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quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

O PS suspira por Montenegro

  por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 15/01/2019)

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É intriga, é autofagia, será o que se quiser, mas é também rotina no PSD. Ora, se o enredo se repete ao longo dos tempos, conceda-se que a importância é escassa, pouco vale como telenovela, trama previsível, afinal só se contavam os dias para saber quando Montenegro “avançaria”, e pouco vale como drama, afinal tudo se encaminha para o resultado que se sabe. Tudo isto é sempre uma encenação sem adereços e sem narrativa, com uma “vaga de fundo” que são duas deputadas a ajustar contas, outros aliados a calcularem as forças para não se queimarem demasiado e só sobra Maria Luís Albuquerque, a anunciar, afoita, que sai do seu mutismo para arrasar Rio mas a ficar-se por um modesto “preferia diretas” e assunto arrumado. É tudo poucochinho, como agora se diz nestes casos de labirintos partidários. Também a coisa não merece mais: Montenegro colecionou trivialidades e apresentou-as como programa político, algum jornalista enfunou o drama pedindo respostas “já hoje” de Rio, até houve o frisson de saber o que teriam conversado Rio e Marcelo, que puseram de imediato a constar que terá sido só descentralização e um vago assunto internacional, tudo uma maçada, e o dia acabou pacato, sem efusões exageradas nem chuvas de telegramas. Qual era a pressa?

Resta o poder silencioso do primeiro-ministro. O que quer Costa de todo este espetáculo? Pois quer a vitória de Montenegro, já, implacável, suculenta. Por duas razões, cada uma mais importante do que a outra. A primeira é que um PSD mais histriónico é o único que pode voltar a colocar nos carris a ideia da maioria absoluta. A recuperar votos, o PSD não vai longe, mesmo que os passistas se entusiasmassem a deitar abaixo Rio (e ainda seria preciso que conseguissem o golpe palaciano). Há muito que o PSD está em baixo. Nas últimas eleições, em que PSD e CDS somaram os votos, por pior que estivesse o CDS o PSD não passaria de 28%, a marca que já tem desde Santana Lopes, com a exceção do momento de fulgor contra o demitido Sócrates (quando chegou a 38% e, logo depois, perdeu quase um milhão de votos). Nas autárquicas, Passos Coelho (e Montenegro, então seu ajudante) conduziu o partido a uma das suas piores derrotas, incluindo uma humilhação em Lisboa com 11%. Em resumo, os salvadores de hoje já gastaram a sua oportunidade para criar a primeira boa impressão e afundaram o partido. Por isso, o que um Montenegro mais declarativo e passadista pode fazer é simplesmente ajudar Costa a fingir uma bipolarização, de que este precisa como de pão para a boca para se dirigir ao eleitorado de esquerda e pedir a sua condescendência. Perdendo pouco à direita e tendo o patronato a pedir uma maioria absoluta do PS, um apelo ao voto de esquerda contra o “regresso da direita” seria um truque maravilhoso. Montenegro quer oferecer a Costa esse subterfúgio e o PS já o percebeu e reza por ele.

A segunda razão é que a substituição de líder do PSD nas vésperas das eleições, se Montenegro ganhasse, evidenciaria um sentimento de desespero que vulnerabiliza antes de mais o salvador, que depois vai perder todas as eleições nacionais (até a da Madeira pode perder). Então o PSD deitou o homem abaixo, ofereceu o maior que tinha e foi arrasado logo à primeira e à segunda? E vai Montenegro embora, vem outro.

Para um Governo que, se voltar a enveredar pelo caminho tradicional do PS, será mais frágil em período mais difícil, este alívio dado por um ano de descalabro do PSD e, depois, pela sua derrota e mais algum tempo de confusão, é o mais saboroso dos presentes. Se o primeiro-ministro pensa a prazo, e pensa mesmo, este cenário Montenegro é a melhor oferta que lhe podiam fazer em 2019.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

A vida de um sapador-bombeiro vale 700 euros

Novo artigo em Aventar


por António Fernando Nabais

Num mundo cujos mandantes odeiam o dia 1 de Maio de 1886 e todas as datas daí decorrentes, é natural que se queira pagar uma ninharia (738 euros de salário-base, o que inclui 120 euros de subsídio de risco e 140 de disponibilidade permanente) a quem corre riscos de vida para salvar a dos outros.

