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segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Pim Pam Pum

Posted: 08 Dec 2019 03:06 AM PST

«Com o ar sorridente e disciplinado de quem nunca tem dúvidas, o sr. Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, disse há dias que ainda não sabe se vai haver um Bacalhau Story Centre ou um Centro da História do Bacalhau. Acrescentou mesmo, um pouco enfadado: “Temos de ver se o nome fica em inglês ou português”.

É uma dúvida que quase o eleva a um personagem de Shakespeare, o incomparável Hamlet. Nada que admire. Deve, ou não, um museu, ou outra coisa qualquer, ter o nome em inglês, para atrair mais turistas, ou em português, já que qualquer dia não há alfacinhas em Lisboa? A resposta, para o sr. Medina, parece ser óbvia: A seguir, para atrair mais turistas, e eles se sentirem em casa, como se estivessem no seu sofá com chinelos de feltro e a comer pipocas, deve Lisboa passar a designar-se como Lisbon ou Lisbonne? Há, claro, o reverso desta medalha de chumbo: se Portugal não tem orgulho na sua própria língua, é porque considera que é uma cultura periférica, chata e dispensável. O desprezo pela língua portuguesa é o mesmo que desprezar a Cultura nacional.

Ninguém parece ter-se indignado com a dúvida existencial do sr. Medina. Afinal estamos cercados de Websumits e de Black Fridays. Mas a simples dúvida faz-nos recordar que lá por fora a Unesco promulgou o Dia Mundial da Língua Portuguesa e que se tenta que o português seja língua de trabalho da ONU.

Quando abrimos os braços ao inglês como exemplo de “modernidade”, está tudo explicado como a nossa pretensa elite olha para uma cultura milenar. Como não falava, Harpo Marx usava uma buzina para se exprimir. Todos percebiam melhor as suas emoções do que quando se escutam, nestes dias líquidos, muitos dos que se contorcem a ensaiar exasperantes bocejos sobre a Cultura.

O que dizem fica a meio termo entre uma buzina, uma sirene e um martelo pneumático. Depois do ruído fica-se sempre com a noção de que eles próprios estão perdidos no seu labirinto. A importância que o sector político devota à Cultura ficou plasmado nos seus programas e nos debates eleitorais das últimas eleições: um imenso vazio de ideias. Nada que admire. A xaranga continuou e está instalada, como uma comédia do velho Parque Mayer: só os “compères” são outros.

Recentemente, na Assembleia da República, assistiu-se a mais um dos cativantes debates sobre a Cultura nacional. Poder e oposição, decidicaram-se ao clássico jogo da cabra-cega, em que um dos participantes, de olhos vendados, procura adivinhar onde estão os outros e quer agarrá-los.

Aqui, numa comovente alteração de regras, estavam todos com os olhos vendados. Hipnotizados pelo “desígnio nacional”, uma macumba em que se julga que com 1% do OE se resolverão os males da Cultura. Enfeitiçados, todos olham para a Cultura apenas como um dote. Isto é, um bolo-rei de subsídios. O fundamental não se discute, mas também o que se pode esperar? As ideias originais não existem, as que se debitam são emprestadas, e o subsídio é uma agradável e fácil sopa dos pobres.

Que importa que não haja uma política para o livro (para apoiar a edição face a uma complexa e predatória distribuição) num contexto onde a leitura é cada vez mais um reduto de resistentes? Para quê discutir a autonomia de museus que vivem à míngua de tostões? Porquê gastar tempo a trocar ideias fortes sobre uma estratégia integrada do audiovisual, que lhe possa abrir novas fronteiras? Isto, entre tantas outras coisas estruturantes.

Desenganem-se os optimistas: a distribuição de subsídios é que garante clientelas. É ela a única política cultural indígena. Costuma dizer-se que a avestruz, quando se vê em perigo, afunda a sua preciosa cabeça na terra. Fica com a ilusão de que, se ela não vê, também não será vista. A generalidade dos partidos políticos comporta-se perante a Cultura da mesma forma que uma avestruz: enterram a sua cabeça, abanam as asas, e esperam que elas se transformem em notas de euro em contacto com o vento. Todos têm medo da Cultura. E, assim, preferem brincar à cabra-cega.»

