por estatuadesal |
(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 13/10/2017)
A “Operação Marquês” tem várias facetas inéditas em Portugal no campo judicial e político. É a primeira vez que um ex-primeiro-ministro é acusado de corrupção e a dimensão da acusação, ao juntar o caso BES e sua relevância e impacto social, coloca este processo como uma verdadeira questão de regime, aconteça o que acontecer a seguir. Porque, se as acusações derem origem a condenações indiscutíveis transitadas em julgado, uma página negra da nossa História ficará como vergonha nacional; e calhando a acusação não ser à prova de dúvidas, gere ou não gere condenações, então a Justiça terá aqui chegado com uma agenda política, o que igualmente será uma questão de regime. Donde, estamos exactamente como no princípio: há indícios, mas parece não haver provas directas ou indiscutíveis de corrupção. E, não havendo corrupção, também caem as restantes supostas ilegalidades, ou quase todas. Isso tem relação com o seguinte aspecto, também inédito, deste processo.
Francisco Proença de Carvalho veio ontem juntar-se a João Araújo e Pedro Delille num ponto da “Operação Marquês” que o despacho de acusação parece ter consolidado, salvo melhor informação. Este: os advogados de defesa de Sócrates e Salgado não hesitam em apresentarem-se publicamente indignados perante a ausência de factos que sustentem as teses do Ministério Público, assim como são peremptórios e enfáticos na assunção da inocência dos seus clientes. Ou seja, em vez de surgirem mediaticamente com uma imagem de distância e frieza profissionais, repetindo os lugares-comuns da praxe onde se pede justiça e se mostra muito respeitinho para com os poderes judiciários, eles pelejam como se algo estivessem a perder ou algo tivessem a ganhar nesse confronto com o Ministério Público e o juiz de instrução nestas fases que antecedem uma decisão final sobre a eventualidade de haver julgamento. O que nos leva para várias interrogações. Será que eles estão a mentir, ou são estúpidos, ou enlouqueceram, ou são vítimas da magia negra e do poder hipnótico dos seus clientes, vindo para o meio da rua dizer algo que seria inevitavelmente desmentido por aparecer inscrito no processo e julgado em tribunal? Será que os tais factos que alegam não existir não constam do processo apenas por estratégia do MP, mas está tudo guardado numa pasta refundida em cima de um armário à espera do tempo certo para serem publicados? Mas porquê, pois o que não estiver no inquérito não conta para eventual julgamento? Ou estaremos perante um processo todo construído com base nos fluxos das contas bancárias e nas meias palavras de duas ou três testemunhas?
Esta notícia – Como Sócrates “instrumentalizou” ministros e secretários de Estado – é um exemplo perfeito do problema. Não se entende, para um leigo como eu, como poderá ter a mínima validade em tribunal, pois se trata de uma acusação onde se toma o próprio exercício político em si mesmo como prova de ilicitude. Sócrates, pelos vistos, não devia ter exercido as suas funções de chefe de Governo se queria evitar suspeitas de corrupção. Isto é absurdo, e conduz a uma lógica em que qualquer coisa pode querer dizer qualquer coisa, sendo que quem tiver mais poder é que estabelece o sentido, a intenção, que lhe convier. No caso, para a acusação, uma qualquer decisão governativa pode ser a prova da corrupção desde que tal sirva a interpretação que se quer estabelecer retroactivamente. É a hermenêutica a esmagar o empirismo.
A norma na postura dos advogados não é este vestir da camisola que João Araújo e Pedro Delille têm exibido inclusive quando estão a ser confrontados por jornalistas que se apresentam como coadjuvantes tácitos ou assumidos da acusação. Eles parecem genuinamente emocionados quando começam a elencar as incorrecções, algumas gravíssimas, que identificam no trato do seu cliente pela Justiça. Desse exercício de protesto não lhes veio qualquer benefício por parte dos procuradores e juízes que tiveram até agora a faca e o queijo na mão, muito pelo contrário. Perderam dezenas de recursos, só viram a sua razão atendida num. Logo, porquê o gasto da energia? Mais: por que raio se querem colar dessa maneira a uma figura que a sociedade já condenou e que irá passar as próximas décadas envolvida neste processo e nos outros que, com alta probabilidade, virão a nascer das 15 certidões extraídas por Rosário Teixeira?
A imprensa tem aqui uma excelente oportunidade para nos ajudar a compreender esta dimensão do caso. Basta mergulharem nas 4000 páginas. Venham daí os factos que antecipem a condenação – ou os factos acerca de não haver factos, então.
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