Translate

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

É preciso nascer duas vezes para ser mais sério do que Rio?

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 15/01/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

As denúncias que têm surgido sobre irregularidades eleitorais (é disso que se trata) em Ovar, envolvendo o diretor de campanha de Rui Rio, Salvador Malheiro, são um mau começo para o novo líder do PSD. Não acho que Rio tenha tido qualquer envolvimento no assunto. Aconteceu-lhe o que acontece a todos os que querem chegar à liderança dos grandes partidos: tiveram de contar com o apoio de aldrabões. Esta é uma das razões pelas quais as eleições diretas, abertas ou fechadas, nunca me convenceram. O Observador (Ver aqui), especialmente empenhado na disputa interna do PSD (Santana Lopes dava mais espaço interno ao Tea Party nacional que o jornal de José Manuel Fernandes representa), filmou tudo. Dirão, e eu suspeito que têm razão, que são assim todas as disputas internas no PSD. Mas para quem quer “limpar” o partido uma vitória “suja” não é o melhor começo.

Quando eu era dirigente do Bloco de Esquerda houve um camarada que, no meio de um debate acalorado, se saiu com esta frase vernácula: “Aqui não temos filhos da puta.” Eu não consegui deixar de o interromper: “Se não os temos é mau sinal, quer dizer que não contamos para nada.”

Em todos os comboios que podem dirigir-se ao poder entram oportunistas pouco honestos. E serão sempre os mais solícitos a ajudar aquele que apoiam a chegar ao poder por atalhos. Sempre assim foi. O currículo de grandes heróis, como Lincoln e Kennedy, está manchado com fraudes para vencer disputas eleitorais.

Só que a grande vantagem competitiva de Rio não são as suas propostas, não é um projeto para o país. A grande vantagem é a sua imagem de homem íntegro e independente do aparelho partidário. Para estreia de mandato, não podia haver pior do que isto. O problema de Rio é que, sem grandes capacidades oratórias nem grande sofisticação política, o seu único ponto forte será o seu calcanhar de Aquiles. Quem faz depender tudo do seu caráter é sempre mais escrutinado. E, nem que seja por causa dos seus colaboradores mais próximos, acaba sempre por ser tramado. Rio pode ter os seus Relvas? Cavaco estava rodeado deles e mesmo assim achava que era preciso nascer duas vezes para ser mais sério do que ele. Mas os tempos são outros.

O caso de Ovar e de Salvador Malheiro pode, no entanto, dar a Rio a oportunidade de mostrar que a promessa de “limpar” o partido não é, como por vezes parece, a ameaça de acabar com a oposição interna. Se Rio fizer deste um caso exemplar, demonstra que a moralização da vida partidária é mesmo um assunto sério para ele. Claro que isto levanta dois problemas. Ao fazê-lo reduz a legitimidade da sua própria vitória, enfraquecendo a sua posição até para essa moralização. E ao iniciar o seu mandato com um processo destes concentra ainda mais o foco da sua liderança na demanda moralizadora, tornando-se ainda mais vulnerável a este tipo de ataques. A política é tramada. E ainda mais tramada para quem tem pouca proposta política para apresentar.

Sem comentários:

Enviar um comentário