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quarta-feira, 1 de março de 2017

A sério que o menino não está na Operação Marquês? É que está lá toda a gente

 

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 01/03/2017)
Autor
Daniel Oliveira

                                

A Operação Marquês começou por ser em torno das relações entre José Sócrates e o grupo Lena. Mas, apesar deste grupo continuar a ser investigado, os números conhecidos deixaram claro que os seus negócios com o Estado até tinham sido menos recorrentes durante o mandato de Sócrates do que no governo anterior. Depois, a investigação passou a ser em torno do empreendimento de Vale do Lobo. Fosse o caso, dir-se-ia que a montanha tinha parido um rato. Dificilmente tal negócio poderia explicar o fluxo de dinheiro que ia de Santos Silva para Sócrates. Agora, chega um negócio a sério e que envolve as golden share do Estado na PT, a própria PT e o BES.
A sensação com que ficamos é que os investigadores sabem, como nós sabemos a partir dos dados já provados, que José Sócrates recebia dinheiro que não era seu e estão convictos que esse dinheiro tinha como origem a corrupção. Eles sabem que Sócrates é culpado. Estão a investigar para saber de que é ele culpado. Talvez seja assim que se investigue, mas quando essa investigação se faz, em simultâneo, nos tabloides, deixa um rasto de confusão e de condenados sem provas pelo caminho. E esta é a minha perplexidade: a ligeireza com que a acusação deixa cair na imprensa diferentes suspeitas e pistas indicia uma investigação que está há vários anos à procura de rumo. E que abre novas frentes de ataque sempre que o prazo vai expirar.
A minha segunda perplexidade tem a ver com a dimensão deste processo. Toda a gente está lá: Sócrates, Salgado, Vara, Lalanda de Castro, Horta e Costa, Zeinal Bava, Granadeiro. E está o grupo Lena, a PT, o BES. Se a investigação durar mais tempo arriscamo-nos a ter lá o PSI20 inteiro. O que me leva a desconfiar da dimensão desta investigação. Não que duvide que as teias da corrupção atravessem grande parte das maiores empresas nacionais, passem pelo bloco central e tivessem como centro nevrálgico o dono disto tudo. Mas porque uma investigação que tente cobrir toda a corrupção nacional, estendendo-se mesmo até às ramificações do processo Lava-Jato, está condenada ao fracasso. Poderá, como aconteceu no Brasil e em Itália, implodir com o sistema político. Mas dificilmente chegará, pela sua megalomania, a qualquer tipo de conclusão judicial. Como em quase tudo, também nestes processos “small is beautiful”. Se tudo o que o Ministério Público vai fazendo cair na imprensa constar mesmo de uma investigação que há muito ultrapassou todos os seus prazos de validade, ou saiu a sorte grande ao Ministério Público ou tem mais olhos (suspeitas) do que barriga (provas). Alguém acredita que se fará uma investigação sólida, abrindo tão ambiciosa frente como a da PT/BES, a duas semanas do fim do prazo?
A minha terceira perplexidade não tem diretamente a ver com a investigação e, para ser sincero, é mais uma confirmação do que uma perplexidade. Se bem se lembram, Zeinal Bava era um dos gestores mais competentes deste país. Henrique Granadeiro era de uma seriedade à prova de bala. O Banco Espírito Santo era o mais sólido dos bancos nacionais. Quem se atrevesse a pôr em causa estas certezas firmadas – como quem hoje se atreva a criticar Belmiro de Azevedo ou Alexandre Soares dos Santos, António Domingues ou António Mexia – era um radical de esquerda, um populista movido pela inveja.
No entanto, como se vai percebendo de cada vez que se puxa um fio do novelo, a nossa elite económica, e não as nossas leis laborais, a produtividade dos nossos trabalhadores ou o nosso Estado demasiado grande, são o grande problema nacional. Há séculos.
 
Ovar, 1 de março de 2017
Álvaro Teixeira

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