(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 22/01/2018)
Daniel Oliveira
Na última década a posição do Chile no índice Doing Business, que supostamente mede a facilidade de fazer negócios em cada país, sofreu uma enorme volatilidade. Uma volatilidade que coincidiu totalmente com os seus ciclos políticos. Entre 2006 e 2010, quando o Chile foi governado pela socialista Michelle Bachelet, caiu a pique. Durante a presidência de Sebastián Piñera (2010-2014), de direita, voltou a subir. E quando Bachelet regressou ao poder desceu de novo. Nestes 12 anos, as subidas andaram entre o 25º e o 57º lugar, o que faz da política económica chilena uma autêntica montanha russa.
A semana passada foi desvendado o mistério. O economista-chefe do Banco Mundial, Paul Romer, pediu desculpas ao Chile. As subidas e descidas nada tiveram a ver com mudanças reais na política chilena, mas com mudanças nos critérios usados. O facto de essas alterações coincidirem com as mudanças de ciclos políticos no Chile levou Paul Romer a assumir, no “The Wall Street Journal”, que os critérios terão sido “potencialmente contaminados pelas motivações políticas do pessoal do Banco Mundial”. Não é preciso dizer que esta revelação causou grande indignação no Chile e que a Presidente Bachelet, que em março volta a dar lugar a Piñera, exigiu uma investigação profunda ao sucedido. Os números destes anos serão recalculados, mas, como é evidente, os efeitos na credibilidade da economia chilena não são retroativos.
O responsável por este importante ranking, que serve de indicador para muitos investidores, era o boliviano Augusto López-Carlos, um economista que, para além de quadro de topo do Banco Mundial, já trabalhou no FMI, foi diretor do Programa de Competitividade Global do Fórum Económico Mundial e deu aulas na Universidade do Chile, em Santiago (o que explica o seu interesse político). Agora leciona na Universidade de Georgetown.
A fraude com o índice de competitividade empresarial do Chile, que só tem esta clareza porque o próprio Banco Mundial confessou as motivações políticas do seu executor, é apenas um caso extremo. Os organismos internacionais, com os quais enchemos a boca para procurar autoridade técnica nas nossas posições políticas, são organizações de poder. Políticas da cabeça aos pés. Assim como é política a hegemonia que as correntes neoliberais ganharam nas faculdades de economia. Nestes casos agravada pela mercantilização absoluta das universidades, prontas para dizer as verdades que quem paga quer ouvir.
A subordinação do discurso político à tecnocracia não é movida, ao contrário do que parece, por um imperativo de rigor nas decisões dos eleitos. É uma tentativa de transferência do poder de quem vota para quem supostamente “sabe”, tornando o debate político numa charada incompreensível e devolvendo às elites a capacidade única de decidir. O poder político sempre baseou as decisões no saber técnico. Nem podia ser de outra forma. O que é novo é a ideia de que o saber técnico substitui as escolhas políticas, como se o conflito de interesses e os diferentes destinos que se podem procurar pudessem ser esmagados por uma espécie de evidência matemática a que o bom governo se deve resumir. O crescente peso deste tipo de avaliações, que supostamente servem como indicador para os investidores (e que, como podemos ver com as agências de notação, em 2008, são totalmente permeáveis a todas as interferências), conheceu o seu Nirvana na União Europeia. A isso não é estranha a natureza antidemocrática que hoje marca todo o projeto europeu.
O que é velho é o cerco internacional a qualquer país que tente escolher um caminho diferente do que é tolerável pelo poder do dinheiro. E aí, as agências internacionais, sem qualquer vínculo a regras de transparência, sempre foram um instrumento de esmagamento da vontade democrática dos povos.
No caso do índice Doing Business (ele próprio necessariamente carregado de certezas ideologicamente construídas), o trabalho pode ter sido feito por um mercenário não respaldado por poderes superiores. Mas, no quotidiano, o principal papel destas instituições é o de “normalizar” as políticas. Não em defesa da democracia, da igualdade e do progresso, mas para proteger os interesses de quem pode pagar a inteligência de um exército diligente de economistas.
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