Fernando Sobral

Corrupção rouba 5% do PIB mundial. Todos os anos

Cristina Figueiredo

Cristina Figueiredo

Editora de Política da SIC

09 DEZEMBRO 2019

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As efemérides costumam ter lugar no final desta newsletter. Mas esta merece ser puxada para a cabeça: hoje assinala-se o dia internacional contra a corrupção (instituído pelas Nações Unidas desde 2003), uma "pandemia" que, segundo as estimativas das Nações Unidas, custa todos os anos o equivalente a mais de 5% do PIB mundial (um bilião de dólares só em subornos; 2,6 biliões que são roubados à economia). Nos países em desenvolvimento, a corrupção consome dez vezes mais do que os montantes destinados oficialmente ao crescimento económico e social. Se os números não o impressionam...
Em Portugal, o Governo quer mostrar que está verdadeiramente empenhado em combater o flagelo. Como? Para já, escreve-se no Expresso, chamando os principais atores da Justiça a participarem na definição de uma estratégia nacional de combate à corrupção que terá de estar concluída em abril. Às medidas previstas no programa do Governo, juntam-se agora mais quatro: facilitar a denúncia premiada (admitindo uma redução de penas para os denunciantes), permitir a negociação de sentenças em fase de julgamento, evitar a constituição de mega-processos e assegurar que os juízes que apreciam estes casos têm o mínimo de experiência (aqui está algo verdadeiramente surpreendente na sua gravidade: mas não era suposto terem-na já?). Acreditemos que sim, que agora é que é. Com a consciência que no que respeita à vontade política e à sua transformação em atos concretos é preciso ter tanta paciência como a que se exige para esperar pelos resultados do julgamento de José Sócrates na Operação Marquês ou de Ricardo Salgado no processo do BES.
Celebrações do dia não faltam: as oficiais decorrem este ano em Guimarães, numa organização conjunta da Câmara Municipal e das associações Transparência e Integridade, Frente Cívica e Associação Sindical dos Profissionais da Inspeção Tributária e Aduaneira. Ana Gomes, há muito paladina desta causa, é uma das oradoras convidadas. Curiosidade: soube-se este fim-de-semana que Isabel dos Santos quer 5.000 euros por cada dia que passe sem que Ana Gomes apague os posts que publicou no Twitter há dois meses e onde acusa a empresária angolana de “lavar [dinheiro] que se farta”. “De maneira nenhuma considero apagar esses tweets", garantiu a antiga eurodeputada socialista (ao jornal online ECO).
A ministra da Justiça, Francisca Van Dunen, e o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, estarão presentes numa conferência sobre o tema, à tarde, em Lisboa. Ainda na capital há um seminário organizado pela OBEGF, OCC, ISCAL e ICSP dedicado a “Finanças, Ética, Fraude e Corrupção”. Já o Conselho de Prevenção da Corrupção leva a cabo uma iniciativa na Escola Secundária Padre Alberto Neto, em Queluz, com a presença do Presidente do Tribunal de Contas, dos conselheiros do CPC, do Comité Olímpico e de alguns atletas olímpicos. Sim, porque, como se sabe, também há corrupção (e não será pouca) no desporto.
Coincidências de calendário: em Paris, a justiça francesa começa a julgar hoje o recurso do vice-presidente da Guiné Equatorial, ‘Teodorin’ Obiang (filho do ditador), da condenação a três anos de prisão (com pena suspensa) por branqueamento de dezenas de milhões de euros provenientes de corrupção no seu país. Por cá, em Santarém, prossegue o julgamento do recurso das coimas aplicadas pelo Banco de Portugal, em 2017, a Ricardo Salgado (350 mil euros) e Amílcar Pires (150 mil euros) por ausência de medidas de prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo em unidades do então Banco Espírito Santo no estrangeiro.

domingo, 8 de dezembro de 2019

Greta, o ódio e o autismo

Inês Cardoso

Inês Cardoso

Ontem às 00:03

TÓPICOS

ÚLTIMAS

Há uma discussão incontornável e urgente sobre as medidas políticas necessárias para enfrentar a emergência climática. Um debate que se quer racional, fundamentado e atuante, apoiado na ciência. E há, paralelamente, um ruído de fundo em torno do ativismo ambiental e da figura incontornável de Greta Thunberg que se perde nos labirintos da irracionalidade.

