Posted: 14 Oct 2017 06:36 AM PDT
A capa do Público de hoje, representando comunistas e bloquistas como ameaça orçamental, é uma vergonha, bem reveladora do processo de observadorização em curso na generalidade das linhas editoriais na comunicação social, ou seja, do domínio do estilo ideológico de um bem financiado blogue de direita. Jamais fariam uma capa destas em torno dos perversos impactos orçamentais do sector bancário, por exemplo. Enfim, as linhas editoriais dominantes são as linhas dos grupos dominantes, não se esqueçam.
Num quadro de perversos constrangimentos europeus, numa correlação de forças desfavorável nas várias escalas, as esquerdas contribuíram, com as suas propostas orçamentais, para um ligeiro aumento do poder de compra das pensões mais baixas, para algum alívio fiscal para a classe média realmente existente, para a continuação do lento processo de recuperação da dignidade salarial e profissional dos funcionários públicos, indispensável para a reconquista de confiança no Estado e nos seus serviços, naturalmente altamente intensivos em trabalho relativamente mais qualificado.
Estas modestas conquistas, ainda que num quadro em que continua a faltar um impulso forte a um investimento público duradouramente deprimido, contribuem para a confiança na procura interna, o que conjuntamente com a procura externa ainda relativamente favorável, ajuda o investimento privado. Lembremos, também contra comentadores-directores televisivos, os que monopolizam o chamado debate público, falando em nome do capitalismo monopolista, que as grandes empresas podem bem suportar neste contexto um eventual aumento da sua contribuição fiscal, que isso não afectará um investimento empresarial que depende sobretudo das expectativas de evolução das vendas (esta gente não respeita a evidência empírica recolhida desde há anos pelo INE, toldados que estão pela mais míope das ideologias).
Obviamente, a situação do país é muito frágil, dada a falta de instrumentos decentes de política e as regras europeias por esta responsáveis, num contexto de endividamento externo persistente e em que crescem os sinais de uma bolha financeira internacional por rebentar. Mas quem tem colocado de forma consequente em cima da mesa estes problemas são os mesmo que lutam orçamentalmente pelos de baixo. Para a sabedoria convencional, essa eventual crise futura seria uma oportunidade, neste contexto estrutural, para o mesmo ajuste de contas de um tempo, o da troika estrangeira, pelo qual anseiam.
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