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terça-feira, 26 de setembro de 2017

As eleições alemãs confirmam: será sempre a descer

Daniel Oliveira


por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 25/09/2017) 


Daniel Oliveira

A CDU de Angela Merkel venceu as eleições alemãs mas foi o partido com a maior queda eleitoral. Caiu quase 9% em relação às eleições anteriores. Não foram as coisas que nos levam a criticar Merkel e o seu ministro das Finanças que ditaram esta queda. Foi aquilo que elogiámos: uma maior abertura para os refugiados e aquilo que os alemães, intoxicados pelo discurso que a própria chanceler foi fazendo no início da crise, pensam ser um excesso de generosidade para com os países do Sul. Uma avaliação, como sabemos nós e toda a gente que conhece bem as vantagens que a Alemanha tirou desta crise, bastante injusta.

Apesar de ter caído menos do que a CDU (perdeu mais de 5%), o grande derrotado destas eleições é o SPD. Até porque confirma uma queda imparável desde 1998, quando teve 41% e Gerhard Schröder tratou do processo de liberalização que a direita agradeceu e aproveitou. O entusiasmo inicial com a candidatura de Martin Schulz foi sol de pouca dura. A aliança com a CDU e a total incapacidade de construir um discurso alternativo a Merkel ditou mais uma queda. A única boa notícia é que esta queda determina o fim de uma coligação de governo que atira todas o discurso alternativo para a extrema-direita. Como em muitos outros países, os social-democratas vão ser obrigados a rever o que têm feito e, esperemos, a regressar aos seus princípios ideológicos fundamentais. Já vários estão a passar por esse processo.

“Verdes” e “A Esquerda” subiram um pouco, mas nada de muito significativo. O que quer dizer que Die Linke segura voto mas não se constrói como partido de protesto. E que os “Verdes” continuarão a surfar no seu oportunismo político, sendo até, neste momento, um provável aliado da senhora Merkel. Para quem se baralha por cá, na Alemanha, na Áustria e noutras latitudes os partidos ecologistas transformaram-se em casas liberais (no pior sentido do termo) equipadas com painéis solares. Já os liberais de nome – o FDP – voltam ao parlamento depois de uma guinada à direita ditada pelo seu novo líder, Christian Lindner, com um discurso mais antieuropeísta e bastante crítico do suposto excesso de boa-vontade com países resgatados.

O grande vitorioso é mesmo o AfD (Alternativa para a Alemanha), uma força de extrema-direita contra os refugiados, a Europa e, de caminho, os parasitas do Sul. Com uns assustadores 13%, é uma estreia em grande, sendo a primeira vez depois da Segunda Guerra que a xenofobia alemã volta ao Parlamento. As declarações feitas pelo líder da CSU, a versão bávara dos democratas-cristãos, depois de conhecidos os resultados eleitorais já tornaram claro que rapidamente infetará a CDU. Horst Seehofer defendeu que se avancem com políticas “que garantam que a Alemanha continua a ser a Alemanha”. Ou volta a ser a Alemanha que tantas vezes conhecemos, diria eu. Pelo menos a melodia começa a ficar parecida.

Chega a ser impressionante como a cada eleição na Europa se confirma, por vezes por razões diferentes, as mesmíssimas tendências. Onde está o poder europeu, é este o caminho. Antes de tudo, a redução do peso político do centro. Um esvaziamento que ou é mais profundo ou, não o sendo, é mais constante e continuado, no centro-esquerda – a CDU perdeu mais do que o SPD mas este vale hoje metade do que valia há duas décadas. Este esvaziamento acontece sobretudo nos países onde os partidos socialistas e social-democratas mantiveram a velha aliança ao centro. Uma aliança que, com o afrouxar do Estado Social, o fim do perigo comunista e a mudança do projeto europeu é hoje anacrónica e deixa para a extrema-direita a representação do descontentamento, empurrando-o para o ódio às minorias. E essa é a outra tendência: o crescimento da extrema-direita.

Estes resultados eleitorais explicam uma coisa: o nosso problema não é Angela Merkel. Como percebemos pela incapacidade do SPD fazer um discurso diferente da CDU sobre a Europa, como voltamos a perceber pela opção compensada pelos eleitores de partidos como o FDP serem mais críticos em relação a qualquer gesto de solidariedade europeia e como confirmamos pelo resultado assustador da AfD, os alemães querem pior do que temos. Querem ainda menos solidariedade europeia. Já para não falar do que querem em relação aos refugiados. E isso acabará inevitavelmente por ter repercussões no que a Alemanha quererá em qualquer reforma das instituições europeias.

O que mais relevante se pode dizer destas eleições, para além do regresso do fantasma do ódio ao Bundestag, é que o projeto europeu está condenado a ser cada vez mais o que não queremos dele. Porque há coisas que se estão a quebrar no que ele pretendia ser desde Maastricht. Coisas que uma moeda única absurda, mal preparada e voluntarista acabou por acelerar e que a crise financeira tornou evidente e irreformável. Sim, a União pode mudar e aprofundar-se. Mas o que mudará, com a pressão dos próprios eleitores alemães e franceses, tenderá a deixar-nos cada vez mais para trás.

Houve um tempo em que considerámos que Merkel era o nosso problema. Depois passámos a achar que ela era o mal menor. Tínhamos razão das duas vezes. Apenas baixámos a fasquia da nossa exigência. E será esse o europeísmo que nos resta: sempre a descer.

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