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quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Diversos

Ladrões de Bicicletas


Economia tuk-tuk

Posted: 14 Dec 2017 12:38 AM PST

O perfil com que a economia portuguesa saiu da crise é menos produtivo? A economia portuguesa no pós-crise assenta sobretudo no crescimento de emprego nos serviços (comércio, alojamento, restauração e outros serviços de apoio) que são tradicionalmente sectores com pouco potencial de crescimento da produtividade dada a difícil incorporação de inovação tecnológica e organizacional por comparação com outros sectores, como a indústria.
Isso torna a retoma da economia portuguesa potencialmente menos sustentável? A retoma tem-se baseado num significativo aumento do emprego em Portugal, só possível devido às elevadas taxas de desemprego existentes, sendo a única forma de compatibilizar crescimento com baixo investimento. A retoma parece estar apoiada em sectores que necessitam de pouco investimento e cujo crescimento é sobretudo extensivo e muito dependente de factores conjunturais, seja pelo aumento da procura interna via consumo, seja pela via aumento da procura externa, nomeadamente do turismo. Estes motores podem desaparecer rapidamente por motivos de conjuntura. O nosso trabalho mostra, por sua vez, como a reafectação de recursos na economia portuguesa entre diferentes sectores têm tido um impacto negativo na evolução da produtividade.
Que sectores menos produtivos se estão a destacar?Parece-nos evidente que o comércio, alojamento, restauração e serviços de apoio empresarial são os que maior contributo têm dado ao crescimento. A construção tem vindo também a recuperar, embora com algum desfasamento temporal e, provavelmente, guiada pelos anteriores. A boa novidade é alguma recuperação da indústria, onde cresce o emprego e a produtividade.
Que políticas públicas deveriam ser levadas a cabo para corrigir essa transferência de recursos para sectores menos produtivos?Toda a política económica é susceptível de fazer essa correcção: da monetária (que sectores beneficiam mais do acesso ao crédito) à orçamental (para onde é dirigido o investimento público), passando pela fiscal (como são taxados os diferentes sectores; por exemplo, o IVA da restauração). É certo que muitos destes instrumentos estão vedados ao Estado português devido às imposições europeias, mas isso não deve ser razão para evitar um debate político sobre a direcção desejável da economia.
Perguntas de Nuno Aguiar e respostas de Nuno Teles no Negócios de segunda-feira. O último barómetro das crises sobre a dupla face da recuperação, ou seja, o aumento do emprego mal pago e a estagnação da produtividade, realizado pelo Observatório sobre crises e alternativas do CES, foi o pretexto para este e outros interessantes trabalhos no jornal, incluindo um recomendável editorial de Manuel Esteves: Não se é produtivo ao volante de um tuk-tuk. Não se é de facto. Mas isto é parte decisiva do que nos está reservado, na melhor das hipóteses, enquanto permanecermos uma periferia europeia desprovida de instrumentos de política.

