi movimentado nas contas do Deutsche Bank sem que o banco tenha alertado as autoridades sobre a possibilidade de se tratar de operações de lavagem de dinheiro”, segundo comunicado do Ministério Público.

A rede de televisão norte-americana CNN, citando os procuradores alemães, noticiou que só com uma subsidiária nas Ilhas Virgens Britânica o banco alemão serviu 900 clientes num total de 311 milhões de euros. O caso se relaciona com o vazamento gigante de documentos confidenciais que pertenceriam a Mossack Fonseca, empresa de advogados com sede no Panamá acusados de operar como facilitadores para lavar dinheiro.

Segundo o noticiário, esses documentos teriam sido investigados por cerca de 300 jornalistas globais durante um ano. “Tanto quanto sabemos, já demos às autoridades todas as informações relevantes referentes ao Panama Papers”, disse Joerg Eigendorf, porta-voz do Deutsche Bank, citado pela agência Bloomberg depois de o banco ter emitido um comunicado confirmando as buscas.

Belluzzo

O Deutsche Bank é um banco de investimento, não é mais comercial. Tem pouco depósito à vista. Para alavancar suas operações ele se abastece no mercado monetário de curto prazo, onde estão as aplicações das famílias e das empresas. E está no centro de todo grande escândalo. Empréstimos suspeitos, manipulação das taxas de juros, negócios curiosos no mercado de câmbio tem sido sua rotina. Até no Japão existem casos de corrupção envolvendo seu nome, no caso um funcionário do Deutsche Securities, sucursal do banco alemão, acusado de suborno.

Segundo o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, em entrevista à revista Princípios, o Deutsche Bank, um gigante do setor, lidera uma espécie de bancarrota do sistema financeiro europeu, que há algum tempo vem sendo chamado de “clássico sistema zumbi”. Segundo ele, o banco em algum momento ele vai ser estatizado. De uma maneira ou de outra. Direta ou indiretamente.

Escândalos nos Estados Unidos

O superbanco é tido como um fator relevante da crise econômica da Europa. Suas debilidades, escondidas pelo próprio governo alemão, é motivo de grande preocupação na Europa. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, declarou, no entanto, que não pretende mexer sequer um dedo para ajudá-lo e muito menos para salvá-lo. Ela “fica driblando na área, vai mas não vai… Porque não tem jeito, vai ter de estatizar”, avalia Beluuzzo.

Nos Estados Unidos, os escândalos de corrupção são igualmente gigantescos. O grave problema de evasão tributária foi revelado por uma pesquisa do Centre for Tax Justice. A pesquisa revelou que as 500 maiores empresas dos do país têm transferido às suas subsidiárias e filiais em paraísos fiscais existentes no planeta recursos totalizando cerca de US$ 2,1 trilhões, volume equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) da Itália, terceira maior economia da Zona do Euro. Pelo menos 358 destas empresas, ou seja, 72% do total, possuíam 7.622 subsidiárias e filiais em paraísos fiscais no final de 2015.

Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

Todos os caminhos vão dar ao Orçamento do Estado

Depois de um bombardeamento noticioso segundo o qual as propostas de alteração na especialidade ao Orçamento do Estado para 2019, emanadas quer do próprio Partido Socialista, quer dos partidos à sua esquerda e à sua direita eram cerca de mil – mais precisamente 993 – [i], e representavam em perda de receita ou em aumento de despesas 5, 7 mil milhões de euros, tudo sossegou com uma “escassas” 217 aprovadas, as quais em diversos casos até vão permitir aumentos de receita.

Manipulação de valores? Possivelmente, não vimos os detalhes desta estimativa divulgados. E, de qualquer forma, por que razão a Assembleia da República parece concentrar em três dias de votação o que é incapaz de discutir e votar no resto do ano?

O que se vota na Lei do Orçamento do Estado?

Deveriam votar-se regimes de receitas – mantendo em vigor os já existentes, alterando-os ou criando novas receitas – e uma previsão do seu montante, na parte relativa ao Orçamento do Estado propriamente dito, indicativa quanto à generalidade das receitas, mas vinculativa quanto ao recurso ao crédito – e limites superiores das despesas do Orçamento do Estado propriamente dito, nos últimos anos acompanhados por frequentes modificações dos regimes de realização de despesas, designamente em matéria de pessoal, e em geral tudo o que tenha impacto orçamental, sob a forma de “autorizações legislativas” ou de “medidas directas”. Deixando até espaço para a inclusão dos chamados cavaliers budgétaires, isto é, de medidas completamente estranhas ao orçamento mas que nele são incluídas por facilidade de aprovação ou como condição de certos interlocutores para deixar passar medidas orçamentais propriamente ditas.

