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terça-feira, 18 de junho de 2019

Tanto sábio para ser Bolsonaro

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 17/06/2019)

Daniel Oliveira

Há uns tempos, um tweet de Jair Bolsonaro ainda conseguiu causar incómodo. Escrevia o Presidente do Brasil: “O ministro da Educação estuda descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas). Alunos já matriculados não serão afetados. O objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina. A função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer contas e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta.” Nuno Crato diria mais ou menos a mesma coisa, mas em português.

A indignação resultava da ideia que as ciências sociais são uma espécie de inutilidade, sem valor económico. Isto poderia levar a dois debates. Um: que o valor da formação superior se resume ao seu valor económico e produtivo. Outro: que existe engenharia sem filosofia, design sem artes plásticas, marketing sem sociologia e por aí adiante. Parece-me que, no estado da arte da reflexão pública, debater a segunda é mais consensual. Mas o que Bolsonaro escreveu de forma boçal, o Governo português prepara-se para fazer escondido atrás da frieza de um grupo de tecnocratas. E tudo começa por uma decisão do ministro Manuel Heitor: congelar o aumento de vagas no ensino superior público em Lisboa e Porto.

Impedir que as universidades de Lisboa e do Porto abram mais vagas não é a melhor forma de promover a descentralização. Até porque aumentará o número de alunos deslocados. Se isso não vier acompanhado por um enorme reforço de apoio social, será insustentável para as famílias. A única coisa que conseguirão, pelo menos junto da população que vive nas duas áreas metropolitanas e sua proximidade (cerca de metade do total da população nacional), é levar as pessoas a fazerem contas e a preferirem ir para as universidades privadas mais próximas.

Forçar à deslocação de mais estudantes sem aumentar muito significativamente a dotação orçamental para residências e deslocações, agrava um problema existente. O relatório Education at a Glance 2015 disse-nos que Portugal é o país da União Europeia em que os privados (sobretudo famílias) mais custos suportam – 45,7% do total da despesa. Acima do Reino Unido, que é, depois da Hungria, o terceiro pior. É preciso alargar para países não europeus, como os Estados Unidos ou o Japão, para encontrar percentagens superiores. As famílias não podem gastar nem mais um cêntimo com a formação superior dos seus filhos. As novas centralidades conseguem-se com investimento que torne as universidades fora de Lisboa e Porto atrativas e diferenciadas, não limitando o acesso às que já têm capacidade instalada. Até porque, dificultando o acesso às universidades do Porto e de Lisboa, a tendência será para uma estratificação que as torna de elite.

Para que a medida não fosse cega, o Governo nomeou um grupo de trabalho. E em vez de uma decisão cega, veio uma decisão vesga. O grupo propôs que, nas universidades que servem metade do país, só fosse possível aumentar as vagas em cursos com média de entrada superior a 17. Ou seja, não permitir a entrada de mais candidatos a não ser nos cursos que só aceitam alunos extraordinários, porque a procura excede largamente a oferta. A lógica é deixar que seja o mercado a determinar as prioridades. Nem sequer é o mercado de trabalho, é o mercado universitário.

O que me choca não é que os cursos que exigem média de 17 possam aumentar o numero de vagas. Pelo contrário, acho absurdo que haja cursos onde só podem entrar alunos com esta média. Isto cria até distorções no perfil de estudantes e, mais tarde, no mercado de trabalho. Um aluno médio deve conseguir entrar na faculdade para, lá, continuar a ser provavelmente um aluno médio. Os excelentes também lá estarão para se destacarem na faculdade e no mundo de trabalho. E, como sabemos, nem isso é verdade. Alunos com médias de secundário de 15 ou 16 podem vir a ser os melhores estudantes na universidade ou os melhores profissionais. Qualquer curso que os dispensa à partida está a desperdiçar oportunidades. Mais: nem todos os licenciados numa área vão trabalhar nos lugares de topo dessa área. São precisos estudantes medianos para fazerem trabalhos de exigência mediana. Os melhores ou ficam nos lugares de topo ou muitas vezes imigram. Não querem ficar com os trabalhos medianos. Ter a oferta tão afunilada cria problemas no mercado de trabalho e às empresas.