Num mundo em que o défice de um país é mais importante do que os cidadãos ou em que o Estado entrega dinheiros públicos a parasitas como as PPP ou os bancos, é absolutamente previsível que se queira passar para os 60 anos a idade de reforma de profissionais que têm de carregar com equipamento que pesa 30 quilos.

Entretanto, o portuguesinho, enganado por governantes e crescentemente explorado por patrões sem rédea, dedica-se à maledicência das profissões alheias e a defender, também votando, quem o suga. Tenho, ainda assim, alguma curiosidade em saber se aparecerá por aqui algum daqueles comentadores que poderá dizer que até conhece um sapador que não faz nenhum ou que os sapadores até têm sorte em ganhar mais do que o salário mínimo.

Marques Mendes, Consiglieri de Estado

  por estatuadesal

(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 15/01/2019)

mini_rio(Mas que grande malha, ó Valupi! Cumprimentos da Estátua, pela qualidade da tosa. Só se perdem as que caem no chão com os Marques Mendes & Cª Lda...

Comentário da Estátua de Sal, 15/01/2019)


(FCQJ - Leia-se "faz de conta que é jornalista").


FCQJ – Ora, depois deste caso em que [Vara] foi de recurso em recurso, e mesmo assim todos mantiveram a condenação, faz sentido ele vir para a praça pública acusar, da forma como acusou, o juiz Carlos Alexandre?

MM – Não, não faz sentido nenhum, acho que ele não tem é vergonha na cara. Não, não tem vergonha na cara. É uma coisa sem descrição... Uma pessoa que já foi ministro, uma pessoa que foi alto administrador na Caixa Geral de Depósitos e no BCP (embora não tivesse deixado nenhumas grandes saudades, pelo contrário, deixou foi grandes buracos), não tem o mínimo de vergonha na cara. Porquê? Porque ele veio à televisão, insinuar, no fundo, que vai preso e que foi condenado por causa do juiz Carlos Alexandre. Ora, alguém que foi ministro devia prezar um mínimo de rigor, de verdade e de honestidade intelectual. É que, veja bem, os factos são os factos. Eu não vou dar opinião, só vou dar factos. Quem investigou Armando Vara e o acusou foi o Ministério Público, não foi o juiz Carlos Alexandre. Quem o condenou, a seguir, foi um tribunal em Aveiro, onde não estava, nem está, Carlos Alexandre. A seguir, quem rectificou, confirmou, a sua sentença foi um Tribunal da Relação onde não estava, nem está, Carlos Alexandre. E, finalmente, quem indeferiu o último recurso foi o Tribunal Constitucional, do qual não faz parte, nunca fez, o juiz Carlos Alexandre.

FCQJ – Nem tem sequer poder para influenciar todos esses processos.

MM – Portanto, o juiz Carlos Alexandre não o condenou a coisíssima nenhuma. E Armando Vara sabe isto muito bem e está numa televisão a dizer isto com esta facilidade, a dizer o contrário. Portanto, isto é um descaramento. É uma falta de vergonha completa.

[…]

MM – Em Portugal, até há poucos anos, tínhamos um político que tinha uma grande preocupação de controlar a Justiça e a comunicação social. Chamava-se quê? José Sócrates. Acabou José Sócrates, agora temos Rui Rio. Rui Rio não disfarça, tem uma preocupação de controlar a Justiça e a comunicação social. Eles são diferentes, Sócrates e Rio, de facto; quer no carácter, quer nas intenções, são diferentes. Agora, no resto, nas propostas de controlo, eles são irmãos siameses. Quer dizer, verdadeiramente, se pudessem, queriam decidir quando é que se investiga, o que é que se investiga, da forma como se investiga.

Marques Mendes, 16 de Dezembro de 2018

MM – Neste momento, há muitos políticos em Portugal incomodados com as investigações, sobretudo no combate à corrupção - em especial políticos do PS e do PSD. Há muitos políticos com problemas, a contas com a Justiça. E por isso a questão que se coloca é a seguinte: nesta ocasião, mais políticos no Ministério Público significa melhores investigações, melhor e maior combate à corrupção? A suspeita que fica, justa ou injusta, é que meter mais políticos no Ministério Público é para eles se protegerem, para eles se defenderem, para condicionarem as investigações ou controlarem o Ministério Público. Isto é uma suspeita terrível.

Marques Mendes, 23 de Dezembro de 2018

MM – [a respeito da absolvição de Miguel Macedo e do Ministério Público] Não chega apenas investigar, não chega apenas acusar, e mediatizar tudo isso...

