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segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Ladrões de Bicicletas


Pecados pouco originais

Posted: 18 Dec 2017 01:47 AM PST

Desde a passada 2ª feira, desde a conferência de imprensa da equipa política do Ministério do Trabalho sobre o caso Raríssimas, que o ministro Vieira da Silva ficou sob os holofotes.
O facto de ter sido vice-presidente da assembleia geral de 2013 a 2015 que aprovou as contas da instituição, colocou-o numa posição de fragilidade.
Apesar de ter afirmado que, antes de 2015, assumiu "a responsabilidade na instituição, em cargo não executivo, com um sentido de intervenção cívica"; apesar de ter dito que, entre 2013 e 2015 nunca tivera "nenhuma denúncia ou indicação ou facto que me tivesse colocado a mais pequena dúvida"; apesar de ter repetido que, enquanto ministro, nunca tomou conhecimento de factos ou denúncias, e que as denúncias feitas tinham sido endereçadas e tratadas pelo Instituto da Segurança Social que já desencadeara uma inspecção a 31/7/2017, que foi acelerada quando o caso se tornou público; apesar de tudo isso, a demora na inspecção iniciada e sem resultados aparentes, sem que o denunciante - o tesoureiro - tivesse sido ouvido (diz a TVI), deixou - a julgar pelas perguntas feitas pelos jornalistas - a sensação não explicada nem clarificada pelos jornalistas de favorecimento, conivência ou apenas de extremo incómodo a ponto de lhe perguntarem se manteria "condições para ser ministro".
Claro que o ataque da direita a Vieira da Silva não é inocente: cavalga a onda e fere um elemento chave do Governo que é a cara da política social do Governo que está a desfazer a do governo anterior, tão cara à direita (Leia-se o post anterior de Nuno Serra). Até o presidente da República participa, mesmo quando reage dizendo que é prematuro suscitar a questão.
Mas o ministro está sob os holofotes sob nenhuma acusação em concreto. E tudo em geral. A razão nunca é dita, mas está subliminarmente traçada. Quem aceita um cargo social numa instituição onde espera não passar muito tempo, a ponto de não estar a par do que lá se passa, empresta a sua foto para qualquer coisa. Pode ser benignamente para mostrar o interesse político em geral por causas difíceis, mas a sua imagem pode ser usada para abrir "portas", mesmo que o dono da imagem não se aperceba disso - por inocência? - ou não queira saber se isso aconteceu ou espoera que a natureza das "portas" seja a melhor. Ou seja, é potencialmente culpado mesmo que não o seja.
Acontece que Vieira da Silva não está nem esteve só nesse pecado, que é aliás, um pecado muito pouco original. Mais de metade do Parlamento detém cargos sociais em diversos tipos de entidades. Não é por acaso que o PSD, por exemplo, tenha escolhido uma deputada para criticar publicamente Vieira da Silva, que não ocupa qualquer cargo social em instituições (Clara Marques Mendes). Já o CDS é mais difícil porque quase todos têm e dão mostras de estar um pouco arredados do processo de intenções.
A partir da página do parlamento, é pois possível verificar que as listas de entidades em que os deputados participam - sabe-se lá com que controlo sobre as suas contas - são das mais variadas. E de diferentes graus de cumplicidade. Vão desde empresas privadas (algumas relacionadas com sectores importantes, como águas, construção ou financeiro), passando por IPSS e Misercórdias, Fundações, clubes de futebol ou de outras modalidades, associações profissionais, locais, culturais. Para uma vistoria mais completa, queira inspeccionar-se a lista seguinte:
PSD
Álvaro Batista
Amadeu Albergaria
António Costa da Silva
António Leitão Amaro
António Lima Costa
António Topa
Bruno Vitorino
Carla Barros
Carlos Neves
António Carlos Peixoto
Catarina da Silva
Critóvão Crespo
Cristóvão Norte
Duarte Marques
Duarte Pacheco
Emídio Guerreiro
Emília Moreira dos Santos
Fátima Ferreira
Feliciano Duarte
Fernando Jesus
Fernando Macedo
Firmino Pereira
Inês Lopes Domingos
Isaura Pedro
Joel Sá
Jorge Oliveira 
José Matos Corrreia
José Manuel Matos Rosa
José Lopes Silvano
Laura Monteiro Magalhães
Luís Campos Ferreira
Luís Manuel Leite Ramos
Luís Montenegro
Fernando SoaresVales
Manuel Frexes
Margarida Sousa Lopes
Margarida Simões Lopes
Mercês Soares
Maria Luís Albuquerque
Manuel Pereira Tender
Maurício Marques
Nilza Mouzinho de Sena
Nuno Carvalho Serra
Pedro do Ó Ramos
Pedro Pimpão
Pedro Pinto
Pedro Roque Oliveira
Ricardo Baptista Leite
Rui Mendes Riso
Sandra Pereira
Teresa Leal Coelho
Ulisses Pereira
CDS
Álvaro Castelo Branco
Ana Rita Duarte Bessa
Cecília Meireles
António Anacoreta Correia
Filipe Lobo D'Ávila
Helder Amaral
João Almeida
João Rebelo
Patrícia Mattamouros
Paulo Rios de Oliveira
Pedro Mota Soares
Sara Madruga da Costa
Sérgio Azevedo
Teresa Caeiro
Vânia Barros
PS
António Gameiro
Ascenso Simões
Pedro Bacelar de Vasconcelos
Carla Tavares
Catarina Silva
Constança Urbano de Sousa
Diogo Rodrigues
Edite Estrela
Fernando Anastácio
Francisco Rocha
Gabriela Canavilhas
Hortense Martins
Hugo Carvalho
Hugo Santos Costa
Idália Serrão
Joana Ferreira Lima
João Azevedo e Castro
João Gouveia
João Izidoro Marques
João Correia
João Soares
João Silva Torres
Joaquim Almeida Barreto
José Carpinteira
José Miguel Medeiros
José Duarte Cruz
Lara Martinho
Luís Graça Nunes
Luís Testa
Luís Vilhena
Maria Antónia Almeida Santos
Maria da Luz Gameiro
Marisabel Moutela
Norberto Lopes
Paulo Cesar Oliveira
Paulo Trigo Pereira
Pedro Simões Alves
Pedro Coimbra
Ricardo Bexiga
Ricardo Leão
Santinho Pacheco
Sofia Araújo
Susana Lamas
Tiago Barbosa Ribeiro
Vitalino Canas
PCP
Ana Mesquita
Bruno Dias
João Ramos
Paula Barbosa
Paulo Sá
BE
Catarina Martins
Jorge Costa
Jorge Falcato
José Manuel Pureza
José Medeiros
José Soeiro
José Carvalho de Ascensão