Mas, acima de tudo, é absurdo qualquer medida que passe pela redução da oferta. Usando dados disponíveis entre 2014 e 2017, 34% dos portugueses entre os 25 e os 34 anos têm formação superior (entre os 55 e os 64 anos são 13,2%). A média na OCDE era de 44,5% (27,2% no grupo etário mais alto) e na União Europeia era de 42,3% (24,8% entre os mais velhos). Não temos licenciados a mais. Temos licenciados a menos. Não somos um país de doutores, somos um país com falta de doutores. Não faz sentido congelar a abertura de vagas em Lisboa e no Porto, o que temos é de ter mais gente a ir para todo o lado, incluindo para as restantes universidades, que têm de tornar-se mais atrativas. Talvez com algum tipo de especialização. Onde o fizeram tiveram bons resultados.

Mas o mais interessante é o efeito automático desta proposta. Tirando Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Nova, nenhum curso de ciências sociais poderá aumentar a oferta em Lisboa e no Porto. Os cursos que podem aumentar a sua oferta são Engenharia Física Tecnológica, Engenharia Aeroespacial e Matemática Aplicada e Computação, do Instituto Superior Técnico (Universidade de Lisboa), Engenharia e Gestão Industrial e Bioengenharia, na Universidade do Porto, ou Multimédia, no Instituto Politécnico do Porto. O grande argumento é que não se pode desaproveitar capacidade instalada em Lisboa e Porto nestas áreas. Parece-me sábio. Não consigo é perceber porque se pode desaproveitar a capacidade instalada noutras áreas. Os especialistas do grupo respondem: porque estas são áreas que têm muita procura (pensei que isso era bom para que fossem estudar para outros lugares) e, aqui está a chave desta decisão, um maior potencial estratégico. Como dizia Bolsonaro, “o objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte” num “ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta”. A tecnocracia faz o mesmo que os boçais que nos incomodam sem precisar de passar vergonhas.

Manda a intuição que se baseia no preconceito que andamos a formar demasiada gente em cursos inúteis e o que precisamos é de mais engenheiros. Assim como antes achávamos que cursos a sério eram os de Direito e Medicina. Não tenho como seguir o mercado, até porque ele é bastante volátil e estas certezas são rapidamente desmentidas pela realidade. E porque acredito que, com o atraso que temos, só aumentando a oferta em tudo estaremos preparados para o futuro. Mas posso comparar-nos com o resto da Europa, onde se incluem alguns dos países mais competitivos do mundo e que é o mercado em que estamos integrados.

Segundo os números do Eurostat, e seguindo a tipificação de cursos constante nas suas estatísticas, 5,3% dos nossos estudantes andam em cursos de educação (na Europa são 9%), 9,4% em artes e humanidades (11% na UE), 30,4% em ciências sociais, jornalismo, gestão, direito e administração (34,1% na UE), 7,8% em ciências naturais, matemática, informática e tecnologias da comunicação (11% na UE), 21,3% em engenharia, transformação e construção (14,8% na UE), 18,2% em saúde e apoio social (13,7% na UE), 5,8% em serviços (3,7% na UE) e 1,9% na agricultura, florestas, pescas e veterinária (1,7% na UE).

Olhando para estes números, é difícil pôr todas as fichas numa aposta centrada quase exclusivamente nas engenharias e na indústria, quando se percebe que é aí que a nossa oferta é muito maior do que é habitual na Europa, ignorando a falta que temos nas ciências naturais e informática mas também, e ao contrário do que se pensa, nas ciências sociais. E não se pensa porque se olha para as ciências sociais como Bolsonaro, não percebendo que elas estão a montante de imensas atividades científicas e profissionais.