Marques Mendes, 6 de Janeiro de 2019

MM – Em política, o que parece é!

Marques Mendes, 13 de Janeiro de 2019

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Conseguir mostrar como Marques Mendes é um dos mais poderosos cavalheiros de indústria do regime aparece-me como missão urgente após o seu ataque a Rui Rio. Porque o seu poder é oligárquico, a sua agenda sectária, a sua intenção ferina. Obviamente, não tenho capacidade para tal, pois pede logística que só a imprensa profissional possui. Apenas consigo descrever evidências.

Com vinte aninhos, e a licenciatura por concluir, já era uma figura grada do poder autárquico de Fafe – decorria o ano de 1977, o mesmo em que Jimmy Carter tomou posse e saíram os filmes Saturday Night Fever, Star Wars e Cet obscur objet du désir (quem puder que estabeleça as conexões). Nos anos e décadas seguintes, não mais largou a política e a advocacia. Foi deputado, secretário de Estado e ministro favorito no Cavaquistão. Continuou ministro com Barroso, no que foi então uma reedição parodiante do cavaquismo. E entrou no Conselho de Estado várias vezes, lá permanecendo hoje pela mão de Marcelo. No entretanto, também conseguiu presidir ao PSD durante o tempo suficiente para o entregar moribundo ao genial Luís Filipe Menezes. Estamos então a falar de 42 anos ininterruptos de exercício do poder ao mais alto nível representativo no Estado e fáctico na “sociedade civil”. Seria supinamente ilustrativo quantificar o número de portugueses que tiveram e têm poder análogo, somando-se os cargos e a duração da sua actividade. Acho impossível que sejam mais de 100, apostando num grupo de 50. Se forem menos, em nada me espantaria. Basta lembrar que o PSD vai no décimo oitavo presidente, e dessa lista apenas cinco ou seis nomes comparam (para pior) com Mendes quanto à sua influência na actualidade.

Que se consegue fazer com quatro décadas de acesso e influência nos mais altos círculos do poder político, financeiro e económico em Portugal? Por exemplo, daria para explicar o fenómeno BPN. Explicar aos portugueses como é que uma parte dos seus colegas na elite cavaquista montaram esse esquema que tanto dinheiro criminoso lhes deu a ganhar, assim como a tantos outros que, sem terem sido envolvidos nas ilegalidades, delas recolheram igualmente proveitos financeiros imorais. Marques Mendes, por maioria de razão, dado ter convivido política, profissional e intimamente com essas pessoas, e dado ser um oceano de integridade e exemplaridade ética, estaria em condições óptimas para nos pintar esse fresco glorioso do maior caso de burla que se conhece na história de Portugal após o 25 de Abril. Acontece que Marques Mendes nada disse ainda sobre o assunto, e será melhor esperar deitado num caixão enterrado a dois metros de profundidade se a ideia for a de testemunhar tal espectáculo. É que ele primeiro tem de ajudar os portugueses a castigar Armando Vara, um perigoso facínora que alguém em Aveiro imaginou ter recebido 25 mil euros de um sucateiro (embora disso não exista qualquer prova, nem da entrega do dinheiro nem do benefício que estaria a comprar, nem exista quem perca um segundo com a farsa que o condenou, tirando o próprio que vai de cana).

Foi o que fez em meados de Dezembro. Tendo à sua frente uma Faz de Conta Que é Jornalista, a qual lançou uma questão falaciosa previamente combinada, o grande Mendes partiu para o deboche. Insultou e mentiu com quantos anos leva a virar frangos para servir ao patego. Até conseguiu apagar que Carlos Alexandre, de facto e para quem jurou só falar deles, foi o juiz de instrução do “Face Oculta”. Um juiz que deturpa a sua função ao decidir não como magistrado dos direitos e garantias dos arguidos mas como super-procurador que usa os poderes que o Estado lhe outorga para castigar cidadãos que persegue. Mas qual foi a base, o fundamento, a prístina verdade na origem da explosão de violência e deturpação vomitada por Mendes? Existe alguma passagem, na entrevista à TVI, onde Vara tenha dito que foi condenado por causa do tal super-juiz? Se existe, peço rogado que ma mostrem. Na sua ausência está a valer aquilo que testemunhei: Vara disse ter sido envolvido no processo “Marquês” como vingança, não diz ter sido condenado no “Face Oculta” por causa solitária do justiceiro de Mação – Armando Vara diz ser vítima do juiz Carlos Alexandre. Para além da renovada actualidade das declarações de Vara à luz da absolvição de Miguel Macedo e do vexante e alarmante fiasco da acusação do Ministério Público no caso dos “Vistos Gold”, a única lição que se pode extrair da verrina de Mendes deixa-nos perante a evidência de que um dos portugueses mais poderosos e distinguidos no regime não passa de um rematado pulha.