Na marcha pelo clima que ontem juntou uma massa humana com cinco quilómetros de extensão, Greta acabou por abandonar a iniciativa a conselho da polícia. Não conseguia sequer andar, rodeada de pessoas e do batalhão de jornalistas que não a larga. Aos 16 anos, é um dos rostos mais marcantes do mundo e um dos que mais reações suscita. O que, sendo notável pela capacidade que teve de sacudir um planeta, não deixa de ser perverso. Para ela e para a causa ambiental.

As prioridades e opções políticas são sempre passíveis de discussão. Que a ciência diga uma coisa e as escolhas do sistema político e financeiro sigam outro rumo, não é novidade. O que é novo, no debate em curso, é o nível de ódio colocado sobre a figura ou as posições da jovem ativista. E a contaminação do debate com posições extremadas e simplistas.

O pior argumento de todos é trazer para a conversa a questão da Síndrome de Asperger. Além de revelar desconhecimento sobre as perturbações do espectro do autismo, é o argumento que revela o pior da natureza humana. E a nossa habilidade de permanente construção de distrações para evitar o essencial. Greta não é uma deusa nem uma profeta. É uma voz que colocou a urgência climática de forma decisiva na agenda política e mediática. Com erros? Muitos. Mas talvez esteja na altura de desviarmos o dedo da jovem sueca, para o dirigirmos aos decisores políticos. Que o palco seja dado ao debate científico e fundamentado. Autistas são os que insistem no folclore e no confronto.

Mais do mesmo

Miguel Guedes

Miguel Guedes

06 Dezembro 2019 às 00:00

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Por muito que se esforce, Luís Montenegro não conseguirá ser mais feroz no ataque a Rui Rio do que foi durante quase dois anos de oposição à liderança interna.

Inusitadamente, Montenegro lançou a sua maior cartada em Janeiro para tentar marcar passo, contando espingardas para uma guerra perdida. Esta, a tentativa de "golpe de estado" a meses das eleições a que Rio se referiu para acusar Montenegro de deslealdade, é imbatível. Pode dizer-se que Montenegro bem tentou avisar sobre a derrocada que aí vinha. Mas tendo ficado alguma pedra sobre pedra, tudo o que agora possa dizer sobre Rio soa a requentado e fratricida, fel a concorrer para a morte ou para a ruína. O debate televisivo entre os três candidatos à liderança do PSD deixou bem claro como Rio deverá ter o partido na mão nas directas de 11 de Janeiro e no Congresso de 7 de Fevereiro.

Abrir um debate com lavagem de roupa suja não é muito dignificante para quem pretende ser candidato a primeiro-ministro. O PSD parece não perceber que há um país inteiro sem qualquer interesse em mais uma novela pintada a tons laranja. Tudo fica ainda mais deprimente quando se percebe que os primeiros 15 minutos de debate não foram mais do que uma arma de arremesso que se esgota após alguns "sound bites" previamente definidos e estudados. Não há nada de estrutural em jogo. Não há oposição que se veja ou anteveja.

A forma como Rio sai das eleições legislativas, vociferando internamente contra todos e contra tudo o que mexe, é uma imagem de marca. Em parte, tudo aquilo que o PSD foi durante anos, um exemplo paradigmático da "guerrilha interna" de que agora acusa os seus adversários. Em soma, este é o PSD que agora se apresenta. Fragmentado e dividido, repleto de uniões fáceis e de ocasião, à espera de um D. Sebastião que aguente mais quatro anos de nevoeiro sem desgaste. Esgotados na arte da guerrilha, os maiores vultos do partido ainda não perceberam o que um simples militante de base já alcança. O mais certo é que, neste contexto, a melhor opção que consiga oferecer ao país seja mais um líder de transição.