Dispositivos que reforçam o papel do Orçamento do Estado

Com carácter mais significativo, temos:

  • a circunstância de as autorizações legislativas concedidas com a aprovação da Lei do Orçamento do Estado não caducarem com a exoneração do Governo ao qual foram concedidas – o que começou por ser uma tese do juiz conselheiro do Tribunal Constitucional Cardoso da Costa, uma vez que seriam indispensáveis à execução do Orçamento do Estado anual, e veio a ser acolhido em sede de revisão constitucional;
  • a existência do mecanismo conhecido como lei – travão, impossibilitando, fora do processo anual relativo à aprovação do Orçamento do Estado, a apresentação de iniciativas que se traduzam na redução de receitas ou no aumento de despesas, num caso e no outro,  previstas no Orçamento[ii] vigente;
  • em caso de recusa ou de não aprovação tempestiva do Orçamento  prorrogação dos regimes de autorização de cobrança de receitas constantes do Orçamento anterior e autorização de execução por duodécimos de um orçamento de despesa equivalente ao do Orçamento anterior;
  • muito recentemente, reconhecimento de valor reforçado às Leis do Orçamento anuais (valor reforçado que anteriormente era apenas reconhecido às Leis de Enquadramento).

Nestas condições, percebe-se que os grupos parlamentares tentem aproveitar ao máximo a sua única possibilidade de proporem alterações significativas em matéria de receitas e de despesas, ou com impacto nestas, que ocorre na discussão na especialidade da proposta de lei do Orçamento já aprovada na generalidade. Cabe aliás dizer que na Constituição de 1933 vigorava uma versão muito mais restritiva da lei-travão, uma vez que, por um lado, as Leis de Meios não eram quantificadas e que, por outro, era vedado aos deputados à Assembleia Nacional, na própria discussão e votação das Leis de Meios, proporem aumentos de despesa ou supressão de receitas criadas por diplomas preexistentes.

Diria mesmo que, neste contexto, serem propostas apenas 993 alterações denota falta de imaginação ou de iniciativa…

Problemas envolvidos na propositura de alterações na especialidade

Por estranho que possa parecer, os grupos parlamentares que suportam os Governos também propõem alterações em sede de votação na especialidade da proposta de lei do Orçamento do Estado,

  • como forma de concretizar acordos entretanto celebrados entre o Governo e outros interlocutores;
  • como forma de manifestar a sua autonomia[iii].

No entanto também pode suceder que as propostas que apresentam visem desbloquear soluções perfilhadas pelos Primeiros-Ministros e Ministros das Finanças mas que seria complexo fazer passar formalmente em Conselho de Ministros ou em concertação com alguns dos outros Ministros. Tivemos o exemplo, com Cavaco Silva:

  • em propostas emanadas do grupo parlamentar do PSD no sentido de retirada automática da autonomia financeira a organismos que por força da então aprovada Lei de Bases da Reforma da Contabilidade Pública iriam tendencialmente perdê-la num processo que normalmente envolveria uma reestruturação negociada caso a caso;
  • idem, numa proposta de abertura à celebração de contratos individuais de trabalho para pessoal menos qualificado.[iv].

Mais recentemente vimos os grupos parlamentares do PSD e do CDS introduzirem na lei do Orçamento do Estado de 2012 uma proibição geral de promoções que não fora negociada pelo seu Governo com os sindicatos da função pública e que no ano seguinte teve de ser revertida no que se referia aos docentes do ensino superior que realizassem o doutoramento, o qual lhes garantia a vinculação como professores auxiliares, no universitário, ou como professores adjuntos, no politécnico[v].

A apresentação de propostas de alteração na especialidade é susceptível de envolver também, sobretudo quando os seus autores não beneficiam no momento de ligações, formais ou informais, com o Governo ou a Administração Pública, alguns melindres:

  • por um lado, a quantificação dos efeitos financeiros de eventuais propostas de supressão – ou não criação / não modificação de regime de determinadas receitas –  ou de realização de despesas não será pacífica, sendo que a melhor solução talvez fosse cometer à Unidade de Apoio Técnico-Orçamental (UTAO) do Parlamento a fixação do seu valor oficial, em contacto com a Administração Pública que teria a obrigação de lhe dar resposta e sem a intervenção, não exactamente desinteressada, do Governo;
  • por outro, a informação sobre a abrangência das medidas e a sua correcta formulação jurídica pode não ser a melhor.