Pulha com Vara, sem surpresa, e pulha com Rio, para choque de quem ainda não desistiu de pertencer a uma República que exige módica decência aos seus símbolos e agentes vivos. Encharcado em rancor depois de ter dilacerado e conspurcado o cadáver de Vara, atirou-se de bocarra aberta à jugular do actual presidente do PSD. Ao dizer que Rio e Sócrates eram “irmãos siameses”, o enorme Mendes conseguiu produzir uma verdadeira ofensa à honra de Rui Rio tendo em conta os públicos a quem se dirigia a sua mensagem. Teria sido mil vezes mais suave, até inócuo na comparação, se tivesse optado por chamar a Rio “Grande filho da puta, cabrão de merda, és o maior paneleirão que já passou pelo PSD, chupa aqui.” Nesta última opção, toda a gente o compreenderia e desculparia por se ter emocionado, apenas palavras ao vento. Na opção que preferiu concretizar, o plano foi o de marcar a ferro e fogo o animal, passando este a exibir para onde for essa “Estrela de David” para os decadentes identificarem o inimigo a exterminar. É que Sócrates é o Diabo, como sabe quem leia a imprensa ou veja TV portuguesas. O que não se sabia, nem cá nem no Vaticano, é que o Diabo podia ter um irmão (e siamês, não se fosse pensar que era o irmão mais novo, ainda menor de idade). Pois pode, como ficámos a saber.

O Mendes gigante descobriu que Rui Rio quer “controlar a Justiça e a comunicação social” e detalha o que está em causa: “decidir quando é que se investiga, o que é que se investiga, da forma como se investiga“. E depois, fica implícito, decidir quando é que se noticia, o que é que se noticia, e qual a forma de noticiar. Sim, senhores ouvintes, Marques Mendes disse isto do presidente do PSD, do líder da oposição, e, no dia seguinte, continuava Conselheiro de Estado.

Pertencer ao Conselho de Estado deve ser das coisas mais fixes no regime. Trata-se de um esdrúxulo grupo de vinte bacanos: sete por inerência, três vitalícios (antigos Presidentes), cinco designados pelo Presidente e cinco eleitos pelo Parlamento. Na actual composição, encontramos dezoito homens e duas mulheres, o que deve corresponder à proporcionalidade exacta das diferenças de género em cargos de poder no mundo político nacional. As reuniões terão direito a abundantes salgados e doces do melhor que a zona adjacente ao Palácio de Belém é capaz de fornecer. E o entusiasmo a que se pode chegar no debate entre conselheiros será de homérico para cima, pelo menos a avaliar pelo estatuto de imunidade de que gozam cruzado com o direito ao porte de arma. À partida, isto de querer armar os membros do Conselho de Estado parece algo não só disparatado como até perigoso para os próprios, mas depois um gajo lembra-se de que durante dez anos essas sessões tinham como objectivo aconselhar Cavaco Silva e, súbito, só podemos agradecer e aplaudir a presciência do legislador. Muitos conselheiros terão conseguido sair inteiros e a respirar desses encontros presididos pelo Aníbal por terem lá entrado com a S&W 29 na cintura. Ora, nada é mais prestigiante do que estar no grupinho dos cinco que vão para o Conselho de Estado por convite do Presidente da República. A autoridade do Presidente, eleito por sufrágio directo e universal, estende-se a estes conselheiros e dá-lhes um nível de influência superior sobre o órgão de soberania que ocupa a posição cimeira no Estado. Marques Mendes está nesse lote, ao lado de Leonor Beleza, Lobo Xavier, Guterres e Eduardo Lourenço (mais uma vez, quem puder que estabeleça as conexões ou se aventure numa hipótese do critério seguido por Marcelo).

