por estatuadesal |
(José Pacheco Pereira, in Sábado, 08/10/2017)
Pacheco Pereira
1. As eleições autárquicas foram o que se previa, mas com uma dimensão maior. Tudo o que se esperava – a vitória do PS, a derrota do PSD – aconteceu, mas a dimensão conta para gerar efeitos políticos. Os resultados do PSD em Lisboa e no Porto e um pouco por todo o País são muito difíceis de "engolir" mesmo para um partido com uma história de anos de apatia e condescendência com a sua liderança. Talvez, pela primeira vez em muitos anos, os militantes que não estão comprometidos com lugares e cargos no partido ou obtidos por via do partido percebam que algo está muito mal no PSD e que não é de agora.
2. Os maus resultados do PCP, perdendo várias câmaras importantes, são desastrosos para um partido que muda, mas muda muito devagar e não muda em todos os sítios. O peso do lastro histórico pesa na ideologia, nas alianças internacionais, na organização, mas pesa muito no vocabulário e no discurso. Se pudéssemos tirar do discurso pesado e não comunicativo muitas posições e mesmo algumas experiências do PCP, haveria uma maior aceitação dessas posições e experiências. Mas é um exercício impossível, porque em nenhum outro partido existe uma maior dependência mútua que é efectivamente ortodoxa, canónica, identitária. E o resultado é que o PCP se fecha sobre si próprio, e permite que listas e candidatos do PS, alguns notoriamente incompetentes para o lugar, tenham tido vitórias inesperadas. Há um enorme cansaço dentro daquele partido e isso nota-se.
3. A campanha do CDS em Lisboa revela que, contrariamente ao que se dizia, as campanhas contam e os candidatos contam também em função da campanha que são capazes de fazer. Assunção Cristas foi a política que mais afirmações radicais, muitas vezes absurdas e exageradas e irresponsáveis, fez durante a campanha, na sua dupla qualidade de candidata em Lisboa e líder do partido, dupla qualidade que a beneficiou. Mais do que o próprio Passos Coelho, fez promessas sem qualquer medida ou razoabilidade, criticou aspectos da vida autárquica e nacional ao estilo extremista, como se viu durante a crise dos fogos. De novo, Passos Coelho muitas vezes parecia um menino de coro diante de Cristas, mas a verdade é que a tempestade da irresponsabilidade caiu sobre Passos e não sobre Cristas, cujo dinamismo a colocava sempre com uma nova afirmação ainda a anterior não se tinha esgotado. Passos ficava preso nas afirmações do passado, Cristas abria uma nova frente. Este estilo em campanha é bom em televisão, e como ela estava sempre a mexer-se e nunca parava quieta mobilizou o voto de protesto e oposição em Lisboa com muito mais eficácia do que o PSD.
Ilustração Susana Villar
4. De facto, as campanhas contam mesmo muito, em particular em Lisboa e no Porto. No Porto foi Manuel Pizarro que obteve um resultado muito razoável também pelo seu dinamismo em campanha. Quando Rui Moreira se tornou complacente e parecia que não se dignava a fazer campanha, Pizarro com a sua esfuziante simpatia amealhava votos. As sondagens, de resultados ainda por explicar de tão errados que eram, acentuaram o seu activismo e bipolarizaram o confronto com Rui Moreira, deixando o candidato do PSD numa posição de irrelevância.
5. No meio das autárquicas, a crise catalã rebentou em pleno e os seus actores remetem para uma Espanha muito complicada, para além da movida, do futebol, do turismo. Uma Espanha "velha" que continua lá.
6. Ver a televisão espanhola sobre a Catalunha é muito parecido com ver a Fox News sobre Trump: parece um comício do princípio ao fim. Não existe qualquer preocupação de pluralismo, são ataques sobre ataques ao referendo catalão, alguns muito, muito à direita, com convidados do PP falando de uma forma que pensava já não ser comum na Espanha democrática.
7. O "espanholismo" em Espanha tem uma genealogia política muito pouco recomendável. O catalanismo não tem nada de parecido com o separatismo basco, e está muito mais "limpo" historicamente. Mesmo incluindo a guerra civil espanhola, o momento de todos os horrores, o nacionalismo catalão foi sempre muito mais "civilizado" que os seus congéneres e isso torna ironicamente mais dramática e injusta a actual crise.
8. A agressividade do "espanholismo" está muito ligada ao franquismo e à extrema-direita espanhola. A extrema-direita espanhola, por seu lado, é muito mais extrema em termos políticos e ideológicos do que alguns congéneres europeus. Não são apenas os temas habituais contra os refugiados, e do nacionalismo à Frente Nacional. É uma herança dura que fazia com que em Espanha estivessem todos os exilados que fugiram dos seus países por causa da colaboração com os nazis, como Degrelle e os seus "rexistas" belgas ou os romenos da Guarda de Ferro, e que a Falange tenha ainda muitos herdeiros num nacionalismo e centralismo que, provocado, assume o vocabulário e os temas da guerra civil.
9. Como as reivindicações catalãs não são de mais dinheiro, mas de poder político, o poder de ser independente, seja o que for que aconteça nos tempos mais próximos reforça-se o impasse. Um impasse em política, e este impasse que envolve legitimidades democráticas e nacionais, é o mais perigoso que há.
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