ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX
OPINIÃO
Mas, afinal, onde é que está a grave infracção política ou ética? Será que, de repente, um ministro já não pode ser convidado ou solicitar um lugar de acordo com a natureza do cargo e a segurança ajustada ao mesmo?
8 de Janeiro de 2018, 14:06
Num assomo de purismo e num exercício de indisfarçável excitação, eis que surgiu uma pseudo querela à volta de Mário Centeno. Tudo por causa de dois lugares por ele solicitados para ver um jogo de futebol no Estádio da Luz.
Colocando de parte a agora moda de tudo pôr em causa quando se trata do Benfica, a notícia foi-nos oferecida com foros de grave violação do código de conduta governamental.
Estas notícias têm o risco de tudo confundir, misturar ou igualizar. É como se, em matemática, se valorassem do mesmo modo o zero e o infinito, o número real e o número imaginário, o ângulo de 0º e o ângulo raso de 180º.
Em faits-divers como este, a medida não está na essência, está, antes, na sua excitabilidade. A sua bitola não está na sua relevância, está mais na sua quase vacuidade. A sua marca não está na sua pertinência, está na sua conveniência. O seu eco não está na cabeça, antes deambula sorrateiramente entre a epiderme e o coração.
Algum “povo” até gosta destas coisas, porque assim se anima o sentimento à flor da pele de quem uniformiza a apreciação de todos os políticos como tendencialmente corruptos, desonestos e incompetentes. Eis uma forma e um pretexto para mais bater, sem pestanejar, nos outros. Sempre os outros, nunca os próprios.
Este tipo de notícias apressa e alarga o juízo fácil. Não dá trabalho, alimenta rumores, sossega consciências de quem se julga 100% imaculado e fornece energia gratuita para o recorrente, informe e insidioso “são todos iguais”.
Estas noticiazecas são sempre apetitosas. Juntar no mesmo “caldo” um membro do Governo, um responsável pelas Finanças, um clube que suscita amores e ódios e um jogo de futebol é quanto baste para preencher a primeira página de um jornal, entrar leda e prioritariamente num alinhamento de um noticiário televisivo, encher as caixas de comentários e quebrar a rotina do quotidiano.
Mas, afinal, onde é que está a grave infracção política ou ética? Será que, de repente, um ministro já não pode ser convidado ou solicitar um lugar de acordo com a natureza do cargo e a segurança ajustada ao mesmo? Será que o ministro do Ambiente não pode ir para a bancada presidencial do Dragão ver o seu FC Porto? Será que o ministro do Trabalho ou o presidente da Assembleia da República não se podem sentar no camarote principal de Alvalade para ver um jogo do seu Sporting? Será que o primeiro-ministro, o ministro das Finanças ou outro qualquer estão sujeitos a julgamentos primários instigados por notícias flamejantes se forem ver o seu clube jogar na Luz?
O exagero caminha inexoravelmente para tomar conta de tudo. Exagero que, aliás, pode ser por excesso ou por defeito. O exagero vive de sinais exteriores. Precisa de interlocutores que dele se apropriem. E que, de exagero em exagero, o propaguem. O exagero destas “investigações” é, para uns tantos, uma sentença transitada em julgado. Sem apelo nem agravo.
O Código de Conduta do Governo estipula que os seus membros não podem aceitar “convites para assistência a eventos sociais, institucionais ou culturais, ou outros benefícios similares, que possam condicionar a imparcialidade e a integridade do exercício das suas funções”.
Mas alguém, com seriedade e isenção, acredita que Mário Centeno poderá ter ficado condicionado na imparcialidade e integridade no exercício das suas funções como ministro das Finanças? Valha-nos Deus!
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