Para além disso, é percepção geral que Mendes intervém no espaço público também para ser um altifalante oficioso, mesmo subversivo, do Presidente outrora inventor de “factos políticos”. Este o contexto, o subtexto e o pretexto para o ataque à outrance a Rio vindo de uma figura com este labiríntico e esconso poder. Pergunta: que justifica tal violência contra o actual presidente do PSD?

Só há uma resposta, estamos num desses casos à prova de estúpidos. Marques Mendes castigou e ameaçou Rui Rio numa inaudita explosão de cólera porque está em jogo algo valiosíssimo para a oligarquia portuguesa: a manutenção da captura política do Ministério Público e de um certo juiz, ou tipo de juiz, que serve interesses políticos inconfessáveis mas facticamente capazes de espiar primeiro-ministros em funções, condenar sem provas certos alvos políticos e montar e arrastar durante anos um processo judicial intencionalmente dirigido para a criminosa devassa e o criminoso lançamento de calúnias através dos impérios mediáticos da direita com o objectivo de desgastar e diminuir o poder eleitoral do PS.

Rio que se calasse já com essa conversa de querer alterar fosse o que fosse na posição e constituição das tropas. Esta situação, verificável diariamente se não for horariamente, oferece uma desvairada vantagem estratégica no curto, médio e longo prazo que só um louco, um imbecil ou um vendido iriam querer desperdiçar, pensam todos os decadentes da direita. Daí a sua raiva incontida, o ataque de nervos. Sentimento reforçado até ao zénite da confiança por constatarem que a impunidade de que gozam é absoluta, ninguém se opõe (tirando vozes avulsas e inconsequentes de raríssimos comentadores) a que uma direita do poder pelo poder faça da Procuradoria-Geral da República uma polícia política que tem em Sócrates material para continuar o cerco ao PS durante décadas (é ver o número de certidões que foram tiradas da investigação a Sócrates, já para não falar na investigação às PPP, apenas o caso dos cartões de crédito teve o desfecho pífio que se conhece depois de ter alimentado os esgotos a céu aberto). Incrivelmente, até ao actual PS tal quadro convém; a começar pelo facto de acharem que nada podem fazer contra ele e a acabar no outro facto de que o linchamento e execução de Sócrates permite desviar atenções e energia dos pulhas para o auto-de-fé – deixando Costa com mais espaço de manobra para exercer o poder com a descrição que prefere por ser o seu estilo de sempre. Quanto ao PCP e o BE, a sua passividade e silêncio perante o aviltamento e manipulação do Estado de direito não disfarçam a esperança de também dessa sangria socialista tirarem dividendos eleitorais.

A decadência da direita é manifesta há muito e muito tempo, desde Barroso, desde os últimos anos de Cavaco como primeiro-ministro. Habituados a usufruírem de vantagens iniciais na biografia e nas circunstâncias, a forma como lidaram com a implosão do seu ecossistema financeiro com as crises do BPN, BCP e BPN aquando da Grande Recessão consistiu em assumir que estavam perante um combate de vida ou de morte. Iriam fazer o que ainda não tinha sido feito em Portugal após o 25 Abril, usar os poderes do Estado para atacar abertamente na Justiça aqueles que viam como inimigos políticos. Foi essa a origem do “Face Oculta” e foi esse o aproveitamento da “Operação Marquês”. Para quem achar que Marcelo é só esta sua última reencarnação mediática, o tio de Cascais engraçadíssimo, sorridente e beijoqueiro, vedeta adorada do povinho e do povão, e que nada tem a ver com a realidade de termos uma Justiça onde se pôde fazer o que se fez a Vara e a Sócrates, fora as vítimas colaterais, nada como recordar o Marcelo comentador e aquilo que o entusiasmava tão recentemente: Marcelo pede celeridade a Rosário Teixeira

Marques Mendes não veio explicar isto a Rui Rio, pois já tinha esgotado a sua paciência com a criatura. Tratou-se antes de uma humilhação o que lhe quis servir, como bombardeamento inicial antecedendo a invasão do Montenegro apoiado pelas divisões gradas do passismo, Paula Teixeira da Cruz e Maria Luís Albuquerque, mais os fanáticos do ódio na madraça Observador. No Expresso, segue-se outra táctica, a de continuar o desgaste de Rio fingindo que se quer proteger o PSD. Como vimos neste domingo, o enorme Mendes partilhou com a audiência o modus operandi do que está na berlinda: “Em política, o que parece é“. Então, como igualmente explicou uma semana antes, quando se possui o incomensurável e exclusivo poder de investigar, acusar, e mediatizar as mais desvairadas e torpes acusações, tal vantagem sobre o adversário é preciosa demais para ser perdida por causa de um badameco de um líder transitório e totó do PSD como Rio, o qual ainda imagina poder decidir livremente o que quer ou não quer para o País. É que de cada vez que um crime de violação do segredo de justiça contra um alvo socialista é cometido um anjinho ganha asas cor de laranja. Tem sido um bacanal de gozo e testosterona que os deixou completamente viciados. E é só o que têm, a judicialização da política e a politização da Justiça, porque quanto a inteligência política e decência ao serviço da comunidade, nicles.

