(Isabel Moreira, in Expresso Diário, 21/10/2017)
Após a tragédia de Pedrógão, foi por consenso que se nomeou a comissão técnica independente (CTI) que elaborou um extenso relatório cujas conclusões devem ser transformadas num dever. A mesma unanimidade que esteve na base da criação da CTI seria esperada com especial intensidade no agora que conta a perda de mais de cem pessoas em pleno século XXI. Hoje sabemos que somos um país propenso a incêndios, que estes nunca serão de número zero, mas sabemos das causas estruturais e conjunturais do que tem de ser evitável, do que não pode voltar a repetir-se. A revolta, a dor e a angústia de quem perdeu tudo são direitos naturais e esperou-se - não podia ser de outra forma – por um discurso político integrador da dor imensa de tantos, empático, catalisador do drama, apostado num compromisso maior do que a devastação. Quando morrem mais de cem pessoas, o Estado falha. Falhou. Todo o Estado. Falhou o compromisso constitucional de assegurar a vida e a segurança dos homens, mulheres e crianças que morreram ou que sobreviveram com a vida transformada para sempre. Pedir desculpa em nome do Estado não fragiliza quem o faz, antes o confirma, pelo que Marcelo fez bem em falar-nos como falou e António Costa fez bem em perceber que o seu conceito de responsabilidade (mesmo que bem-intencionado) não era agregador da tragédia. No dia 18 de outubro, no debate quinzenal, António Costa redimiu-se. E bem. E nós? Se o Estado falhou, se há memórias para honrar, não podemos falhar outra vez, deitando fora o consenso quanto ao relatório da CTI. É tempo de olhar para o que ali está diagnosticado, preto no branco, e passar à ação. No que toca ao fenómeno florestal, há décadas que o conhecimento científico nacional e internacional é desprezado. Acabe-se com isso. A desadequação entre as funções desempenhadas por cada um dos diversos agentes e as respetivas qualificações e competências é um dos graves problemas que impede a solução de muitos problemas existentes em torno dos incêndios florestais. Acabe-se com isso. O quadro de governança das florestas é intolerável. Por exemplo, a autoridade florestal nacional mudou seis vezes de figurino institucional nos últimos vinte anos. A estabilidade é imperiosa. Esta instabilidade está detetada. Acabe-se com isso. Se quem está no Governo tem de ser o rosto da responsabilidade moral do Estado, a Assembleia da República, os grupos parlamentares e os deputados não podem esquecer-se do seu papel no que tem de ser um desígnio nacional. Qualquer coisa de revolucionário, como dizia um amigo meu. É por isso que honrar os mortos passa pelo discurso devido e pela ação obrigatória. Infelizmente, temo que a politiquice, aqui e ali, matem a Política. Há quem não resista a tentar cavalgar o momento, ora apresentando moções de censura (no primeiro dia de luto nacional) sem demissão do governo realmente desejada, ora fazendo do debate parlamentar uma indignidade (Hugo Soares) que as vítimas dispensam. Infelizmente, temo que o comportamento pornográfico de alguma comunicação social associado ao que referi seja uma forma de impedir o que tem de ser feito. Tem de ficar claro que o Estado em sentido amplo (partidos incluídos) não se aproveita da tragédia. Ou vai parecer que alguns a desejaram. |
Sem comentários:
Enviar um comentário