Para não falar da formulação de uma das medidas aprovadas há dias – não quero criar dificuldades aos seus destinatários – recordo que na votação na especialidade da proposta de lei do Orçamento de 2013, tendo sido consensualizado que seria o Grupo Parlamentar dos Verdes que iria propor a correcção da medida que no ano anterior atingira os doutorandos, a proposta de alteração apresentada por aquele Grupo e votada em Comissão – abrangia os assistentes universitários (deixando de lado os assistentes convidados) e os equiparados a assistentesdo Politécnico, deixando de lado os assistentes[vi][vii].

Entretanto a votação do Orçamento do Estado para 2019 trouxe uma situação creio que inédita, com a inclusão directa de três vacinas no Plano Nacional de Vacinação. O nosso Orçamento ainda é muito um orçamento de meios, que fixa os limites superiores das despesas, e não um orçamento-programa, que fixa as actuações. Como as vacinas estão no mercado, devidamente autorizadas, a questão era essencialmente, ou assim pareceu aos deputados, financeira.

A seguir, em todo o caso.

Um quadro legal estável vs  um reforço da disciplina orçamental

Num dos Orçamentos que apresentou em tempo de Governo minoritário Cavaco Silva fez uma “fita” semelhante à de António Costa quando a votação na especialidade agravou muito ligeiramente o défice implícito no Orçamento já aprovado na generalidade.

Já tem sido proposto que a Lei de Enquadramento Orçamental torne este défice implícito vinculativo para efeitos de admissibilidade das votações na especialidade, mas por um lado talvez tal estipulação não seja constitucional, por outro a manipulação do valor do défice da proposta de lei (descontando-lhe as cativações) e a dificuldade de estabelecer uma avaliação juridicamente vinculativa dos efeitos financeiros das propostas de alteração dificultam que se vá por essa via.

Existe aliás sempre uma escapatória que as oposições já têm utlizado, que é a de apresentar projectos de lei que só produzem efeitos financeiros no princípio do ano seguinte, mas a evolução em termos de construção de uma  programação financeira plurianual crescentemente vinculativa por razões de ordem externa também tenderá a restringir essa possibilidade.

De forma que poderemos facilmente ser empurrados para situações – limite:

  • ou um Governo minoritário é insuportavelmente desfeiteado pelo Parlamento na votação do Orçamento do Estado restando-lhe pedir a  declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade da Lei que o aprovou ou ao Presidente da República o veto do Decreto da Assembleia que lhe é enviado para promulgação;
  • ou o Parlamento decide tudo a contento do Governo na altura da votação do Orçamento e passa o resto do ano a votar “Recomendações”.

A nossa experiência das últimas décadas, em que têm predominado Governos maioritários, tem-nos colocado mais perto deste segundo cenário.

NOTAS

[i] Sábado de 29.11 a 5.12.2018.
[ii] Na prática se o Governo informar que a aprovação de uma determinada iniciativa legislativa tem um impacto que pode ser acomodado, a iniciativa pode continuar a sua tramitação, no entanto o actual governo invocou esta disposição em conjunto com uma alegada violação do princípio da igualdade para tentar obter a declaração de inconstitucionalidade de uma decisão do Parlamento que em 2017 obrigou a pôr a concurso postos de trabalho de professores que só permitiriam colocações em tempo parcial.
[iii] Inclusive, como se viu recentemente, a sua autonomia tauromáquica.
[iv] Neste caso, não tenho absoluta certeza de que tenha havido prévia combinação com o Governo, aliás a autorização incluída na lei do Orçamento não chegou a ser aproveitada.
[v] Presto aqui a minha homenagem ao então deputado Michael Seufert, do CDS-PP, que subscreveu  a proposta para o OE 2012 e que não sossegou enquanto no ano seguinte o erro não foi corrigido.
[vi] O erro de origem não era dos Verdes, mas da Federação Sindical que presumivelmente estava na origem da formulação da proposta de alteração…
[vii] Reitero a minha homenagem ao deputado Michael Seufert, que, alertado, conseguiu evitar este novo disparate.

Ainda a propósito dos negócios

Novo artigo em Aventar


por Ana Moreno

A mim parece-me bem.