É neste chiqueiro que se ergue um conselheiro de Estado, pestilento e infecto, difamando e caluniando o presidente do maior partido da oposição só porque ele ousou ter ideias sobre a democratização e transparência do Ministério Público. Um conselheiro, portanto, especialista em missões de assassinato de carácter. O conselheiro levado para a ribalta pela distinção e carta branca do Presidente desta pervertida República. O consigliere de Marcelo.

O PSD e a democracia

  por estatuadesal

(Carlos Esperança, 15/01/2019)

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Quando, há 1 ano, Rui Rio ganhou as eleições no PSD, havia no partido um desejo de regresso à matriz fundadora de que Cavaco e Passos Coelho se tinham afastado, um por ser salazarista e outro por ser coisa nenhuma.

A chegada à liderança de um militante civilizado, com preparação cívica e experiência política, com provas dadas na gestão autárquica, nos órgãos do partido e nas atividades privadas, sem relações com o grupo de autarcas que construíram uma rede de corrupção, ainda não investigada, apesar da gravidade dos factos referidos na Visão, deixara o país mais tranquilo e alguns sectores do PSD assustados, incluindo os referidos autarcas.

Rui Rio, de quem decerto não serei eleitor, é um adversário sem cadastro, sem negócios suspeitos ou participação nos jogos de poder de Relvas, Marco António, Passos Coelho e outros militantes que fizeram PM o último. Rui Rio merece respeito, e o PSD, cada vez menos recomendável, teme um líder que não possa controlar nem chantagear.

Não admira, pois, que 1 ano depois, com a rede de conivências partidárias a romper-se, tenha aparecido Luís Montenegro, em desespero, a fingir-se importante, e a desafiá-lo para um duelo que apenas pretende destruir o adversário e manter na liderança do PSD os que venderam empresas públicas, para serem gestores privados, e debilitaram o Estado e a sua capacidade para intervir nas comunicações, energia, transportes, saúde e ensino.

A única surpresa é o papel dúbio do PR, apesar do gosto de estar em todos os funerais e catástrofes e de se pronunciar sobre tudo e ser fotografado em todo o lado, ao dar a Luís Montenegro uma importância que não tem.

Marques Mendes, comentador político da SIC e alter-ego de Marcelo ajuda a adensar a confusão, ao desvalorizar a crise no PSD e ao afirmar que tanto Rui Rio como Luís Montenegro saem a ganhar, como se este duelo a poucos meses das eleições não fosse um suicídio. Mas ao considerar que para o partido “era melhor haver diretas”, a bem da clarificação interna, ficamos a saber para que lado cai o PR.

Esta ementa não é uma questão de vichyssoise nem de toque às campainhas das portas, para arreliar os amigos de um amigo.

Marcelo não tinha ainda uma fotografia com o ora mediático Luís Montenegro. Passa a tê-la. E exuma do aterro sanitário os que há 1 ano foram deitados para o caixote do lixo.