A proposta de travar a oferta universitária nas duas áreas metropolitanas onde vive metade da população é um erro. Porque se o Estado não aumentar significativamente a despesa pública em residências e deslocações fará com que as famílias portuguesas, que são as que mais suportam as despesas na formação superior dos seus jovens em toda a Europa (quase metade), sejam ainda sobrecarregadas. Ou optem pela oferta privada, por, com a deslocação compulsiva, sair mais barata. E porque continuamos bastante abaixo da UE e da OCDE em percentagem de licenciados, estamos longe da necessidade de congelar oferta seja onde for. O que temos é de melhorar e diversificar a oferta fora das áreas metropolitanas, para as tornar mais atrativas. Estamos a 20 à hora e longe do destino com um histérico que quer poupar na gasolina a mandar-nos travar por causa do risco de despiste.

A proposta feita pelo grupo de trabalho nomeado pelo Governo tornou vesgo o que era cego. Ao só permitir o aumento da oferta em cursos com média de entrada de 17 valores, consegue o efeito automático de deixar de fora as ciências sociais. Levam à prática a tese de Jair Bolsonaro: desinvestir nas ciências sociais, tratando-as como inúteis para o desenvolvimento económico. Num país que tem uma percentagem de licenciados em ciências sociais, humanas e económicas inferior aos seus parceiros europeus.

Os números mostram, aliás, que os cursos mais beneficiados são de áreas em que a percentagem de estudantes é largamente superior aos restantes países europeus, não beneficiando significativamente as áreas tecnológicas onde somos deficitários. Em vez de definir uma estratégia, o grupo tomou as médias de entrada, determinadas pela relação entre a oferta e a procura, como necessidades do país. Para quê escolher um grupo de especialistas se o que têm a propor é tão cego como o que quiseram corrigir? Se é para decidir com base no preconceito, um Bolsonaro chegava.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Velhos e beatas

«Cada número é uma agressão. Um idoso. Uma idosa. Às vezes um estalo. Mas há murros. Pontapés.

E sabe-se lá que misérias mais escondem quatro paredes. Às vezes de um familiar. Um filho ou uma filha. Outras de um cuidador. Pago para cuidar.

Os números são aterradores. Quase quatro mil só nos primeiros meses deste ano. Mas tanto as polícias como a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima temem que sejam muitos mais. Bastantes mais, escondidos na vergonha da denúncia e no medo da solidão. De acabarem sozinhos.

Os números são aterradores, mas bastaria um. Com um nome e um rosto. E não há um clamor. Uma ténue revolta. Uma indignação. Vá, uma pequena intenção, quanto mais não fosse para reforçar os meios do Ministério Público, que, perante tantos processos abertos no ano passado (15 997), assume, em declarações a este jornal, ser a violência contra idosos uma área de intervenção prioritária, uma realidade que "merece particular atenção por parte da investigação criminal".

Há falta de políticas concretas para as terceira e quarta idades, lares decentes, integração social, combate ao abandono e à solidão. Mas perante os velhos, o país político que criou nos anos da troika a inveja geracional, empurrando a "peste grisalha" para o patamar dos alegados privilegiados, não é muito diferente do país político que se entretém a aprovar e a debater multas pesadas para os prevaricadores das beatas de cigarros.

Não está aqui em causa a necessidade de sensibilização de um povo que ainda cospe para o chão de perceber que a responsabilidade entre gerações é também tentar deixar como herança um planeta melhor, que se afunda no aquecimento global. Está sim a criação da brigada do policiamento dos costumes, todas as dúvidas sobre quem fiscaliza, com que meios, como se regista o cadastrado que deitou a beata para o chão, a carta de pontos do prevaricador, mas sobretudo a falta de perspetiva e de noção da realidade das necessidades dos portugueses.

Mas é provável que os velhos não sejam uma causa fraturante.»

Domingos de Andrade

A vitória moral de Lula da Silva

por estatuadesal

(Carlos Esperança, 15/06/2019)

Quando um homem é mordido por uma víbora, não há quem apoie o réptil, mas se esse homem caiu num ninho de víboras e ninguém procura salvá-lo, é o género humano que se humilha pela cobardia e o torna indigno.

