(In Blog O Jumento, 04/02/2017)
Compreendo que Trump seja um incómodo para muito boa gente e a melhor forma de evitar semelhanças é reduzindo-o a uma personagem ridícula. Mas a verdade é que ao ver Trump vem-me à memória algumas personagens da nossa sociedade e não apenas os populistas ou os que estão mais à direita. Há uma faceta interessante de Trump que é o seu lado de gestor; o próprio Trump fala de política da sua posição de multimilionário cheio de sucesso.
Para Trump as soluções são óbvias e fáceis, os problemas que os políticos não conseguem resolver, resolve ele de uma penada. Quando vejo Trump assinar ordens executivas umas atrás das outras, vejo um gestor convencido de que os políticos são parvos e não conseguem decidir com a facilidade dos gestores. Essa postura também está presente no seu discurso; para ele, gerir os EUA ou um investimento imobiliário é a mesma coisa.
Também por cá há essa mania da superioridade dos gestores, apresentando-os como modelos de competência e honestidade, por oposição aos políticos que são supostamente desonestos e incompetentes. Quando ouço Trump falar dos problemas e dos políticos vem-me à memória muitas declarações de Belmiro de Azevedo e de Soares dos Santos, donos, respectivamente, da Sonae e da Jerónimo Martins. No desprezo pelos políticos, na insinuação mais ou menos subtil da incompetência dos políticos e na sugestão de que se fossem eles a mandar sem ter que aturar democracias tudo se resolveria num instante, há muito do Trump.
Essa mania de desprezar a democracia e os seus intervenientes, reduzindo-os a gente duvidosa, de maus hábitos e incompetente, está presente nesta geração de empresários políticos, tem muitos admiradores no meio jornalístico e tem ganho terreno nalguns partidos e mesmo nalguns governos.
Exibe-se o gestor que está no governo como garantia de competência desse governo, contrata-se um gestor bancário para gerir o fisco e tudo se resolve. Ainda ontem o Dr. Macedo foi visitar uma agência da CGD, disse umas baboseiras imperceptíveis e ouviu-se um bruá de admiração entre os jornalistas.
Um bom exemplo dos nossos Trumps foi o famoso Compromisso Portugal. Ainda hoje algumas personagens que ganharam notoriedade nessa iniciativa, comportam-se como se, sendo gestores, fossem uma classe política de primeira que só não toma conta do governo porque o Estado paga mal e a democracia é uma chatice. Se ganhassem as eleições sem esforço e tivessem dinheiro como o Trump, muitos deles seriam candidatos. Mas como, apesar do seu sucesso, não têm muitos milhões e o povo na sua ilimitada estupidez não consegue ver o seu brilhantismo, limitam-se a financiar o Observador.
4 de fevereiro de 2017
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