Pela soberania

Ladrões de Bicicletas


Posted: 15 Jan 2019 12:10 AM PST

Face à continuada ambiguidade de Jean-Luc Mélenchon e o seu partido La France Insoumise relativamente à "questão europeia", alguns altos quadros abandonaram o partido. Entretanto, lançaram um manifesto e começaram a fazer reuniões tendo em vista a constituição de uma alternativa de esquerda soberanista. No sítio deste movimento na internet - La Sociale - foi publicada uma nota de esclarecimento sobre o conceito de soberania. Segue abaixo a minha tradução. Pode ser que isto ajude a esquerda portuguesa que tem andado desorientada a este respeito a evoluir na boa direcção. Ou, ficando tudo na mesma, motive quem já não tem paciência para esperar mais.
"Em primeiro lugar, recordemos que é soberano aquele acima do qual nada mais há. O bem soberano (summum bonum) é o bem acima do qual não há outro bem - normalmente, para os crentes, é Deus. Um poder soberano é um poder que não está subordinado a nenhum outro poder. Tipicamente, nas concepções modernas da política, o poder soberano é o poder que vem do "contrato social", deste pacto primeiro considerado o acto fundador de todo o poder político. Isto não significa que o titular de certas funções de soberania tenha todos os poderes, ou que todo o poder esteja concentrado numa única instituição. Os republicanos reivindicam a separação de poderes e recusam-se a dar todos os poderes à maioria apenas por ser a maioria, porque a maioria é apenas uma parte da nação. Mas, para os republicanos, como para todos os pensadores políticos modernos, não há liberdade imaginável para o cidadão se ele não for um cidadão de uma república livre, ou seja, uma república que não depende de outra instância estatal. Os que exigem o poder para o povo exigem que esse poder do povo seja um poder soberano. Pois se não é um poder soberano, então simplesmente não há poder do povo e, por conseguinte, não há poder dos cidadãos sem a liberdade de dizerem sim aos comandos do poder supremo.
A noção de soberania política é o resultado histórico de todo um processo ligado à constituição das grandes nações europeias na luta contra o papado e o império. A noção de soberania é anterior à democracia, mas é também o terreno fértil sobre o qual ela poderá desenvolver-se. É por esta razão que a declaração de 1789 afirma: “O princípio de toda Soberania reside essencialmente na Nação. Nenhum órgão, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que não emane expressamente dela.” Uma certa autoridade só pode ser exercida por um órgão (Parlamento) ou um indivíduo (Rei) porque esse órgão ou indivíduo está autorizado pela Nação a exercer essa autoridade. Isto significa muito precisamente que o poder supremo pertence à nação e que ninguém o pode assumir no todo ou em parte. A república nada mais é do que isso: o legislador soberano é a Nação, o povo instituído agindo directamente, ou concedendo um mandato aos eleitos para agirem. Recusar o princípio da soberania é simplesmente recusar a república e a democracia. A crítica à soberania (e aos soberanistas) é, portanto, ainda que de forma disfarçada, uma crítica à democracia e ao poder do povo. É aliás por esta razão que os adversários da soberania são frequentemente os grandes críticos do "populismo". Estes "demófobos" odeiam o povo e desprezam a nação.
Deste ponto de vista, a UE tem um significado preciso: organizar a supressão da soberania das nações, que, uma vez colocadas sob tutela, não terão outra alternativa senão aplicar a política decidida pelos representantes do capital, os dirigentes e funcionários da UE. Vimo-lo de forma brutal na Grécia. Foi repetido no conflito entre a UE e o Governo italiano de Conte. Trata-se sempre de mostrar que as nações não são soberanas, que a vontade dos povos não pode fazer jurisprudência e que só os tratados europeus, isto é, as regras estabelecidas pelos areópagos da tecnoburocracia europeísta, podem ser impostos.
A luta contra o capitalismo, a luta para pôr fim à insaciável ganância do capital, exige precisamente que as nações recuperem a sua soberania. Ninguém pode pretender satisfazer as exigências das classes trabalhadoras sem quebrar a disciplina férrea dos tratados europeus. Enquanto os famosos "critérios de Maastricht" (estabelecidos por Mitterrand!) tiverem força de lei, nenhuma política séria de justiça fiscal é possível. Como podemos evitar a evasão fiscal, a fuga de capitais e a procura do mais baixo nível social se não controlamos, antes de mais, as nossas próprias sociedades?
Tudo isto é tão óbvio que custa a compreender os discursos dos euroinómanos patenteados (de Moscovici a Macron) que dizem o que os seus patrocinadores pedem, mas sobretudo os discursos das pessoas de "esquerda", "realmente esquerda", "esquerda toda", etc., contra a soberania e o soberanismo, quando este se limita a reivindicar a soberania nacional. Esses terríveis revolucionários querem submeter sua revolução à boa vontade de uma autoridade superior à da nação soberana? Só é possível fazer a revolução aqui na França se obtivermos a autorização prévia das classes dominantes dos países vizinhos? Como sempre, esses terríveis revolucionários opõem-se à soberania nacional, e a este simples senso comum que ela pressupõe, em nome de princípios mal orientados que não têm outra função que não seja justificar seu alinhamento vergonhoso com a ordem existente."