Lula da Silva até podia ser corrupto, e mereceria o desprezo que a indignidade provoca, mas estar preso por uma associação de malfeitores emboscados nas togas e becas, é um crime que produz o vómito de quem ainda preza a liberdade e a dignidade humanas.

Conspirar contra a democracia e derrubar o homem que os malfeitores escolheram para subverter a legalidade e exercer uma vingança partidária, é a baixeza ética da cáfila que nunca procurou combater a corrupção, apenas queria ter o monopólio dela.

Lula da Silva, cuja inocência é hoje irrelevante face aos estragos que o justiceiro Sérgio Moro causou à Justiça, à democracia e ao Brasil, tem hoje contra o ardiloso conspirador a superioridade ética de quem foi preso por vingança, cálculo eleitoral e ódio de classe.

A vergonha dos convites que juristas portugueses fizeram ao biltre que os envergonhou, com a defesa dos truques tropicais para prender adversários, teve o mérito de permitir à atual ministra da Justiça, a honrada procuradora que afirmou, sem o referir, que Portugal era uma democracia e se regia por normas de um Estado de Direito.

O julgador que negociou um lugar de ministro a troco da vitória eleitoral do mais burro e ignaro PR que o Brasil teve, talvez sonhe ainda com a indigitação para o Supremo Tribunal que o indigno capitão lhe terá prometido, mas a nódoa que lançou sobre o sistema de Justiça brasileiro não encontrará benzina que a remova.

A minha solidariedade com Dilma e Lula da Silva é um grito de revolta contra a ordália que foi urdida contra eles, tal como na Idade média, pelos que se julgaram deuses e não passavam de meros patifes infiltrados na Justiça.

domingo, 16 de junho de 2019

Lava Jato é maior que Moro, Dallagnol e Lula, dizem professores de Harvard e Oxford

Ezequiel González Ocantos, de Oxford, diz que a grande pergunta é se operação é forte suficiente para resistir ao escândalo; Matthew Stephenson afirma que força-tarefa é oportunidade de mudar as instituições no Brasil.

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Pesquisador diz que força da marca Lava Jato vai ser testada com as gravações das conversas de Moro e procuradores

Pesquisador diz que força da marca Lava Jato vai ser testada com as gravações das conversas de Moro e procuradores

FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL

Professor do Departamento de Política e Relações Internacionais de Oxford, Ezequiel Ocantos, em sua mais recente pesquisa, colocou pessoas sentadas lado a lado para falar sobre operação Lava Jato no Recife (PE).

No estudo, que ainda está em fase de análise dos dados, o pesquisador também ouviu participantes defenderem que a operação dure "para sempre" e que cada Estado brasileiro tenha uma Lava Jato para chamar de sua.

Ocantos, que em sua pesquisa busca entender a qual a percepção brasileira a respeito da maior operação anticorrupção do Brasil em parceria com Nara Pavão, professora da Universidade Federal de Pernambuco, diz que a marca Lava Jato já é hoje maior que o Judiciário. Ou seja, vai além do ex-juiz e atual ministro Sérgio Moro ou que o Ministério Público Federal.

"Com certeza, a Lava Jato é maior que Moro. Já é percebida como uma instituição, quase um poder separado", diz o professor, que nasceu na Argentina, fez graduação e mestrado na Universidade de Cambridge e é doutor em Ciência Política pela Universidade Notre Dame (EUA).

O americano Matthew Stephenson, professor de Direito de Harvard e ex-assessor de um juiz da Suprema Corte americana, concorda que a percepção do público a respeito da operação transcende Moro e vai além da atuação da força-tarefa comandada pelo procurador Deltan Dallagnol. Stephenson diz ainda que a Lava Jato também é "maior que Lula".

"Entendo que Lula é um político muito influente e uma figura muito carismática no Brasil, mas essa operação é muito maior. É compreensível que na narrativa anticorrupção as pessoas se concentrem em indivíduos porque nós procuramos por heróis e vilões. Mas a Lava Jato é tão grande que tem o potencial para mudar as instituições", diz Stephenson, que tem se dedicado a pesquisar corrupção e separação dos Poderes.

