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segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

O dedo de Varoufakis e a cara de Scarlett Johansson

O que acontece quando uma figura pública, como um político, é apanhada a fazer ou dizer algo impróprio num vídeo que acaba por correr a Internet? E o que acontece quando esse político desmente o vídeo, afirmando categoricamente que aquela imagem não é dele? Raramente o desmentido, mesmo que verdadeiro, tem a eficácia das imagens originais.

Em 2015, circulou um vídeo do então ministro das Finanças grego Yanis Varoufakis a dizer que os gregos deviam mostrar o dedo do meio aos alemães. Acompanhava a afirmação com o respectivo gesto. Varoufakis assegurou que o vídeo era uma montagem, mas a desculpa não parecia convincente. A imagem era clara, a voz era a de Varoufakis, aquele discurso frente a uma plateia tinha existido. E o dedo, ao que tudo indicava, tinha sido visivelmente erguido. Na verdade, Varoufakis era o autor daquela frase (algo que o próprio nunca negou), mas o dedo em riste foi o resultado de uma montagem profissional, feita em estúdio por um programa humorístico alemão, que recorreu a um duplo (de dedo) do protagonista. Foi preciso que o apresentador do programa desencapotasse a farsa para pôr fim a uma polémica com potenciais impactos na economia europeia.

Mais recentemente, a cara da actriz Scarlett Johansson, bem como a de outras artistas famosas, acabou justaposta ao corpo pouco vestido de outras actrizes, num tipo de filme que não recebe nomeações para os Óscares. Mas há uma grande diferença em relação ao dedo de Varoufakis: estes vídeos foram feitos com ferramentas de inteligência artificial open source (que estão ao dispôr de todos), incluindo uma ferramenta criada por uma equipa do Google. As imagens das caras foram obtidas a partir das muitas fotografias e vídeos publicados online.

Actrizes famosas inseridas em filmes pornográficos é um género antigo. Mas a pessoa que partilhou estes vídeos diz ter criado um sistema de inteligência artificial que aprende a ser cada vez melhor a colocar a cara de uma pessoa no corpo de outra, o que permite automatizar o processo. O poder de processamento necessário não é extraordinário: um bom computador pessoal chega para a tarefa.

Este tipo de montagem com inteligência artificial ainda não está ao alcance de qualquer um (o autor daqueles vídeos não se quis identificar, mas disse ser um programador com interesse em aprendizagem automática, ou machine learning). Mas não é implausível acreditar que, mais cedo do que tarde, alguém fará uma aplicação para isto. Mesmo que a actriz famosa venha depois negar ser ela nas imagens, muitos nunca terão conhecimento destas afirmações, e outros optarão por decidir que são falsas: já viram a actriz de Hollywood num filme pornográfico e essa é a sua realidade.

É fácil perceber que isto pode ter contornos mais sérios. Com a graça da Internet, da inteligência artificial e da "criatividade" humana, caminhamos para um mundo onde o “ver para crer” não funciona. Já está a ser pantanoso.

Digno de nota
- O Facebook decidiu perguntar: “Passar tempo nas redes sociais é mau para nós?” É significativo que a rede social esteja num momento de introspecção (ou talvez seja apenas relações públicas; ou um misto de ambos). Já tinha sido o tema da edição anterior desta newsletter.
- Miguel Esteves Cardoso diz que o novo Kindle não dá para ler e que a versão anterior era melhor. Por cá, continuamos fãs de modelos mais antigos (circa 2012), sem ecrã sensível ao toque: leves, finos e com botões físicos para “virar as páginas”. A Amazon já não os vende, mas é possível encontrá-los em segunda mão e podem ser uma boa prenda.
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