Quotas, caciques e eleições internas
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1- Segundo o Expresso, na concelhia de Lousada, num fim de semana, os militantes do PSD com direito a voto passaram de 60 a 670. Um exemplo, entre muitos, do que está a acontecer com o aproximar do prazo para o pagamento de quotas e define quem pode votar nas eleições para liderar o PSD. Está montado o festival de pagamentos em massa de quotas, dos 20 ou 30 militantes por morada, do aparecimento dos caciques a vender votos, dos sindicatos de votos. Numa expressão: o costume. Este tipo de fenómenos nem chega a merecer um encolher de ombros de quem tem por mister olhar para a política, quanto mais dos cidadãos pouco familiarizados com os partidos e com bem mais que fazer. Quem observa estes fenómenos acaba por fazer as análises como se fosse a coisa mais normal do mundo: "O tipo X consegue trazer 50 para votar", "eh pá, pois, mas o Y tem o Z que tem uns 40 que traz em quatro táxis do W". Há mesmo quem diga que é a ordem natural das coisas.
E tudo isto se passa diante dos olhos dos políticos que conseguem falar de grandes questões de Estado enquanto se recusam a perceber, ou preferem não ver, o que estes fenómenos corroem a democracia e a fé das pessoas nos processos democráticos.
É que este tipo de comportamentos, em larga medida, decide a eleição do presidente de um partido. E a conclusão que tem de se tirar é muito simples: o futuro líder do PSD e potencial primeiro-ministro vai ser eleito, em alguma medida, através de aldrabices. No mínimo, será alguém que conseguiu aldrabar mais do que o seu adversário. Repete-se, é isto novo? Claro que não. Tem-se repetido sistematicamente no PSD e, claro, no PS. É feito com a complacência ou, sejamos justos, com o elevado patrocínio dos candidatos que têm a falta de vergonha de olhar para isto tudo e nada dizer, que compactuam e nada fazem, antes ou depois de chegarem ao poder, para pôr um travão a isto.
Mas as consequências ultrapassam em muito o processo eleitoral - infeta os partidos até ao seu âmago. Se um qualquer cacique vai ao gabinete de um candidato e negoceia com ele votos de uns primos que só aparecem para votar e não sabem sequer o que estão a fazer, ou se o mesmo candidato manda pagar (alguns fingem ignorar, acontece muito...) quotas em massa, que tipo de mensagem julga que está a passar, que processos pensa que está a validar? Será muito surpreendente que o cacique depois exija uns cargos para uns primos que nem a arrumar carros arranjam trabalho? E com que cara o líder ou seu representante os vai negar? Que autoridade terá para punir um detentor de um sindicato de votos que arranja uns financiamentos esquisitos? No limite, como poderão os líderes do PSD ou do PS ter legitimidade para falar de moralização da política e de ética quando pactuam ou pactuaram com as práticas que ocorrem nas eleições internas dos seus partidos?
2 - Já fui dos que culpavam a reduzida participação cívica dos portugueses pela grande parte dos males que assolam sobretudo os principais partidos. Este deixa andar para depois criticar, o torpor que pagamos sempre tão caro e que nunca reconhecemos como causa para muitos dos males que sofremos. Basta já ter ido a uma reunião de pais ou condóminos para perceber o empenho que dedicamos a causas comunitárias. No entanto, culpar apenas ou principalmente os cidadãos pelo estado de coisas no partido é, no mínimo, precipitado. Ninguém duvida de que uma maior vontade de ação política por parte dos cidadãos nos partidos lhes traria mais saúde e provavelmente diminuiria as poucas vergonhas acima descritas. Mas ninguém pode negar a maneira como os partidos do centro (para falar só destes) criaram barreiras à entrada de pessoas que queiram participar, particularmente o PSD. E é evidente que, com todos os seus defeitos e sem negar que o mesmo tipo de chapeladas e similares acontece nesse processo, a abertura a não militantes do voto para a liderança ajudou a uma certa abertura do PS. Uma medida que veio, pelo menos, ajudar a remediar o erro histórico de fazer eleições diretas para líder do partido - não cabe aqui agora o debate, mas o processo atual diminui a vida democrática dos partidos.
As máquinas partidárias rejeitam quem traz novas ideias, quem acha que o modus operandi não é o melhor, quem contesta a organização. A máquina já não defende o partido, defende a sua sobrevivência. O PSD é hoje exemplo disso. Rezava a máxima política que o partido expelia quem pensava que não ia conquistar o poder. Neste momento, a máquina partidária está concentrada sim em manter-se a mandar no partido. Prefere um líder que garanta que nada muda no partido, mesmo que seja praticamente certo que não ganhará as legislativas, a um que a máquina pressente que a vai abalar, mesmo tendo mais possibilidades de ganhar eleições.
Seja como for, não se pode continuar a fechar os olhos ao enorme cambalacho em que se transformaram, em grande parte, os processos de escolha para líder dos principais partidos, como não se pode ignorar os efeitos nas suas vidas internas.
Por mim, já perdi a esperança de que mudem, que promovam a sua regeneração. Bem sei que interferir na vida dos partidos é atentar contra a sua capacidade de autorregulação, mas também sei que eles são neste momento, em muitos aspetos, local de más práticas, de péssima propaganda à democracia. Algo tem de ser feito antes que seja demasiado tarde.