Efeito dos vazamentos na Lava Jato

No entanto, nem Stephenson nem Ocantos dizem saber dimensionar que efeito os vazamentos das conversas entre Moro e Dellagnol terão sobre a "marca" da operação. Divulgadas pelo site The Intercept Brasil, do jornalista Glenn Greenwald, trechos das mensagens trocadas entre o então juiz e o procurador sugerem que Moro orientou ações e cobrou novas operações dos procuradores por meio de Dallagnol, o que, segundo o Intercept, daria um viés partidário às ações contra o ex-presidente Lula.

Nesta sexta (14), o The Intercept Brasil divulgou nova conversa de Moro, de maio de 2017, em que o então juiz sugeriria a procuradores do MPF (Ministério Público Federal) uma ação para rebater a defesa do ex-presidente Lula após depoimento do petista à Lava Jato.

Ocantos admite que a imagem de Moro, que no final de 2018 abandonou a carreira de juiz para fazer parte do primeiro escalão do presidente Jair Bolsonaro, ainda está muito associada à operação. "A operação [...] ainda está muito associada à figura de Moro, que incorporou a marca. Por isso, a grande pergunta é se é uma marca forte suficiente para resistir a esse escândalo". Para o pesquisador, é possível, por exemplo, que os acontecimentos recentes só reforcem as imagens contra e a favor que as pessoas têm da operação.

"Eu acho que é uma pergunta aberta, não sei a resposta. Não está claro o que vai acontecer", diz Ocantos. "Os que são a favor podem pensar: claro que eles (Moro e procuradores) tinham que fazer isso para combater a corrupção. E os que já viam problemas na Lava Jato podem dizer: claro que tem viés", completa o argentino.

Ezequiel González Ocantos diz que diálogos mostram juiz e procurador 'fora do personagem'

Ezequiel González Ocantos diz que diálogos mostram juiz e procurador 'fora do personagem'

BBC NEWS BRASIL/Reuters

Já Stephenson diz ser importante saber quantos são os que apoiam a operação mas não têm uma postura passional em relação à Lava Jato.

"Se eu fosse brasileiro e não tivesse analisado as conversas (vazadas) de forma cuidadosa como eu tentei fazer, eu seria o tipo de pessoa que teria mudado minha postura porque eu sou simpático à campanha anticorrupção e as evidências do vazamento indicam que é tudo política. Mas não sei como as pessoas estão vendo isso", diz o professor de Harvard.

Stephenson, que inicialmente interpretou os diálogos como "uma chocante e imperdoável quebra de ética do então juiz Moro" e um "erro de avaliação" do procurador num texto publicado no blog criado por ele, recuou e afirma ter usado "palavras fortes demais". Para o jurista, nem todos os diálogos "são tão graves quanto o Intercept parece mostrar".

O professor prepara um novo post para o blog Global Anti-Corruption, uma referência para quem estuda o tema da corrupção, no qual faz uma reflexão sobre a possibilidade de parte das conversas entre Moro e Dallagnol terem sido travadas na fase investigativa e não durante o julgamento – e por que, segundo ele, isso pode não ser interpretado como uma contundente evidência de que Moro agiu de forma completamente irregular.

Apesar de baixar o tom das críticas, o professor diz ainda ficar incomodado com a troca regular de mensagens entre um juiz e um procurador e também com o tom de algumas das conversas que, segundo ele, sugerem um teor "excessivamente colaborativo".

'Fora do personagem'

Para Ezequiel Ocantos, as gravações divulgadas são como "uma mosca na sala", que nos permitiu ver os procuradores e o juiz "fora do personagem".

"Acho que essa é a importância do evento (das gravações). Mais do que estarem agindo ou não de forma justa, eles estão agindo fora do personagem, de uma forma que a gente não espera que se comportem", avalia o professor, dizendo que a revelação das conversas escancarou uma relação que até se podia imaginar que existia, mas que não era aberta.

