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segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Estimulação programática

por Telmo Azevedo Fernandes

A análise dos dados dos projectos aprovados pelo Portugal 2020 é muito interessante e curiosa. Não posso dizer que seja surpreendente, embora nalguns casos o humor me tenha apanhado desprevenido.

Não tenho vocação para caça às bruxas nem quero ser injusto, mas depois de uma breve leitura deste documento, partilho convosco exemplos dos fundos de incentivo alocados a projectos de investimento aprovados por este Programa.

Desde logo o Banco de Fomento tem 250M€ atribuídos. Duas empresas produtoras de pasta de papel conseguem 65M€ de apoios, a Embraer pode receber 34M€ e a Bosch 50M€. Só para hotéis vão mais de 100M€. Existe a “concessão de apoio à criação e ao alargamento de capacidades avançadas de desenvolvimento de produtos e serviços” a um fabricante de mobiliário para o seu projecto Cama Matriosca no valor de 17M€. Uma unidade industrial do sector metalomecânico tem incentivos equivalentes a 92.500€ por cada novo posto de trabalho que crie em Aveiro e Viana (25M€). Destaque também para os 79% de taxa de comparticipação do projecto submetido pelo Hard Rock Café no Porto (4M€); 24M€ para uma associação empresarial que para não entrar em insolvência além de ter tornado os seus credores bancários em accionistas, entregou activos ao Estado. Para terminar o rol de exemplos, digo-vos que 14M€ foram destinados a uma associação cujo maior projecto é organizar desfiles de moda.

Já todos ouvimos o sermão de empresários sobre a necessidade da baixa de impostos e da redução do déficit público. Mas alguém já ouviu esses mesmos empresários reivindicarem o fecho da Aicep, o fim das garantias subsidiadas, o termo aos bail-outs, o desaparecimento das medidas anti-dumping, o acabar com os “estímulos”, a cessação dos “apoios” ou a extinção dos “incentivos”? Pois…

Com tanto dinheiro a circular em programas deste género, será legítimo interrogarmo-nos se os lucros não serão determinados mais pela habilidade e capacidade de acesso a ajudas públicas do que por rasgos de empreendedorismo ou excelência da gestão.

É que não se pode querer que o Estado nos deixe em paz e, ao mesmo, ter apetite por favores especiais ou condições competitivas privilegiadas atribuídas pelo governo ou suas agências.

Estes benefícios não existiriam num verdadeiro mercado de livre concorrência. Antes são capturados por um número limitado de entidades distorcendo a economia e causando prejuízo a todas as outras empresas, aos contribuintes e aos consumidores em geral.

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