20 princípios possíveis para uma Economia Política Institucionalista

Posted: 14 Dec 2017 02:14 AM PST

Hoje estive no ISEG a convite do Colectivo Economia Plural para falar sobre Economia Política Institucionalista. Não se trata propriamente de uma escola de pensamento na Ciência Económica. Trata-se antes de uma forma de olhar para as economias e para o modo de construir o conhecimento económico que se pode reclamar de uma tradição antiga, que vai desde economistas políticos clássicos (como Smith e Marx), a Escola Histórica Alemã e os velhos institucionalistas americanos (como Veblen), passando por Keynes, Schumpeter, Polanyi, Myrdal, Hirschman ou Galbraith - enfim, nomes pouco ou nada falados na generalidade dos cursos de Economia, mas que têm muito a ensinar-nos sobre como as economias funcionam e como devemos analisá-las.
Os 20 princípios que proponho abaixo não são nem pretendem ser canónicos, são apenas a minha forma de sistematizar o que entendo que podem ser os elementos básicos de uma Economia Política Institucionalista.
1. A Economia enquanto ciência tem por objectivo compreender o funcionamento das economias (i.e., os processos de produção, distribuição e acumulação das condições materiais que asseguram as necessidades humanas). Vê-la apenas como a ciência que estuda a relação entre fins e recursos escassos com aplicações alternativas (como é habitual) é tomar uma pequena parte pelo todo.
2. O funcionamento das economias assenta em diferentes tipos de interacções sociais, algumas de carácter esporádico, a maioria de carácter recorrente e que obedecem a regras sociais mais ou menos implícitas. É a regularidade de comportamentos que daqui resulta que permite a construção de conhecimento sistemático sobre as economias.
3. Aos sistemas de regras que estruturam as interacções sociais damos o nome de instituições. Assim definidas, as instituições incluem as organizações (e.g., empresas, Estados, bancos, sindicatos), outras instituições formais (e.g., leis, regulamentos vários, códigos de conduta, etc.) e instituições informais (e.g., convenções sociais). Sem compreender as instituições dificilmente percebemos os comportamentos e, logo, as economias.
4. Embora uma parte relevante das interacções sociais que determinam os processos económicos assuma um carácter mercantil (ou seja, correspondem à noção de relações de procura e oferta de mercado), a maioria das interacções relevantes faz-se no seio de organizações, segundo lógicas predominantemente não-mercantis (e.g., comando hierárquico, cooperação).
5. Na maioria das transacções mercantis que ocorrem nas economias actuais pelo menos uma das partes é uma organização formal (e.g., empresas, Estados, bancos), cujos padrões de comportamento resultam de interacções complexas entre uma multiplicidade de indivíduos e grupos (não podendo por isso o comportamento das organizações ser analisado como se tratasse de comportamentos individuais).
6. Os mercados são eles próprios sistemas de regras formais e informais que estruturam as interacções sociais (e.g., quem pode participar, o que se pode trocar, quais os direitos e obrigações envolvidos, quem assegura o cumprimento das regras). Ou seja, os mercados são instituições e como tal devem ser analisados.
7. As instituições (em particular as organizações) moldam o comportamento dos indivíduos restringindo as alternativas de acção, mas não só. Também estabelecem padrões de comportamento que não requerem decisão (e.g., rotinas) e influenciam preferências, valores e expectativas individuais.
8. Um dos motivos pelos quais as organizações (e outras instituições) são tão importantes no funcionamento dos sistemas económicos consiste precisamente no facto de facilitarem as interacções, reduzindo a incerteza e poupando nos custos de decisão individuais e colectivos.
9. Nesse sentido, as instituições (formais e informais) são fontes de eficiência económica – e não meros obstáculos à interacção “livre” entre indivíduos. Na verdade, não existem interacções "livres" de influências institucionais - as interacções sociais são sempre de alguma forma enquadradas por sistemas de regras formais e informais.
10. As instituições são complexas e interdependentes, pelo que a eficiência relativa das diferentes soluções institucionais varia de contexto para contexto. Ou seja, um sistema de regras que funciona muito bem num dado contexto pode ser muito pouco adequado noutros.
11. As instituições (formais e informais) afectam não apenas a eficiência dos sistemas económicos, mas também a distribuição de recursos na sociedade.
12. Em qualquer sistema económico existem indivíduos, grupos e organizações que procuram influenciar os sistemas de regras formais e informais prevalecentes (i.e., as instituições) de acordo com os seus interesses, valores e convicções.
13. Assim, qualquer sistema económico é também um sistema político, onde diferentes indivíduos e grupos com interesses, valores e convicções potencialmente divergentes disputam a capacidade de influenciar os sistemas de regras vigentes.
14. A disputa na definição das regras relevantes assume diferentes configurações, dependendo dos contextos. Nas sociedades modernas, essa disputa passa frequentemente (mas não só) pelo Estado, dado o seu papel central no estabelecimento e implementação das leis.
15. A acção do Estado afecta não apenas o funcionamento das organizações centrais dos sistemas económicos (e.g., empresas, bancos, o próprio aparelho de Estado), mas também o funcionamento dos mercados e até as normas informais (e.g., por via do exemplo).
16. Não existe um critério absoluto para avaliar as acções específicas do Estado que afectam o funcionamento dos mercados e das organizações. Não só os critérios de valor são múltiplos (e.g., eficiência, equidade, relevância, sustentabilidade, etc.), como cada um deles está sujeito a avaliações potencialmente divergentes. (Por exemplo: a avaliação da equidade tende a depender da posição social de cada indivíduo/grupo; a eficiência relativa de cada solução depende fortemente do contexto e do horizonte temporal considerado.)
17. O papel da Economia enquanto ciência é ajudar a elucidar os pressupostos e as implicações (de eficiência, redistributivas, etc.) das acções do Estado que influenciam o funcionamento das várias instituições económicas, mais do que determinar qual “a acção mais adequada” em cada caso (o que depende sempre de julgamentos de valor, que devem ser sujeitos a processos de disputa política transparentes e democráticos).
18.@s economistas não devem assumir que os seus julgamentos estão livres de critérios de valor – porque não estão. Nem mesmo quando estão em causa apenas considerações de eficiência (por exemplo, ao contrário do que muito acreditam, os economistas não estão todos de acordo sobre a desejabilidade do suposto ideal da concorrência perfeita, que serve habitualmente de referência na análise económica convencional como situação óptima de eficiência).
19. Compreender o funcionamento das economias implica conhecer as instituições, a sua influência nos comportamentos e as suas implicações à luz de diferentes critérios de valor, mas também perceber como evoluem ao longo do tempo.
20. A transformação das instituições é determinada pela dinâmica dos processos concorrenciais (políticos e de mercado) e pelas transformações culturais e tecnológicas (que são parcialmente endógenas aos processos concorrenciais referidos). Uma Economia Política Institucionalista é pois uma abordagem abrangente ao estudo dos sistemas económicos e da sua evolução.
Pistas de leitura sobre o tema
Chang, Ha-Joon (2002). “Breaking the mould: an institutionalist political economy alternative to the neo‐liberal theory of the market and the state”. Cambridge Journal of Economics, 26(5), 539-559.
Hodgson, Geoffrey M. (2006), “What Are Institutions?”, Journal of Economic Issues 40(1), 1-25.
Nelson, Richard R. & Sampat, Bhaven N. (2001), “Making sense of institutions as a factor shaping economic performance”, Journal of Economic Behavior & Organization44(1), 31-54.