Privatize-se Machu Picchu, privatize-se Chan Chan,
privatize-se a Capela Sistina,
privatize-se o Pártenon,
privatize-se o Nuno Gonçalves,
privatize-se a Catedral de Chartres,
privatize-se o Descimento da Cruz,
de Antonio da Crestalcore,
privatize-se o Pórtico da Glória
de Santiago de Compostela,
privatize-se a Cordilheira dos Andes,
privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu,
privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei,
privatize-se a nuvem que passa,
privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno
e de olhos abertos.

E, finalmente, para florão e remate de tanto privatizar,
privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez
a exploração deles a empresas privadas,
mediante concurso internacional.
Aí se encontra a salvação do mundo…

E, já agora, privatize-se também
a puta que os pariu a todos.

– José Saramago, em “Cadernos de Lanzarote – Diário III”. Lisboa: Editorial Caminho, 1996.

P.S. Tragicamente, este sublime escrito não perde a actualidade, antes pelo contrário. Passe o machismo da catacrese final, para o caso tanto faz.

Entre as brumas da memória


Definições

Posted: 04 Dec 2018 01:05 PM PST

..

O que eles não fazem para serem um dos povos mais felizes do mundo!

Posted: 04 Dec 2018 08:53 AM PST

Dinamarca quer isolar migrantes "indesejados" numa ilha.

«Dinamarca planeia isolar os migrantes "indesejados" numa ilha pequena e de difícil acesso, que atualmente aloja laboratórios, estábulos e crematórios de um centro de pesquisa de doenças animais contagiosas. (…)

A ilha, com cerca de 69 mil metros quadrados, situada numa entrada do Mar Báltico a cerca de três quilómetros da costa mais próxima, não tem um serviço de ferries frequente, o que isolará os estrangeiros, que terão de se apresentar diariamente no centro da ilha - se não o fizerem, serão presos. "Vamos diminuir o número de partidas de ferries tanto quanto possível", frisou o porta-voz do People's Party sobre imigração, Martin Henrinksen, à TV 2

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Centeno, Dr. Jekill e Mr. Hyde

Posted: 04 Dec 2018 05:57 AM PST

… ou Olívia patroa, Olívia costureira – como preferirem.

Centeno pede medidas adicionais a Portugal para cumprir as regras do euro.

«O Eurogrupo sublinha que, de acordo com a avaliação da Comissão, há cinco países em risco de não cumprirem o Pacto de Estabilidade e Crescimento em 2019: Portugal, Bélgica, França e Eslovénia (…) e Espanha. (…)

Bélgica, França, Portugal e Espanha também são apontados porque não vão cumprir com a meta de redução da dívida em 2019.»

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Os coletes amarelos na terra queimada de Macron

Posted: 04 Dec 2018 03:20 AM PST

«O aumento dos impostos sobre combustíveis tem sido apresentado como inevitabilidade política perante os desafios ambientais que a França tem pela frente. Depois de sucessivos aumentos, os franceses terão, em 2021, a mais alta percentagem de imposto sobre o gasóleo da Europa, depois do Reino Unido e da Itália – 60% (Portugal estava, em fevereiro, em 11º, abaixo da média europeia, com 56%). Em França, o gasóleo corresponde, ao contrário do que acontece na maioria dos países europeus, a uma larguíssima maioria dos carros em circulação. E o seu preço aumentou 23% em apenas um ano. Não é difícil imaginar o efeito económico que este súbito aumento teve nas carteiras dos cidadãos. Todos os dias, 17 milhões de franceses deslocam-se para fora das suas localidades para trabalhar e, destes, 80% usam o seu veículo pessoal. As principais vítimas deste aumento não são os mais privilegiados. A indignação popular não vem do nada. Nem o apoio popular aos “coletes amarelos” que era, a 17 de novembro, de 70%.

Não preciso de dizer que considero a transição energética a primeira de todas as prioridades. Nenhuma outra faz sentido sem garantirmos a sobrevivência do planeta. E temos de estar disponíveis para todos os sacrifícios em nome deste objetivo. O cerco ao gasóleo acontece em toda a Europa e é inevitável. Mas para mobilizar todos para este sacrifício exige-se, do poder político, coerência, equidade e rigor. É por ser fundamental que tem de ganhar as pessoas e não pode ser feita de forma desigual. Ou o resultado será a eleição daqueles para quem as alterações climáticas são um mito urbano.