Ele pondera, contudo, que personagens como Moro e Dallagnol dificilmente vão gerar consenso porque miram figuras públicas que dividem opiniões.

"Aqueles que gostam das pessoas vão achar que a decisão é errada e as que não gostam vão achar que as decisões são as corretas, mesmo que tomada pelo mesmo juiz. É muito difícil serem percebidos como imparciais", avalia.

Ezequiel González Ocantos questiona se episódio só vai reforçar as imagens que defensores e críticos já construíram em relação à Lava Jato

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BBC NEWS BRASIL /OXFORD

Leituras distintas

Ocantos cita ainda que a própria dinâmica do trabalho em um caso como a Lava Jato pode ter leituras completamente distintas.

O professor diz que é esse o caso dos diálogos dos procuradores sobre a entrevista do ex-presidente Lula antes das eleições.

Segundo as conversas divulgadas pelo The Intercept Brasil, procuradores da força-tarefa em Curitiba, liderados por Deltan Dallagnol, discutiram formas de inviabilizar uma entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorizada à colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, em setembro do ano passado.

Os diálogos sugerem que, para os procuradores, a entrevista, que havia sido autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, poderia "eleger o (Fernando) Haddad" ou permitir a "volta do PT" ao poder.

Diálogos dos procuradores sobre entrevista de Lula às vésperas de eleição tem duas leituras possíveis e tende a reforçar opinião prévia sobre operação, diz professor

Diálogos dos procuradores sobre entrevista de Lula às vésperas de eleição tem duas leituras possíveis e tende a reforçar opinião prévia sobre operação, diz professor

BBC NEWS BRASIL / AFP

Nas conversas no grupo divulgadas pela publicação, eles discutiram a possibilidade de impedir a entrevista ou qual formato traria menos benefícios políticos para Lula.

"Você pode ler os chats sobre a entrevista do Lula de dois jeitos. Pode pensar que eles odeiam Lula, que são completamente enviesados, e contra ele. Mas pode achar que, se (os procuradores) querem que a investigação sobreviva, pensam na melhor chance para isso: um governo que vai querer parar a investigação ou outro que não", avalia. "Talvez seja uma mistura dos dois", opina.

Já Stephenson diz ter ficado "desapontado" em ver procuradores que respeita "fazendo pouco caso dos valores de uma imprensa livre", ao defenderem que Lula não falasse ao jornal Folha de S.Paulo antes das eleições.

"Por um lado, fiquei preocupado com vários aspectos das mensagens, porque discordo das conclusões políticas e legais da equipe da Lava Jato, e, o mais importante, porque me incomodei com procuradores falando tão abertamente sobre sua esperança de que um lado, em vez de outro, vença uma eleição", escreveu o professor de Harvard no blog.

Para Stephenson, contudo, "a hostilidade ao PT pode ter resultado dos ataques implacáveis ​​do PT à operação Lava Jato, incluindo ameaças de fechamento e denúncias pessoais dos promotores."

Já Patrício Navia, professor no Centro para Estudos Globais da Universidade de Nova York (NYU), afirma que a credibilidade da Lava Jato fica comprometida diante dos vazamentos

Já Patrício Navia, professor no Centro para Estudos Globais da Universidade de Nova York (NYU), afirma que a credibilidade da Lava Jato fica comprometida diante dos vazamentos

BBC NEWS BRASIL

Razões para questionamento

Diferente de Ocantos e de Stephenson, o professor no Centro para Estudos Globais da Universidade de Nova York (NYU), Patrício Navia, afirma que a credibilidade da Lava Jato fica comprometida diante dos vazamentos. "Há motivos suficientes para questionar os resultados da operação, diz.

"Se uma pessoa é julgada e condenada por acusações de homicídio e, em seguida, há evidências de que os promotores adulteraram as evidências, a decisão provavelmente será anulada. Este não é o resultado da pessoa não ser culpada, mas a violação do devido processo é suficiente para anular a decisão", afirma Navia.

