Opinião
Mariana Mortágua *
Hoje à 08H00
No início de outubro a ERSE propunha, pela primeira vez em 17 anos, uma descida de 0,2% no preço da eletricidade em Portugal. No final desse mesmo mês os representantes da Endesa (multinacional elétrica) e das empresas do setor renovável (APREN) acusavam a secretaria de Estado da Energia de estar refém do Bloco de Esquerda. Não são coincidências.
O embaratecimento da energia em 2018 é o resultado da ação do Parlamento e do Governo e do efeito de propostas negociadas com o Bloco de Esquerda para reduzir as rendas das empresas de energia. E para que os preços voltem a descer no futuro, mais rendas terão de ser cortadas. É essa a verdadeira razão do incómodo, tanto das grandes empresas do setor - como a Endesa - como dos seus representantes - como a APREN -, que estão pouco habituados a que se lhes faça frente.
Para estas empresas, a vida antes de 2015 era mais fácil. O Governo de PSD e CDS falava grosso contra as rendas mas, ao contrário da austeridade, bem sentida pelo povo, os cortes na energia eram só mesmo para troika ver. Dois exemplos bastam para provar que assim é.
A CESE - Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético - entrou em vigor em 2014, e foi apresentada pelo Governo de PSD/CDS como um exemplo da "austeridade ética". As boas intenções duraram pouco e o Programa de Estabilidade para 2015-2019 previa o fim da CESE logo em 2017. A mesma pressa não se aplicava, no entanto, à reversão dos cortes salariais na Função Pública ou da sobretaxa. Interessante foi verificar que, mesmo na sexta-feira antes das eleições de 2015, e não fosse o diabo tecê-las, o então secretário de Estado da Energia fez publicar um despacho em que permitia às empresas de energia repercutir a CESE na fatura paga pelos clientes. Foram cerca de dezenas de milhões cobrados a mais, de forma ilegal, e que agora se exige que as empresas devolvam.
Pela mesma altura, em 2013, eram anunciadas, várias vezes e com pompa, poupanças nas rendas da energia. Na verdade, só uma parte da história é que estava a ser contada. É que, em troca de um pagamento à cabeça, o Ministério de Moreira da Silva estendeu os subsídios leoninos pagos à produção eólica durante mais sete anos. Ou seja, o Governo anterior pediu um empréstimo encapotado às produtoras de energia, condenando os consumidores a pagá-lo em rendas até 2027. O regime era voluntário e foi imediatamente aceite pelas empresas, o que seria estranho se se tratasse de uma verdadeira "contribuição". Pelo contrário, estima-se que a "poupança" venha a custar, afinal, 800 milhões de euros.
Se, no caso da CESE, as empresas foram já obrigadas a devolver o que cobraram a mais, no caso da subsidiação acrescida, é ainda preciso corrigir o abuso. Não admira, pois, que os beneficiários das rendas da energia queiram condicionar a ação do Governo nesta área. O seu ataque é a prova de que a persistência do Bloco vale a pena.
* DEPUTADA DO BE
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