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quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Vá lá, não se façam de novas

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Público, 22/11/2017)

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Ninguém notou, quanto em 2004 uma investigação do Senado norte-americano sobre a fortuna do ditador chileno Augusto Pinochet identificou as dependências das Ilhas Caimão e da Florida do BES como veículos para a ocultação dos dinheiros e fuga ao fisco? Vá lá, toda a gente notou. O BES fez mesmo um comunicado de imprensa contra quem, como este cronista que aqui assina, chamou a atenção para as conclusões do relatório.

Ninguém notou quanto em 2009 o BCP português foi forçado pelas autoridades a revelar os seus movimentos em sociedades offshore? Vá lá, isso foi tema de comissão de inquérito e a administração do banco foi substituída logo a seguir.

Ninguém leu as notícias quando o consórcio de jornalistas de investigação revelou em 2013 o que se chamou de Offshore Leaks? Eram 100 mil empresas fictícias criadas para ocultar capitais. A Google transferiu em 2013 dez mil milhões de dólares para as Bermudas, conseguindo assim pagar sobre todos os seus lucros uma taxa efectiva de 2,4%.

E, vá lá, ninguém deu conta em 2104 do Luxleaks, a revelação do engenhoso esquema do governo do Luxemburgo para albergar empresas multinacionais e garantir assim que pagavam um IRC insignificante? Sim, foi assaz evidente: o primeiro ministro luxemburguês entre 1995 e 2013 chama-se Jean Claude Juncker e, sendo presidente da Comissão Europeia, teve de se justificar perante uma comissão de inquérito, que foi logo afogada pelo bloco central do parlamento europeu. A Irlanda e a Holanda, aliás, fazem o mesmo que o Luxemburgo.

E depois vieram, em 2016, os Panamá Papers, com a revelação dos segredos de uma grande firma de advogados. Desta vez eram 214 mil empresas. Só o Crédit Suisse e a UBS, respeitáveis bancos suíços, criaram 25 mil cada um. Vá lá, não se notou?

E agora, em 2017, soube-se dos Paradise Papers, um esquema de registo de empresas em offshores nas Bermudas e em Singapura. A rede era usada por Isabel II, curiosamente desde que a crise financeira de 2007 levou a perdas da sua fortuna, mas também pela Apple, Nike, Whirlpool, pelas ligações russas da Casa Branca, pela família angolana Dos Santos e por mais jet-set. E a UE decidiu investigar pelo mesmo motivo a Ilha de Man, de sua Majestade britânica, e Malta.

Vá lá, ninguém notou?

Nota-se mesmo. Devin Nunes, um orgulhoso luso-descendente que é deputado republicano e foi presidente da comissão parlamentar sobre tributação, e depois foi responsabilizado por Trump por gerir a sua equipa de transição para a posse, declarava que queria “tornar a América o maior paraíso fiscal do mundo”. O estado norte-americano do Delaware já tem 945 mil empresas registadas para não pagarem imposto.

Os paraísos fiscais não são portanto uma extravagância, umas repúblicas das bananas dispostas a rondarem o crime a troco de uns dólares ou euros. São o coração do nosso sistema financeiro. As suas sociedades, agências e veículos (o nome é delicioso) financeiros são geradas pelos maiores bancos, pelos mais refinados campeões, e amparados pelos governos mais respeitáveis – na Europa, além da Suíça é o Reino Unido quem alberga maiores volumes de capitais escondidos, alguns legalmente, muitos em evasão fiscal e outros em ocultação de crime (a OCDE calcula pagamentos anuais de um bilião de dólares em subornos).

O resultado é a perda de receitas e portanto a crise fiscal do Estado. Quando ouvir falar em restrições orçamentais, em falta de dinheiro para pagar a enfermeiras ou técnicas de diagnóstico ou para construir um novo hospital, lembre-se sempre que a evasão fiscal em países como a Alemanha pode andar pelos 160 mil milhões de euros, em França por 120, em Espanha por 73 (cálculos da Tax Research, Reino Unido) e em Portugal alguns estudos apontam para 20 mil milhões. Vá lá, nota-se mesmo.

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