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sábado, 2 de dezembro de 2017

Os votos que o “Observador” não conta

por estatuadesal

(Isabel Moreira, in Expresso Diário, 02/12/2017)

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Esta quinta-feira, o PCP votou contra o voto de pesar pela morte de Belmiro de Azevedo. O BE absteve-se. Os restantes partidos votaram favoravelmente.

Não tenho nada contra o facto de se criticar a posição do PCP e do BE, mas gostava de um pouco de apego coerente aos valores do Estado de direito.

Os ideólogos inevitáveis do “Observador”, por escrito e em vídeo pedagógico, concretamente Rui Ramos e José Manuel Fernandes, apressaram-se a expor o seu horror àqueles Partidos, tendo por impossível que António Costa torne a economia mais competitiva, a segurança social mais sustentável ou o Estado mais eficiente com estes horripilantes parceiros.

Rui Ramos pergunta mesmo qual é o mundo de António Costa.

Tudo bem, é uma opinião livre.

Ora, eu também tenho, assim de repente, uma opinião livre: onde está a indignação democrática de Ramos e Fernandes quando, na mesma quinta-feira, uma Deputada do CDS, Ilda Araújo Novo, se absteve no voto de condenação e pesar por ocasião do Dia da Memória Trans? Estamos a condenar a morte de centenas de pessoas, mas há uma Deputada que não aprova que se condene a morte de pessoas, à conta de crimes de ódio, se as pessoas em causa forem pessoas trans.

Dir-me-ão: bom, é só uma Deputada, não é significativo. Pois eu tenho por impressionante que a causa da não condenação de crimes de ódio seja o horror a gente de carne e osso protegida pela nossa Constituição e pelas Organizações Internacionais de que Portugal faz parte.

Se Ramos e Fernandes não se impressionam que ainda haja, no Parlamento, quem desdenhe a morte de pessoas trans, vamos a outros exemplos, pronto.

Como já escrevi noutro artigo, no dia 7 de julho, o PS apresentou um voto de saudação pela aprovação pelo parlamento alemão da igualdade no acesso ao casamento. O voto foi aprovado, mas com a abstenção de todo o PSD e com o voto contra de todo CDS. Estranhamente, não houve uma notícia sobre o sucedido. Ainda é tido por “normal” que Partidos democráticos assumam a homofobia na casa da democracia. Ainda é tido por aceitável o argumento de que se não é homofóbico, “mas” é-se contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou contra o reconhecimento da homoparentalidade. As pessoas em causa ficam ofendidas se vemos nelas homofobia ativa, como se as adversativas que colocam à aceitação das pessoas LGBT não fossem a recusa dessas mesmas pessoas como cidadãs e cidadãos iguais em direitos e em dignidade a todos os outros.

Vivemos numa democracia cujo Parlamento alberga Partidos que discriminam institucionalmente as pessoas LGBT, Partidos homofóbicos quando votam contra ou se abstém num voto como aquele do PS. Acontece que não há alarme social e na imprensa reina o silêncio. Ninguém acusa o CDS e o PSD de homofobia. Afinal era um voto sobre o fim de uma discriminação legal dos homossexuais e não sobre o fim de uma discriminação legal das mulheres ou de uma etnia. Se fosse um voto desse tipo, talvez Ramos e Fernandes se indignassem, explicando que a Constituição consagra a igualdade de género e a proibição de discriminação racial. Mas, ups, estava em causa a não discriminação em função da orientação sexual, também constitucionalmente garantida, mas “é diferente”. Onde estavam Ramos e Fernandes?

Em março de 2016, foi com os votos contra do PSD, do CDS e do PCP que o Parlamento chumbou os votos propostos pelo PS e pelo BE que condenavam a aplicação de penas de prisão aos 17 ativistas angolanos por um tribunal de Luanda.

Onde estavam Ramos e Fernandes quando PSD e CDS tiveram medo do regime de Angola (do qual beneficiam) e o PCP o apoiou?

Talvez questões de direitos humanos não sejam, na pregação do “Observador”, aquilo que nos faz ser um “Estado eficiente”.

A sério?

Qual é o mundo de Ramos e Fernandes?

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