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sexta-feira, 6 de outubro de 2017

O fim da geringonça

Expresso Diário


Miguel Cadete

Miguel Cadete

Diretor-Adjunto

O fim da geringonça

6 de Outubro de 2017



Quando passaram 107 anos desde a implantação da República, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa falou ao país do alto da varanda da Câmara de Lisboa. Ontem, em discurso cronometrado em curtos sete minutos – leia aqui na íntegra -, disse que estava preocupado com o que aí vem, não fosse o resultado das eleições do passado fim de semana ter aberto um novo ciclo político.
“Não há sucessos eternos nem reveses definitivos” é, porventura a sua frase mais citada. E com ela se referia muito provavelmente às inevitáveis mudanças que irão suceder. O noticiário já dá conta delas:

No principal partido da oposição, a liderança vai mudar. Passos Coelho desaparece e com ele vai-se o papão da troika que alimentava a geringonça. Do novo líder pouco se sabe, mas as movimentações são muitas.
Luís Montenegro, o chefe da bancada parlamentar do tempo do passismo, anunciou ontem que não se candidataria. O caminho ficaria assim aberto a Paulo Rangel, que passaria a ser o preferido dos passistas que não gostam de Rui Rio, o outro candidato que já se assumiu. Confusos? Ficaremos ainda mais nos próximos dias, semanas ou mesmo meses.
Que PSD será o novo PSD? Ainda mais à direita? Populista? Social-democrata? Contestatário? Ou um mero ajudante de Costa?

A guerra pelo poder no PSD, como ontem notou Pacheco Pereira na Quadratura do Círculo” da SIC Notícias pode ser de “cortar à faca”. E podem nem ser estes os únicos candidatos. E até pode nem sair desta eleição o candidato que irá disputar o poder a António Costa. Marcelo sabe disso.
O outro foco de perturbação vem do PCP, o segundo derrotado das autárquicas, ainda que em situação mais grave por, eventualmente, ser irreversível. Como notou Daniel Oliveira em coluna de opinião no Expresso Diário, a posição dos comunistas na geringonça não é fácil: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”.
Dessa delicada posição já se começa a perceber o que pode surgir. Hoje o jornal “i” noticia ataques violentos de Jerónimo de Sousa ao PS e ao Bloco de Esquerda. Até porque é necessário justificar junto da massa associativa a perda de dez câmaras municipais: “Líder comunista acusa PS de usar ‘argumentos falsos’ em municípios que eram geridos pelos comunistas e do BE usar a calúnia para denegrir a CDU”, pode ler-se.
Marcelo também sabe que a contestação social pode manifestar-se como não aconteceu nos primeiros dois anos deste governo. Aliás, ontem, na Praça do Município, ainda durante a celebração da República, “dezenas de professores” já se manifestaram por um “concurso mais justo”.
A extrema sensibilidade da relação do Governo com o PCP é também sentida pelo primeiro ministro desde que foram conhecidos os resultados das eleições autárquicas. A esse respeito, a manchete do “Jornal de Notícias” de ontem não podia ser mais sintomática: “Costa trava acordos nos municípios”. Até ser apresentado o Orçamento do Estado não há coligações nos executivos camarários para ninguém.
E como Marcelo também sabe, ainda há Pedrógão e Tancos. E a conjuntura económica, ou a internacional, também podem acrescentar ruído. O som e a fúria adivinham-se, logo agora que isto estava a ir tão bem.

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