Aquilo a que se assiste em França é, como de costume em Emmanuel Macron, uma fraude política. O pouco empenho do Governo na agenda ambientalista levou, aliás, à demissão do ministro do Ambiente, o ecologista Nicolas Hulot, por um “acumular de desapontamentos” perante a evidência de que esta não era uma área prioritária. Na realidade, Macron nunca fez qualquer combate ao diesel, tem dado toda a proteção fiscal à petrolífera Total, não investiu no transporte coletivo, espera suprimir 11 mil quilómetros de linha férrea, não tem qualquer plano para travar a expulsão dos mais pobres para cada vez mais longe dos centros das cidades. A ideia de que a política ambiental se pode resumir à punição fiscal dos cidadãos, sem que seja acompanhada por qualquer outra política pública urbana ou de transportes, é a repetição da desigualdade de sempre: pôr os mais pobres a pagar, sozinhos, o esforço de salvar o planeta.

Macron acredita que as nações se mudam à paulada. O seu autoritarismo e a sua agenda neoliberal têm-lhe garantido uma impopularidade arrasadora, que conseguiu o feito de ultrapassar a de François Hollande. Uma impopularidade que se compreende quando comparamos um aumento de 23% para o gasóleo com o fim do imposto sobre as fortunas e a taxa fixa sobre os rendimentos do capital, que garantiram um aumento considerável do poder de compra dos 1% mais ricos no mesmíssimo momento em que os 20% mais pobres perdem poder de compra e veem serviços públicos e apoios sociais reduzirem-se. É neste cenário que as manifestações dos “coletes amarelos” devem ser observadas. Há uma forte convicção, baseada em factos sólidos, de que o aumento de impostos sobre os combustíveis tem razões estritamente fiscais. E que se enquadram numa aviltante desigualdade fiscal.

O movimento dos “coletes amarelos” (assim denominado por os manifestantes usarem os coletes de emergência dos carros) nasceu inorgânico, nas redes sociais. Apanhou os sindicatos e os partidos desprevenidos. A simpatia dos Republicanos (direita) e do PSF (centro-esquerda) foi discreta, a da França Insubmissa (esquerda) e de movimentos da esquerda radical mais clara. As centrais sindicais não apoiaram, mas alguns sindicatos do sector dos transportes furaram este bloqueio político. O Rassemblement National, de Marine Le Pen, deu apoio explícito.

Totalmente desenquadrado, o movimento tornou-se violento, coisa que impressiona mais no estrangeiro do que os franceses. Mas é um movimento que capitaliza um descontentamento mais geral com o aumento do custo de vida. E a ele juntam-se muitos descontentes que os sindicatos e os partidos não conseguem organizar. O movimento tem uma força especial nas pequenas cidades e vilas da província, onde se acumula o descontentamento pelo desinvestimento público e pela crise da desindustrialização. Quem se manifesta é a “France Péripherique” de que fala Christophe Guilluy.

A estratégia de Emmanuel Macron é a de entregar toda a contestação ao seu governo à extrema-direita. O trabalho não é difícil. Sendo a extrema-direita a força de oposição com maior implantação popular – Mélenchon está fragilizado depois de alguns escândalos –, terá sempre grande presença em movimentos inorgânicos de massas. Mas o forte apoio popular, da esquerda à direita, deixa claro que a tentativa de circunscrever a contestação a um movimento de extrema-direita – narrativa apoiada por alguns sindicatos irritados com a perda de protagonismo – não é inocente. Nem serve apenas para tentar circunscrever o impacto da contestação. Macron quer queimar todo o espaço democrático fora do seu próprio espaço de influência, entregando a oposição a Marine Le Pen. Tê-la como única adversária publicamente reconhecida é a forma de, apesar da impopularidade, manter todos os democratas como reféns. Sem ter de lhes fazer qualquer cedência. Ou ele ou Le Pen. É a única estratégia que tem.

Esta estratégia pode servir Macron, a curto-prazo, mas é um suicídio para a democracia francesa. Depois de esvaziar os socialistas, o presidente do centro autoritário quer esvaziar todo o campo democrático como alternativa a Le Pen. Se o conseguir fazer não demorará muito para que, cansada do seu governo, a maioria dos franceses acabe mesmo por escolher o que sobra: Marine Le Pen. Faz por isso muito bem Jean-Luc Mélenchon e entrar no terreiro onde Macron queria Le Pen sozinha. Cada dia em que Macron consegue dar todo o povo a Le Pen é um dia mais próximo do colapso da democracia francesa. Porque este homem é um falsário perigoso. Tudo o que tem deixado, à esquerda, à direita, no campo democrático e até na agenda ambiental, são quilómetros de terra queimada.»

Daniel Oliveira