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terça-feira, 13 de dezembro de 2016

António Guterres–Secretário Geral da ONU

O dia em que ele chegou ao topo do mundo

por estatuadesal

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 12/12/2016)

nicolau

António Guterres tomou hoje posse como secretário-geral das Nações Unidas. O mundo que tem pela frente é complexo, imprevisível e perigoso, muito perigoso. Competência tem-na de sobra. Esperemos que tenha sorte.

Os portugueses tem uma enorme tendência para se apoucarem e para menosprezar o que de muito bom se vai fazendo por cá. E não vou falar de coisas materiais, mas sim de pessoas, da sua preparação, da sua competência, da sua qualidade, aquilo que na verdade faz mover um país. António Guterres é obviamente uma pessoa excepcional. Mas é português e licenciou-se no Instituto Superior Técnico, tendo sido o melhor aluno de sempre de uma das mais prestigiadas faculdades do país. Aprendeu com professores portugueses, numa universidade portuguesa, com colegas portugueses. Por outras palavras, Guterres é um produto português.

Depois, num país ainda muito avesso à cultura da avaliação, Guterres bateu-se não com um, dois ou três candidatos mas com nove candidatos, oriundos de vários países, em várias rondas de análise. Venceu todas e foi consolidando a sua vantagem ao longo dos exames. Finalmente, quando de repente, saída do nada mas apoiada pela Comissão Europeia, numa manobra muito pouco dignificante, surgiu uma nova candidata, Guterres voltou a vencer sem margem para dúvidas e de forma ainda mais clara. Ou seja, quando foi dada a oportunidade, num processo altamente transparente e democrático, de vários candidatos se apresentarem e disputarem o cargo de secretário-geral das Nações Unidas, foi um português que venceu. E isso diz muito sobre a pessoa mas diz seguramente também alguma coisa do meio onde cresceu, da sua família, do seu percurso académico, do seu país.

Quer isto dizer que o mandato de Guterres vai ser um indiscutível sucesso? Não se pode dizer. O mundo está mais crispado do que há uns anos. Os Estados Unidos de Donald Trump começam a irritar a China, com as suas pretensões de reconhecer Taiwan ou de acusar Pequim de ser um especulador cambial ou de ameaçar os produtos chineses que entram no mercado norte-americano com uma sobretaxa de 45%. Convém lembrar que a China é o maior detentor de obrigações do Tesouro norte-americano e que continua a ser um forte comprador. Convém lembrar que se Trump quer mesmo lançar um fortíssimo programa de investimento em infraestruturas públicas vai necessitar de obter financiamentos internacionais. Talvez não seja grande ideia irritar o maior financiador dos Estados Unidos…

Na Europa, o maior problema é a ascensão de líderes populistas e de extrema-direita, que podem chegar ao poder na Holanda e em França, e que já marcam posição em países do Leste. Mas as tensões xenófobas vão alastrando um pouco por todo o Velho Continente, com eventual exceção até agora da Península Ibérica. Por outro lado, as relações entre a União Europeia e a Rússia já conheceram melhores dias. Moscovo dá como adquirido a anexação da Crimeia. As sanções económicas europeias à Rússia mantém-se. Mas é da Rússia que vem a maior parte da energia de que a União necessita.

No Médio Oriente, o conflito israelo-palestianiano arrasta-se há tantos anos que já ninguém tem esperanças que um dia se venha a resolver. Mas há ainda os casos da Síria, da Líbia ou do Iraque, que estão muito longe de estar estabilizados. O norte de África está, quase todo, a contas com o terrorismo e o Daesh é uma ameaça muito longe de ter sido erradicada. Por isso, o drama dos refugiados que acorrem à Europa vai continuar a manter-se, um drama que Guterres conhece bem, mas que não será resolvido sem que toda a comunidade internacional se envolva no tema. E o que se tem visto na Europa é a emergência dos egoísmos nacionais e a hostilização dos migrantes, com a construção de muros nas fronteiras e a indiferença perante a morte por afogamento de milhares de pessoas no Mediterrâneo.

No plano das alterações climáticas, Guterres também enfrenta a nova posição de Washington, que coloca em causa não só as teses do aquecimento global como se prepara para rasgar alguns dos acordos que assinou e para libertar regiões protegidas do seu território para a exploração de recursos petrolíferos. E o novo secretário-geral das Nações Unidas vai ainda enfrentar dois outros problemas com a administração Trump: a desvalorização que faz dos organismos internacionais e, como resultado, a redução dos montantes em que as financia; e o pouco apreço que Trump mostra pelo diálogo, a não ser que no final todos concordem com ele.

Digamos, pois, que todas as melhores capacidades de Guterres – a sua competência, a sua preparação, a sua memória, a sua cultura, a sua fabulosa capacidade de diálogo – serão postas à prova nos próximos anos. O seu sucesso será o sucesso do mundo. Mas se acontecer, será sobretudo o sucesso de um português que hoje chegou ao topo do mundo por indiscutível mérito próprio.

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