(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 19/12/2016)
Daniel Oliveira
As nomeações feitas por Donald Trump para a Administração norte-americana têm provocado natural consternação. Diz-se que confirmam o pior que se esperava e que desmentem a ideia de que Trump se iria acomodar ao establishment. Concordo com a primeira afirmação e discordo da segunda. Concordo que é o pior de tudo o que se podia esperar. Não sei se é o pior do que alguns esperavam mas é o pior do que eu esperava. E não concordo com a segunda, exatamente por esta resistir à tendência para forçar um consenso anti-Trump que duvido que exista. Quase ninguém gosta de Trump fora dos EUA. Mas não me parece que as razões sejam todas as mesmas. Porque eu acho que estas nomeações provam que, tal como sempre pensei, não só Trump se iria acomodar ao establishment como Trump é o establishment na sua forma mais pura. Tirando a relação com a Rússia, em que concedo haver um desacerto entre Donald Trump e o mainstream no poder norte-americano, Trump representa os poderes fácticos que dominam a política norte-americana há muito tempo. E as suas nomeações confirmam-no. Claro que há quem ache que o establishment são os políticos e a máquina do Estado. São os mesmos que conseguem dar um colorido revolucionário à defesa dos interesses da elite económica e financeira. Mas Trump representa, de forma radical, desabrida e já sem concessões o verdadeiro establishment. Esta é a hora da verdade e Trump é o homem que não hesitará em impor a nova ordem económica e social.
Olhemos então para as nomeações mais polémicas.
Para secretário do Trabalho, Donald Trump escolheu Andrew Puzder, um empresário de fast food acusado de violar as leis laborais e que se opõe ao aumento do salário mínimo e ao reforço dos direitos dos trabalhadores. Puzder, CEO da CKE Restaurants, dona da cadeia Carl’s Jr., defende que o aumento do salário mínimo se traduzirá numa diminuição dos empregos menos qualificados. Estão chocados com o quê? Não é esta a tese que lemos nos jornais económicos, que os delegados de Bruxelas vendem aos países em crise e que se ensina nos centros de doutrinação ideológica e formação política em que se transformaram as faculdades de economia? Choca o homem que defende os interesses de um pequeno grupo venha diretamente desse grupo em vez de se escolher um político tarefeiro para fazer o trabalho sujo? Choca a clareza?
Para secretária da Educação foi escolhida Betsy DeVos, nora do fundador da Amway, uma multinacional de vendas diretas, e oriunda do pequeno círculo de milionários que há muito financiam o Partido Republicano. É uma feroz defensora das “charter schools” (aproximadas dos nossos colégios com contratos de associação) e é para elas que os fundos públicos passarão a ser dirigidos, com a previsível continuação da degradação da Escola Pública. É novo e contra o establishment a ideia de que os colégios privados devem substituir o público com vantagem para todos? Não representa esta posição o interesse assumido das empresas deste sector e a posição da corrente ideológica cada vez mais dominante nos media?
Para dirigir a Agência de Proteção Ambiental, Trump nomeou Scott Pruitt, o procurador do Oklahoma que interpôs várias ações judiciais contra a regulamentação ambiental da administração Obama para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e que não acredita no papel humano nas alterações climáticas. Isto é novo entre os republicanos? O crime de Trump é escolher para o Ambiente alguém que vai estar alinhado com o resto da sua Administração ou devia escolher uma figura que branqueasse o seu criminoso recuo nesta área? Não é acompanhado, neste como noutros assuntos, pelo poder das petrolíferas? Não são elas o establishment?
Apesar da aproximação à Rússia não corresponder ao mainstream de Washington, a nomeação do CEO da Exxon, Rex Tillerson, para secretário de Estado pode seriamente ser considerada uma escolha contra o establishment? É por fazer companhia a Scott Pruitt na oposição à regulação para diminuir as emissões que se pensa isto? É por ser amigo de várias ditaduras onde a Exxon faz negócios com os quais estamos chocados? Julgavam que o establishment era composto por burocratas e políticos de Washington? Se sim, podiam, se fossem norte-americanos, ter votado em Trump. Foi essa a aldrabice que vendeu aos seus eleitores.
O establishment defende a selva laboral e por isso quer menos regulação e opõe-se ao salário mínimo. E é representado na perfeição por Andrew Puzder. Defende que a educação deve ser um negócio e que os privados oferecem uma escola melhor e mais exigente do que o Estado, como Betsy DeVos. Recusa alterações políticas que, para salvar o planeta, ponham em causa os interesses das petrolíferas, como Scott Pruitt. E determina a sua política externa pelos interesses de algumas corporações, tão bem representadas por Rex Tillerson.
Talvez choque alguns neoliberais perceber que Trump, pintado como um espelho de Bernie Sanders, afinal é, no que realmente interessa, um deles. Tal como eles, tenta fazer passar a ideia que o establishment é o Estado e os políticos que elegemos. Sem luvas, está a mostrar como o poder económico já dispensa intermediários.
Ovar, 20 de Dezembro de 2016
Álvaro Teixeira
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