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sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Jerusalém: mais uma vez, Trump é a consequência

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 07/12/2017) 

Daniel

Daniel Oliveira

A transferência da embaixada norte-americana de Telavive para Jerusalém não se limita a deixar o mundo islâmico irado. Dizer as coisas assim é virar o mundo de pernas para ar, fazendo parecer que há um grupo de muçulmanos hipersensíveis. Ao reconhecer Jerusalém como capital israelita, coisa que nenhum Estado do mundo ainda tinha feito, reconhece-se a anexação de toda da parte oriental e retira-se aos palestinianos o direito à mesma pretensão. Esta pretensão dos dois Estados não é um pormenor para qualquer solução pacifica, por mais improvável que ela seja.

Qualquer negociação para este conflito tem cinco temas essenciais: as fronteiras dos dois Estados, sendo as de 1967 a base inicial da negociação; os colonatos, que ou têm de ser desmantelados, já que se encontram em território que em nenhum caso é israelita, ou implicam permuta de terras; os refugiados, que ou têm o direito de retorno das terras de onde foram expulsos ou poderão ser compensados; a segurança, que para não ficar nas mãos dos israelitas tem de corresponder a um controlo das alas mais radicais pelos próprios palestinianos; e o estatuto de Jerusalém, que ambos os Estados reclamam como sua capital e cuja ocupação da parte oriental pelos israelitas é ilegal. Qualquer negociação séria e sustentável passa pelo equilíbrio entre estas várias questões. Se se fecha uma, torna-se mais difícil encontrar solução para as restantes.

Esta é a primeira razão pela qual o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel mata qualquer solução para este conflito: porque é umas das peças fundamentais para a negociação entre os dois Estados. E mesmo que o resultado dessa negociação viesse a permitir este reconhecimento, os moldes teriam de ser negociados ao mais ínfimo pormenor, tendo em conta a importância que aquela cidade tem para várias religiões, conseguindo garantias sólidas de acesso de todos a locais sagrados. Só o total analfabetismo histórico e político de Donald Trump permite que desconheça o vespeiro em que acabou de dar uma paulada. Pelo menos desde 1929 que pequenos acontecimentos naquela cidade, sobretudo relacionados com o acesso a espaços sagrados, chegam para iniciar conflitos que duram anos.

Como podem os EUA querer ser árbitro de uma negociação quando são eles mesmos a declarar unilateralmente o seu resultado? Não podem. Mas, para ser honesto, já não podiam. É importante recordar que a decisão de fazer a transferência da embaixada norte-americana de Telavive para Jerusalém já foi tomada em 1995 e tem força de lei. Apenas se dá ao poder executivo a possibilidade de, a cada seis meses, adiar a decisão. É o que têm feito, sucessivamente, exibindo a absoluta hipocrisia da posição dos EUA neste conflito, já que eles próprios reconhecem a irresponsabilidade das suas decisões.

Tenho-o escrito várias vezes e repito: os EUA são os principais responsáveis pela crise do Médio Oriente. Ao tornar o debate sobre Israel num tabu interno – ao pé da fúria que cai sobre quem se atreva a criticar Israel o famoso “politicamente correto” é uma brincadeira de crianças –, a proteção política, militar e financeira dada àquele Estado tem sido incondicional.

Os EUA permitem, apoiam e por vezes até incentivam a violação constante de leis internacionais e regras básicas de relações com outros Estados. Israel transformou-se num Estado inimputável, que ocupa território, expropria terras e casas, expulsa pessoas, constrói colonatos em terra que não é sua e cerca povoações com muros, sabendo sempre que nada lhe acontecerá. Foi essa sensação de inimputabilidade que o levou a ultrapassar todos os limites até qualquer solução razoável ser impossível. A partir daqui, a crescente radicalização dos dois lados tornou-se inevitável.

É falsa a ideia de que Donald Trump está a agir ao arrepio da política norte-americana para o Médio Oriente. Não é preciso outra prova: Trump limitou-se a aplicar uma decisão que era adiada de seis em seis meses. O apoio incondicional a todas as invasões, ocupações, expropriações e crimes não nasceu com Trump. É filho do tabu que foi imposto à sociedade norte-americana (e europeia, mas com menor eficácia), em que qualquer debate sério sobre Israel se transforma numa acusação de antissemitismo, insultando, antes de tudo, a própria memória do povo judeu. O que Trump está a fazer, talvez por ser mais ignorante do que os seus antecessores ou por ser um sociopata sem qualquer preocupação pelas repercussões dos seus atos, é levar a sério a retórica dominante na política norte-americana. Ele não é a exceção, é a consequência. Exceção tentaram ser, sem qualquer sucesso, Jimmy Carter e Barack Obama. Um continuou ao longo da vida, o outro desistiu à primeira resistência.

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