"Pelo menos, no que diz respeito ao impacto político, a credibilidade de todo o processo está em dúvida. Isso será amplamente usado pelos defensores de Lula que afirmaram que todo o processo foi politicamente motivado", completa o professor da NYU.

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Entre as brumas da memória


Nem com uma flor

Posted: 15 Jun 2019 01:31 PM PDT

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Se é para falar de beatas...

Posted: 15 Jun 2019 11:40 AM PDT

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Admirável Mundo Novo

Posted: 15 Jun 2019 09:30 AM PDT

Expresso, 15.06.2019
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SNS: Obrigação de toda a esquerda

Posted: 15 Jun 2019 05:56 AM PDT

«Respeitando a existência do sector privado e o princípio da complementaridade ditada pela necessidade, é imperioso que os partidos de esquerda encontrem uma fórmula capaz de concretizar um princípio simples e claro: os estabelecimentos do SNS devem ter uma gestão pública.»


Manuel Alegre
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Renovar a Europa

Posted: 15 Jun 2019 02:46 AM PDT

«Esta Europa diz querer-se autónoma e unida. Depois de ter falhado a união por via de políticas que servissem efetivamente as suas populações, as lideranças europeias passaram a buscá-la noutras miragens. Trump foi eleito presidente nos Estados Unidos e não foi preciso muito tempo para se "encontrar" esse desígnio: o melhor remédio para unir-nos seria o de reforçar uma alternativa à NATO. Como? Trabalhando para um exército comum. Foi com determinação que, no plenário de Estrasburgo, a chanceler Angela Merkel o pronunciou com todas as letras. Foi também com pompa e circunstância que Emmanuel Macron se fez ouvir defendendo a ideia de um exército europeu como forma de redução da dependência dos Estados Unidos na defesa.

Apesar de várias críticas e dúvidas substanciais, lá se foram alinhando uns e outros, juntando-se países e, mesmo que não fosse na forma de exército, foi-se construindo o que se quis transformar numa ideia feita: "Com Trump de um lado e um Brexit aqui, será mesmo a política de defesa que nos vai unir." Nunca o antimilitarismo ou a solidariedade internacional foram postos na equação, já que isso não é coisa que alimente negócio.

Esta narrativa assim contada não deixa, contudo, tapar muitas das falhas que ajudam a que esta ideia seja mesmo e cada vez mais só o espelho da falta de um projeto para a União. Desde logo, não se pode apagar que a França tenha regressado ao comando militar da NATO há cerca de dez anos e, com isso, procurado reafirmar a sua posição de potência nuclear. Em segundo lugar, quando os Estados Unidos procuraram destruir o acordo feito com o Irão, que seria uma forte peça no caminho necessário para um verdadeiro mecanismo de desnuclearização internacional, a União Europeia ficou no meio da ponte e não jogou o que poderia ter sido o seu papel fundamental para o nosso futuro comum, ao lado da paz. E terceiro lugar, assistimos nesta semana ao primeiro episódio para pôr fim à veleidade de autonomia militar europeia no acordo firmado entre a Polónia e os Estados Unidos. Donald Trump encontrou nos polacos a plataforma que precisava para voltar a pôr a NATO no centro da política europeia de onde nunca saiu efetivamente. Uma base militar a sério, um negócio para a compra de armamento norte-americano e o contentamento de Stoltenberg fazem o resto da fotografia. O eixo franco-alemão vive cada vez mais de rótulos que dizem pouco a muitos, e para os quais a Polónia se está a borrifar, e a União Europeia da incapacidade de escolher o lado certo: nem NATO nem exército comum.

Enquanto isto se passa, negoceiam-se no Parlamento Europeu as novas configurações políticas. A extrema-direita unida para as eleições manteve a divisão de poder no Parlamento. Macron lá criou o seu grupo parlamentar Renovar a Europa, não se sabe ainda bem para que propósito. Socialistas e verdes aguardam os termos da grande coligação para supostamente afrontar a extrema-direita. E de política? Zero. A paz pode esperar.»

Marisa Matias