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terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Combater (algum) consumismo faz bem à economia

Ladrões de Bicicletas


Posted: 19 Dec 2017 01:00 AM PST

Há quem pense que o consumismo é bom para o crescimento económico e a criação de emprego. Segundo este raciocínio, se as pessoas consumirem mais as empresas investem mais, criando emprego e obtendo lucros, que servem por sua vez para gerar mais consumo e mais investimento. Em termos genéricos faz sentido pensar assim. No entanto, as economias não são todas iguais e os produtos de consumo também não – o que faz toda a diferença.
Isto não é novidade nenhuma, mas a actualização recentemente feita pelo INE dos dados sobre conteúdos importados das várias componentes da procura agregada permitem ilustrar bem o que está em causa (a tabela anexa foi retirada do Boletim de Inverno do Banco de Portugal) .

No que respeita ao consumo privado (feito pelo conjunto dos indivíduos e famílias portuguesas), é clara a diferença entre bens duradouros e não-duradouros. Cerca de metade dos primeiros – onde se incluem automóveis, produtos electrónicos, electrodomésticos, etc. – é produzida fora do país. Isto significa que o aumento do seu consumo tem efeitos moderados na actividade económica e no emprego em Portugal. Por contraste, só 1/5 dos bens não-duradouros consumidos vêm do exterior.
As diferenças ainda são mais marcadas quando se trata de investimento. Quando as empresas compram máquinas, equipamentos e material de transporte (incluindo os “automóveis da empresa”), quase ¾ do que gastam vai para fora do país, por envolver bens importados. Quando se trata de construção, só 1/6 é importado.
O que muita gente não nota é que também as exportações têm uma forte componente de importações. Isto é especialmente verdade quando se trata da exportação de bens: por exemplo, grande parte do que a Autoeuropa ou a Galp exportam (automóveis e petróleo refinado, respectivamente) tem por base produtos importados (componentes de automóvel e petróleo em bruto). A exportação de serviços (onde se inclui a prestação de serviços de transporte, alojamento e restauração a turistas que visitam Portugal) tem uma componente importada muito menor.
Já o consumo público – determinado essencialmente pelos gastos do Estado nos serviços públicos de saúde, educação e protecção social – tem uma componente de importações diminuta.
Estes dados sobre o conteúdo importado do consumo, do investimento e das exportações são indispensáveis para pensar a política económica de um país como Portugal, que tem uma tendência histórica para défices externos e uma dívida externa acumulada que é das maiores do mundo (e que é uma fonte permanente de instabilidade).
Há algumas mensagens que importa reter daqui:
1) Aumentar muito as exportações não deve ser um fim em si mesmo, pois não significa necessariamente reduzir muito a dívida externa, principalmente quando se trata da exportação de bens.
2) O estímulo ao investimento em capacidade produtiva deve ser altamente selectivo - e, desejavelmente, acompanhado de um maior esforço de desenvolvimento de capacidade tecnológica endógena.
3) A despesa social do Estado não só contribui para aumentar a equidade e o bem-estar da população (e, a longo prazo, para aumentar a produtividade), como tem um impacto directo reduzido no agravamento da dívida externa (ao contrário que vários tipos de consumo privado).
4) O consumo privado contribui tanto mais para a actividade económica quanto menos se basear nalguns dos produtos que são hoje vistos como símbolos de estatuto social. No dia em que formos consumistas não tanto em automóveis, smartphones e festivais de música, mas na utilização intensiva de transportes públicos, na compra de bens alimentares de produção local, no investimento em educação e formação, em vistas a monumentos históricos e áreas protegidas nacionais, ou em idas ao teatro e outros espectáculos produzidos por cá, aí sim poderemos dizer que o consumismo faz bem à economia.

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