Entre maçonaria a mais e Sá Carneiro em excesso, Rui Rio tem razão e vem nos livros: a primeira parte do debate pode ter sido "prejudicial" para o PSD. Mas depois não foi diferente. Por um lado, sobra a convicção de que é muito difícil encontrar diferenças substanciais entre os três candidatos relativamente a políticas sectoriais. Por outro, quando a grande clivagem surge na forma de aproximação ao PS e na votação do Orçamento do Estado, emerge um veículo de clientelas famintas que só se poderá alimentar do caminho. E aí, é como Amália cantava entre os arremessos da fé e do destino: "Se o meu sangue não me engana/ como engana a fantasia/ havemos de ir a Viana". Para mais do mesmo, melodia de 7 a 9 de Fevereiro. Só Miguel Pinto Luz, com alguma fantasia, poderá invocar que vai rodar o veículo.

O AUTOR ESCREVE SEGUNDO A ANTIGA ORTOGRAFIA

*Músico e jurista

Vergonha

Posted: 07 Dec 2019 03:48 AM PST

«Há quase dez anos, entrei pela primeira vez em Gaza. O bloqueio persistia e, depois de muitas horas de espera, do outro lado fomos recebidos com cravos vermelhos. Foi a primeira vez que me confrontei com vidas fechadas em prisão e suspensas por uma ameaça constante. Nos últimos anos, as visitas repetiram-se a Gaza, aos territórios ocupados na Cisjordânia e a campos de refugiados no território e em países vizinhos.

Foi há cerca de seis anos que encontrei, num campo de refugiados no norte do Líbano, um senhor palestiniano de idade avançada, que todos os dias de manhã colocava no bolso das calças as chaves de casa. Todos os dias desde o dia em que abandonou a sua aldeia em 1967. Nesse guardar de chaves, guardava a esperança do regresso. Na altura que o encontrei soube que a casa que deixou já não era território palestiniano, que o regresso ao lugar de onde partiu era mesmo só uma esperança como modo de vida.

As vidas dos palestinianos são vidas cercadas, perseguidas. São vidas em suspenso. Vidas precárias em consequência de um processo de ocupação mortífero, imoral e incompreensível à luz da dignidade e do direito internacional.

Em todos estes anos de ocupação, raras foram as vezes em que se fez justiça a um povo abandonado e esquecido pela comunidade internacional. Foi por isso que, nos últimos anos, senti verdadeiramente satisfação quando o governo português reconheceu o Estado da Palestina. Foi uma justiça tardia, mas merecida. É neste contexto, de mais de 40 anos de ocupação abusiva e conhecida, que o governo português decide marcar uma reunião, em Lisboa, com Benjamin Netanyahu, um dos rostos mais visíveis e presentes da ocupação dos territórios palestinianos. Não há nenhuma razão diplomática ou de direito internacional que possa justificar esta visita. Tratou-se mesmo de negócio à frente das vidas e passar um pano molhado sobre décadas de ocupação, opressão e apartheid. António Costa nunca poderá dizer que não sabia do que se passa com o povo palestiniano, e ainda assim decidiu escolher um lado que não é muito diferente do escolhido por Cavaco Silva quando decidiu chamar Nelson Mandela de terrorista, numa altura que já quase todo o mundo sabia que o lado certo era estar com ele.

A política externa portuguesa nos últimos anos não tem sido muito famosa. Nem uma palavra ao lado dos mais atacados povos do mundo, sejam palestinianos ou indígenas, e todas as vassalagens para Bolsonaro ou Netanyahu. Um país tem de dar-se ao respeito para ser respeitado. Fazer negócios com Netanyahu é negociar com quem promove o genocídio de todo um povo. Costa sabe bem disso. Mas se na altura em que furámos o bloqueio, os palestinianos nos ofereceram cravos vermelhos, com esta visita Costa esqueceu-se do próprio significado do 25 de Abril. A liberdade e a autodeterminação não são valores que se negoceiem ou que se ponham à venda. Costa sabe bem disso, mas preferiu envergonhar-nos.»

Marisa Matias