por estatuadesal |
(Por Estátua de Sal, 27/09/2017, 23h 15m)
Estou a ver o Gomes Ferreira na SIC Notícias. O assunto é o anúncio de greves no sector da saúde para a primeira quinzena de Outubro. São de novo os enfermeiros, depois vêm os médicos e os técnicos auxiliares de saúde.
Toda a gente quer mais dinheiro, porque toda a gente ganha mal. Todos tem razão. Até aqui tudo certo. A novidade é o Gomes Ferreira, contrariamente ao que defendeu durante anos, surge agora como um grande paladino das classes trabalhadoras, sempre, sempre ao lado do povo.
Nunca vi a direita e os seus grilos falantes, como o Gomes Ferreira, serem tão amantes e defensores da "classe operária". Conseguem ultrapassar o PCP pela esquerda alta. Os grevistas, sejam eles quais forem, tem tempo de antena quase ilimitado e direito a directos sucessivos na SIC. As greves, que ainda não ocorreram, tem direito a anúncios reiterados em todos os blocos noticiosos e os telespectadores são avisados de que a chegada do caos ao SNS está eminente.
Devo saudar esta reconversão da direita, esta mudança radical tardia, esta suposta conversão à defesa dos interesses dos trabalhadores que sempre quiseram punir nas suas reivindicações mas, devo dizê-lo, trata-se da manifestação da hipocrisia mais soez.
A direita apenas se congratula com as greves da função pública na medida em que é o Estado que paga os salários e tal cria dificuldades ao Governo que fica emparedado entre dois fogos: a justiça das reivindicações dos trabalhadores, que tem dificuldades em satisfazer, e os imperativos do Tratado Orçamental que impõe ao país a redução substancial e rápida do déficit e da dívida. Quando se trata de greves no sector privado - como ocorreu no caso recente da Auto Europa -, aí a direita não acha nada bem porque não é o Estado a pagar, mas sim o mealheiro dos privados que a direita apoia e cujos interesses corporiza.
Mas o mais caricato da análise do Ferreira foi ele concluir que a culpa da existência das reivindicações é do próprio Governo. E porquê? Porque o Governo tem um discurso optimista; diz que acabou a austeridade e que a economia está a crescer, sendo todos os indicadores positivos, desde o emprego, às exportações, ao crescimento económico. Ou seja, no limite a culpa é do INE que só publica números bons...
Ou seja, para o Gomes Ferreira, o melhor seria voltarmos aos tempos da troika e à gestão melodramática das expectativas que Passos Coelho tão devotadamente praticava. O nosso destino enquanto país seria empobrecer, dizia o Passos. Ora, com um destino de penúria traçado até todo o sempre, quem é que se atrevia a reivindicar aumentos de salários?
Em suma, meu caro António Costa. Passe a dar más notícias e diga que vem aí o diabo. Roube o discurso ao Passos e mande os jovens emigrar porque o Centeno não tem os cofres cheios e tem que pagar ao FMI. É esta a mágica solução que o Gomes Ferreira lhe dá para resolver o problema das greves. Se o tema não fosse sério demais esta solução mereceria mais do que um sorriso rasgado.
Contudo, digo eu, é preferível ter boas notícias na frente económica do que más. É preferível ter um país com esperança do que um país subjugado ao infortúnio e ao espectro da pobreza e da miséria. É preferível falar verdade do que manipular os factos para domesticar as justas reivindicações de quem trabalha. E a prova é que os portugueses também o preferem como provam todos os indicadores de confiança, tão elevados que estão, como há muito não estavam.
E é por isso que a direita range de fúria, tudo fazendo para destruir a imagem positiva do Governo e das suas políticas junto do eleitorado. Recorre a tudo. Mesmo à defesa veemente de valores e de grupos sociais que sempre combateu.
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