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domingo, 27 de agosto de 2017

Os polémicos blocos de actividades*

Os polémicos blocos de actividades*

27/08/2017 por João Mendes

Inicialmente, de férias e afastado do mundo real, tomei conhecimento do polémico caso através das redes sociais. A tentação para me indignar foi imediata: havia um plano de discriminação de género em marcha, orquestrado pela Porto Editora e por um qualquer gangue de arrojas misóginos, através de cadernos de actividades que tratavam o macho como alfa e a fêmea como uma patega incapaz de concluir labirintos complexos.
Na rede circulavam as mesmas imagens, sempre as mesmas, e, a meu ver, saltavam à vista duas: a dos labirintos e aquela outra que confrontava a menina-doméstica que faz o lanche, mesmo como o Paulo Portas e a entourage da Cristas as querem, e o menino construtor de robôs. Sempre quis ter uma filha e nunca, mas nunca lhe ofereceria um livro de actividades que a levasse a crer que o seu lugar seria na cozinha. Já me/nos chega viver numa sociedade onde a igualdade de género simplesmente não existe, algo que facilmente se verifica, por exemplo, na atribuição de pastas ministeriais ao longo do período democrático: entre 1974 e 2015, Portugal conheceu 498 ministros. Apenas 31 eram/são mulheres (6,2%).



Outra coisa, bem diferente, são os tais cadernos de actividades. Se dúvidas restassem, Ricardo Araújo Pereira desfez todas as que restavam na minha cabeça, na edição de ontem do Governo Sombra. Afinal existem vários exercícios que são literalmente iguais para meninos e meninas. Afinal existem outros labirintos, onde o grau de dificuldade é maior para as meninas. Afinal, imagine-se a infâmia, existem exercícios em que, na versão masculina, temos uma criança com um armário cheio de carrinhos, ao passo que a menina, mais culta, tem o seu repleto de livros. Há até um momento em que, ao jovem macho que observa um edifício, no qual terá que pintar alguns quadrados que são janelas, corresponde uma vez mais a menina culta, cujos quadrados a pintar fazem parte de uma obra exposta numa galeria de arte. Estará o menino a ser estereotipado como trolha, face a uma potencial artista plástica?
Sim, existem estereótipos de género, e são nocivos para ambos os lados.
Não, isto não é lutar pela igualdade de género: é banalizar o debate.
Contudo, há algo de me preocupa neste caso, e que diz respeito à forma como o governo intervém na esfera privada, “recomendando” a retirada do livro à editora ao invés de recomendar aos pais que não o comprem, fundamentando o seu juízo e sugerindo alternativas, e isso foi também muito bem explicado por RAP. Não que se trate de um perigoso acto de censura, como os maluquinhos da alt-right portuguesa nos tentaram vender (para além da quantidade de comparações idiotas que os pequenos Trumps nos serviram nos últimos dias), mas porque o Estado, na minha opinião, abre aqui um precedente perigoso que parece, e muito, decorrente de pressões e não de uma análise aprofundada e objectiva. Mas não posso deixar de registar a forma imediata como a Porto Editora reagiu à “recomendação”. Quem vive das rendas resultantes da venda de manuais escolares, não se pode dar ao luxo de afrontar aquele que tem a faca e o queijo na mão e perder a PPP dos livros. São mãos que se lavam.
*créditos: Ricardo Araújo Pereira

Fonte: Aventar

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