A despenalização do aborto nove anos depois

Posted: 13 Dec 2017 09:11 AM PST

Passaram dez anos desde a realização do referendo à descriminalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), nos termos em que o mesmo foi estabelecido: a pedido da mulher e até às dez semanas. Os que se opunham ao salto civilizacional que o país deu, em fevereiro de 2007, são hoje interpelados por uma realidade que deita por terra os principais argumentos que então mobilizaram. Desde logo, o número de IVG por opção da mulher não só não aumentou de forma vertiginosa, como profetizavam os defensores da criminalização, como regista uma consistente tendência de redução, atingindo-se em 2016 o valor mais baixo dos últimos nove anos (cerca de 15 mil, de acordo com a DGS). Aliás, neste período o número de IVG foi sempre inferior à média anual que se estima ter existido até 2008, a rondar os 20 mil.

Mas para lá da redução global das IVG por opção da mulher, deve ainda destacar-se um outro dado relevante: assiste-se desde 2008 a uma diminuição significativa da incidência de IVG entre jovens adolescentes (com menos de 20 anos). De facto, se até 2011 as IVG realizadas neste grupo etário eram cerca de 4 por mil, em 2016 esse valor cai para 3 por mil, refletindo portanto a quebra em valores absolutos, que ronda as -800 mil. Ou seja, passando-se de quase 2.200 IVG, em 2008, para aproximadamente 1.600, em 2016.
Outros dados a assinalar: na média do período, de 2008 a 2016, cerca de 75% das mulheres nunca tinha recorrido anteriormente, por sua opção, à interrupção voluntária da gravidez, sendo de 20% as que o tinham feito uma vez (e apenas 6% as que tinham optado pela IVG mais que uma vez). E oscila entre 94 e 97% a percentagem de mulheres que adere, posteriormente, a um método contraceptivo.
Ou seja, não só não tinha fundamento a ideia de que a descriminalização do aborto abriria a caixa de Pandora da ligeireza e da irresponsabilidade, como tudo indica que ter mantido a criminalização resultaria num maior número de IVG e numa persistência da situação de risco, nesse contexto, para a saúde (e para a própria vida) da mulher. Isto é, factos que talvez devessem suscitar uma reflexão profunda entre os que votaram «não» no referendo de 2007. Para que pelo menos se pudesse distinguir, nesse universo, quem votou «não» por estar genuinamente centrado no «valor da vida» (ainda que impondo a terceiros as suas convicções, mas que hoje certamente se congratula com a evolução registada) de quem continua a mover-se por uma sanha de pura perseguição e moralismo (e que hoje provavelmente encara, com inconfessável frustração, os resultados da mudança).

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