1- Segundo o Expresso, na concelhia de Lousada, num fim de semana, os militantes do PSD com direito a voto passaram de 60 a 670. Um exemplo, entre muitos, do que está a acontecer com o aproximar do prazo para o pagamento de quotas e define quem pode votar nas eleições para liderar o PSD. Está montado o festival de pagamentos em massa de quotas, dos 20 ou 30 militantes por morada, do aparecimento dos caciques a vender votos, dos sindicatos de votos. Numa expressão: o costume. Este tipo de fenómenos nem chega a merecer um encolher de ombros de quem tem por mister olhar para a política, quanto mais dos cidadãos pouco familiarizados com os partidos e com bem mais que fazer. Quem observa estes fenómenos acaba por fazer as análises como se fosse a coisa mais normal do mundo: "O tipo X consegue trazer 50 para votar", "eh pá, pois, mas o Y tem o Z que tem uns 40 que traz em quatro táxis do W". Há mesmo quem diga que é a ordem natural das coisas.
E tudo isto se passa diante dos olhos dos políticos que conseguem falar de grandes questões de Estado enquanto se recusam a perceber, ou preferem não ver, o que estes fenómenos corroem a democracia e a fé das pessoas nos processos democráticos.
É que este tipo de comportamentos, em larga medida, decide a eleição do presidente de um partido. E a conclusão que tem de se tirar é muito simples: o futuro líder do PSD e potencial primeiro-ministro vai ser eleito, em alguma medida, através de aldrabices. No mínimo, será alguém que conseguiu aldrabar mais do que o seu adversário. Repete-se, é isto novo? Claro que não. Tem-se repetido sistematicamente no PSD e, claro, no PS. É feito com a complacência ou, sejamos justos, com o elevado patrocínio dos candidatos que têm a falta de vergonha de olhar para isto tudo e nada dizer, que compactuam e nada fazem, antes ou depois de chegarem ao poder, para pôr um travão a isto.
Mas as consequências ultrapassam em muito o processo eleitoral - infeta os partidos até ao seu âmago. Se um qualquer cacique vai ao gabinete de um candidato e negoceia com ele votos de uns primos que só aparecem para votar e não sabem sequer o que estão a fazer, ou se o mesmo candidato manda pagar (alguns fingem ignorar, acontece muito...) quotas em massa, que tipo de mensagem julga que está a passar, que processos pensa que está a validar? Será muito surpreendente que o cacique depois exija uns cargos para uns primos que nem a arrumar carros arranjam trabalho? E com que cara o líder ou seu representante os vai negar? Que autoridade terá para punir um detentor de um sindicato de votos que arranja uns financiamentos esquisitos? No limite, como poderão os líderes do PSD ou do PS ter legitimidade para falar de moralização da política e de ética quando pactuam ou pactuaram com as práticas que ocorrem nas eleições internas dos seus partidos?
2 - Já fui dos que culpavam a reduzida participação cívica dos portugueses pela grande parte dos males que assolam sobretudo os principais partidos. Este deixa andar para depois criticar, o torpor que pagamos sempre tão caro e que nunca reconhecemos como causa para muitos dos males que sofremos. Basta já ter ido a uma reunião de pais ou condóminos para perceber o empenho que dedicamos a causas comunitárias. No entanto, culpar apenas ou principalmente os cidadãos pelo estado de coisas no partido é, no mínimo, precipitado. Ninguém duvida de que uma maior vontade de ação política por parte dos cidadãos nos partidos lhes traria mais saúde e provavelmente diminuiria as poucas vergonhas acima descritas. Mas ninguém pode negar a maneira como os partidos do centro (para falar só destes) criaram barreiras à entrada de pessoas que queiram participar, particularmente o PSD. E é evidente que, com todos os seus defeitos e sem negar que o mesmo tipo de chapeladas e similares acontece nesse processo, a abertura a não militantes do voto para a liderança ajudou a uma certa abertura do PS. Uma medida que veio, pelo menos, ajudar a remediar o erro histórico de fazer eleições diretas para líder do partido - não cabe aqui agora o debate, mas o processo atual diminui a vida democrática dos partidos.
As máquinas partidárias rejeitam quem traz novas ideias, quem acha que o modus operandi não é o melhor, quem contesta a organização. A máquina já não defende o partido, defende a sua sobrevivência. O PSD é hoje exemplo disso. Rezava a máxima política que o partido expelia quem pensava que não ia conquistar o poder. Neste momento, a máquina partidária está concentrada sim em manter-se a mandar no partido. Prefere um líder que garanta que nada muda no partido, mesmo que seja praticamente certo que não ganhará as legislativas, a um que a máquina pressente que a vai abalar, mesmo tendo mais possibilidades de ganhar eleições.
Seja como for, não se pode continuar a fechar os olhos ao enorme cambalacho em que se transformaram, em grande parte, os processos de escolha para líder dos principais partidos, como não se pode ignorar os efeitos nas suas vidas internas.
Por mim, já perdi a esperança de que mudem, que promovam a sua regeneração. Bem sei que interferir na vida dos partidos é atentar contra a sua capacidade de autorregulação, mas também sei que eles são neste momento, em muitos aspetos, local de más práticas, de péssima propaganda à democracia. Algo tem de ser feito antes que seja demasiado tarde.
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