O Estado e o escrutínio do Terceiro Setor

Posted: 17 Dec 2017 05:16 PM PST

1. A direita que hoje tenta circunscrever o caso da Raríssimas a uma questão de «falhas do Estado» é a mesma direita que, nos anos do «ajustamento», reforçou significativamente o financiamento do Terceiro Setor, quando ao mesmo tempo cortava a eito nas prestações sociais e nos serviços públicos de proteção social. Isto é, a mesma direita que desqualificou e degradou as respostas (como sucedeu na substituição do RSI pelas cantinas sociais), que diminuiu os mecanismos de regulação (dispensando por exemplo a validação de contas por um ROC) e que reduziu a capacidade inspetiva do Estado (com os cortes, por exemplo, nos recursos humanos do Instituto de Segurança Social). Ou seja, a direita que quer que o Estado não perturbe a «autonomia» e não se intrometa nas lógicas de funcionamento próprias das IPSS (com o argumento de que estão mais próximas dos problemas e que sabem e fazem melhor) é a mesma direita que quer que o Estado as financie e esteja sempre pronto para assumir responsabilidades se as coisas correrem mal.
2. Sucede porém que se há domínio de atividade das IPSS e demais organizações do Terceiro Setor em que encontramos, apesar de tudo, um quadro de regras claro e patamares mais elevados de transparência e de escrutínio é, justamente, na esfera dos contratos que se estabelecem entre o Estado e estas entidades, tendo em vista a implementação, no terreno, de medidas de ação social. Com efeito, ao contrário do que tende a suceder com outros mecanismos de financiamento (como os donativos individuais ou de entidades coletivas), a atribuição de apoios públicos às organizações do Terceiro Setor é feita a partir de critérios de elegibilidade e de fixação de montantes de referência por utente que se aplicam a todas as entidades, anulando por conseguinte as margens de discricionariedade e possibilitando a verificação de casos de favorecimento injustificado, para além de serem deste modo criadas, à partida, condições adequadas para acompanhar a atividade e avaliar o resultado e impacto dos apoios concedidos.
3. Face aos problemas estruturais e entorses endémicos associados ao Terceiro Setor em Portugal (veja-se a este propósito o retrato muito claro traçado por Pedro Adão e Silva num programa televisivo da semana passada), e nunca sendo demais sublinhar que se trata de um universo de organizações muito heterogéneo - composto por entidades com práticas a todos os títulos exemplares e por outras em que se pode dizer impera a fraude instituída - percebe-se a tentação para encarar casos como o da Raríssimas como sendo «absolutamente excecionais» no que à gestão privada diz respeito e para, no resto, atirar de imediato e levianamente as responsabilidades para cima do Estado, que tem no nosso país as costas muito largas.
4. Compreende-se que casos como o da Raríssimas, entre outros, belisquem a imagem de um incensado Terceiro Setor, sobre o qual recai frequentemente, por diversas e válidas razões, uma certa ideia de benevolência, despojamento, altruísmo e generosidade. Mas se se quer que os problemas estruturais de muitas destas organizações se resolvam e as suas práticas melhorem substancialmente, superando uma espécie de pré-modernidade que as carateriza, não basta apontar o dedo ao Estado e a «falhas na regulação». De facto, se há aspetos a melhorar em termos de escrutínio público, na esfera da contratualização com estas entidades (reforçando por exemplo os princípios de equidade no acesso e fomentado a generalização de modelos de intervenção mais emancipatórios), o essencial estará por fazer na esfera da gestão privada destas organizações (incrementando por exemplo os níveis de democraticidade, transparência e participação). Isto é, na esfera da dita «sociedade civil».
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