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terça-feira, 28 de novembro de 2017

Homens e mulheres vendidos a €336: sim, esta é uma notícia de 2017 e as nações reuniram-se de emergência

por estatuadesal

(Joana Azevedo Viana, in Expresso Diário, 28/11/2017)

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Manifestantes junto à embaixada da Líbia em Marrocos em protesto contra a escravatura

Leilões de seres-humanos parece acontecimento de séculos obscuros de outrora mas a realidade é que são evidência também de 2017: uma reportagem da CNN alarmou o mundo e já chegou ao conselho de segurança da ONU, que se reuniu esta terça-feira para resolver o que Guterres considera ser “escandaloso” - há migrantes e refugiados a serem vendidos na Líbia para trabalho escravo. O mundo está doente.


António Guterres não poupou críticas quando, há uma semana, falou dos “horrendos” vídeos divulgados pela CNN a 14 de novembro, onde se veem migrantes africanos a serem leiloados na Líbia, alguns por 400 dólares (cerca de €336), para trabalharem como escravos em campos e plantações do país. Os leilões, que segundo o canal americano têm decorrido em pelo menos nove zonas da Líbia, “estão entre os abusos de direitos humanos mais escandalosos” da atualidade, declarou o secretário-geral da ONU. “Alguns podem corresponder a crimes contra a Humanidade.”

O embaixador de França nas Nações Unidas também manifestou esta terça-feira a sua indignação, após o conselho de segurança da ONU se ter reunido de emergência a pedido de Paris (o encontro começou ao cair da noite em Lisboa). “Temos de ir mais longe, muito mais longe para dizer ‘não’ a esta situação inaceitável”, declarou François Delattre em Nova Iorque. Questionado sobre possíveis sanções contra os responsáveis, garantiu: “Estamos focados em todo o tipo de medidas concebíveis para lutar contra este flagelo. Não excluímos nenhuma hipótese”.

Quem serão os alvos das potenciais sanções não se sabe para já. Sabe-se, em primeiro lugar, que os responsáveis diretos pelos leilões são os traficantes de humanos que se instalaram no país em ruínas de onde milhares de requerentes de asilo têm tentado partir para a Europa desde o início de 2016, quando Bruxelas fechou um acordo com a Turquia para desincentivar a ida de refugiados para o território comunitário.

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Manifestação na Suécia contra os leilões na Líbia

Falhanços

Desde 2015, mais de 1,5 milhões de pessoas do Médio Oriente e do corno de África chegaram ao continente em busca de asilo, empurrando os Estados-membros para braços-de-ferro diplomáticos; a Alemanha acolheu grande parte dos refugiados, cerca de um milhão de homens, mulheres e crianças, mas países como a Hungria e a Polónia rejeitaram as quotas de redistribuição propostas pela Comissão de Jean-Claude Juncker para aliviar a carga sobre os países de entrada na UE, Grécia e Itália. A isto juntou-se o Brexit, cuja campanha foi dominada pela crise de refugiados e migrantes.

As pessoas que já tinham chegado às ilhas gregas antes do acordo com a Turquia por ali ficaram até hoje, num cenário de corda bamba que piorou em julho, quando as regras de financiamento das organizações não-governamentais foram alteradas. Até então, os grupos a prestar apoio no terreno recebiam fundos do programa humanitário da UE, o ECHO; a partir de julho, passou a caber ao governo da Grécia, um país ainda na ressaca da crise financeira de 2008, encontrar meios para os financiar.

Isto aconteceu a par da multiplicação de chegadas à Líbia desde o início deste ano. Para arriscarem a perigosa travessia do Mediterrâneo central, na tentativa de entrarem na Europa através de Itália, muitas famílias do Senegal, Mali, Níger, Nigéria e Gâmbia têm estado a rumar até ao país. A maioria fica ali presa. As que têm dinheiro para pagar aos traficantes, uma minoria, arriscam-se a morrer em mar alto — em setembro, a rota Líbia-Lampedusa foi considerada a mais perigosa do mundo para refugiados; entre janeiro e julho, o mar já tinha engolido mais de duas mil pessoas.

“Se a segunda metade deste ano for igual à segunda e não forem tomadas medidas urgentes”, avisou na altura a Amnistia Internacional, “2017 será o ano mais letal na rota mais letal de refugiados do mundo. A UE está a falhar no que toca a recursos adequados e a operações humanitárias perto das águas territoriais da Líbia. Em vez disso, está a focar-se no reforço das capacidades da guarda costeira líbia para impedir partidas e interceptar [botes com refugiados].”

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Pressões

Como apontava a AFP esta terça-feira de manhã, os leilões como aquele que a CNN filmou em Tripoli “estão a levantar questões sobre se os acordos de migração da UE destinados a reduzir as travessias do Mediterrâneo estão, na verdade, a transformar os traficantes de humanos em mercadores de escravos, à medida que crescentes números de migrantes dão por si encurralados na Líbia, sem dinheiro, desesperados e vulneráveis”.

Desde o início deste ano, os Estados-membros da UE têm concentrado esforços em treinar a guarda costeira líbia — não sem críticas, com a ONU a denunciar no início deste mês o facto de esse treino estar a resultar no retorno forçado de migrantes a prisões “horríficas” do país. Também têm tentado alcançar acordos bilaterais com os países de origem destas pessoas ao estilo do acordo com a Turquia, através de negociações com a União Africana.

Esta semana, os 55 países africanos vão estar reunidos com as 27 nações da UE na Costa do Marfim para uma cimeira dedicada à migração, que contará com a presença de Guterres e que deverá ser dominada pela recente denúncia da CNN. Com a Líbia já a investigar o caso — após o secretário-geral da UA, Alpha Conde, ter manifestado a sua “indignação” com as imagens —, ONG e analistas estão a aproveitar para lembrar os dirigentes que o assunto não é novidade.

Na sexta-feira, em declarações à AFP, uma analista senegalesa do think-tank L’Afrique des Idées sublinhava que, “aparte as pessoas comuns, toda a gente sabia disto — governos, organizações internacionais e líderes políticos”. A crítica de Hamidou Anne foi repetida no mesmo dia por Alioune Tine, diretor do programa da Amnistia para a África Ocidental: “Estamos a alertar para estes episódios de escravatura na Líbia há muito tempo”.

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