31.12.2017 às 20h
MARCOS BORGA
António Costa tem pela frente vários desafios: desde a consolidação da economia à reforma da floresta. Mas tanto no Governo como no PS há a mesma preocupação: os partidos da geringonça não devem andar em disputas entre si
Foi o próprio José Miguel Júdice que contou em público a conversa. Quando comentou com António Costa que tinha conseguido fazer a ‘geringonça’ funcionar, este respondeu-lhe: “Porque não haveria de ter conseguido?”. Este é o otimismo de sobra que se reconhece a António Costa. Bastará para enfrentar os vários desafios que terá pela frente num ano que será decisivo? O primeiro-ministro traçou publicamente como objetivos o aumento do emprego e a recuperação das áreas ardidas. Mas membros do Governo e dirigentes socialistas acrescentam outros desafios, que passam também pela ‘geringonça’ e pela estabilidade política.
O QUE FAZER COM ESTA ‘GERINGONÇA’?
2018 ainda não é um ano eleitoral, mas será o ano para alinhamentos de estratégias. Vêm aí as europeias e as legislativas e os partidos que fizeram a ‘geringonça’ vão ter de fazer um balanço do que conseguiram alcançar e se isso é suficiente para quererem seguir juntos. “Os três discursos [do PS, PCP e BE] não são coincidentes. Há uma incerteza como a maioria vai ler esta legislatura e como vai começar a preparar caminho”, analisa Paulo Pedroso, ex-ministro do Trabalho e um dos redatores da moção que Costa levou ao último congresso do PS. Pedroso nota, aliás, que mesmo o PS hesita entre pedir a maioria absoluta, continuar com a ‘geringonça’ ou eleger um dos parceiros como preferencial.
O momento vai ser, por isso, de posicionamentos. Já está a ser. “O BE em vez de pedir 5, passou a pedir 15”, sublinha um conselheiro de Costa, em tom crítico. “O desafio é pensar no país e no longo prazo, num quadro em que há a tentação do curto prazo. Os olhos devem estar postos na década e não a pensar em eleições. É importante que ninguém pense à esquerda que pode desperdiçar o tempo em campanhas eleitorais ou que ganha com disputas mais ou menos claras ou subtis”, avisa Porfírio Silva, membro do Secretariado do PS.
CUMPRIR PROGRAMA E EVITAR ELEIÇÕES ANTECIPADAS
Na mensagem de Natal, António Costa apontou como objetivo próximo libertar “recursos para investir responsavelmente na melhoria do nosso sistema de ensino, do serviço nacional de saúde, na modernização do país”. Palavras que PCP e BE gostaram de ouvir — têm feito pressão nesse sentido — mas que têm de ter tradução prática.
“Gostava muito que os entendimentos do PS, com BE PCP e PEV fossem em torno de investimento público e de reforço dos serviços. Não que esse reforço e investimento não estejam a acontecer, mas havendo convergência desses partidos sobre a importância dada a cada uma dessas áreas, devia procurar-se entendimentos concretos nessas áreas”, sublinha também o porta-voz do PS, João Galamba. O eurodeputado Francisco Assis tem dúvidas. “Esgotado praticamente o perímetro do acordo com os partidos de extrema-esquerda, as tensões ou se vão avolumar (gerando uma crise esclarecedora) ou ficam escondidas (adiadas)”, prevê, em declarações ao Expresso.
“Tem de se cumprir o programa do Governo”, diz, por seu turno, Porfírio Silva. Ora isso significa ajudar a cimentar a ‘geringonça’ e impedir uma cisão profunda em 2018. Algo que ninguém deseja.
“O terceiro ano de mandato será uma fase decisiva com o aproximar de eleições”, reconhece o ministro da Agricultura, Capoulas Santos, sugerindo que o Governo “cometa o menos possível de erros” — talvez aí seja também precisa mais coordenação política ou uma remodelação a sério. O desafio será “saber se o país conserva a estabilidade política”, reconhece Carlos César, convicto de que não haverá problema. “Não há indicadores de que alguém perderá o receio de perturbar a estabilidade”, diz, referindo-se aos parceiros de esquerda, e mesmo ao PSD: “Não o quererá fazer no primeiro ano da nova liderança, estará mais interessado em ter tempo. O PSD vai ser mais uma garantia de estabilidade política”.
GERIR RELAÇÃO COM MARCELO... E GERIR ALGUMA IRRITAÇÃO
Depois da fase do ‘tango a dois’, a relação Costa-Marcelo tornou-se mais tensa. E alguns socialistas não escondem a irritação, a espaços, com algumas atitudes do Presidente. Em 2018, ver-se-á como evoluirá a relação entre primeiro-ministro e Presidente (com o fator novo líder do PSD à mistura). “Do lado do PM, vejo que faz tudo o que pode para estimular a boa relação entre os dois órgãos de soberania”, diz Porfírio Silva, deputado e membro do secretariado nacional do PS, ao Expresso, dando voz a algumas críticas: “Podemos cair num processo disfuncional de a mais alta magistratura unipessoal cair na tentação de passar por cima de mecanismos de intermediação”. “Isso não pode acontecer em prejuízo de mecanismos normais”, acrescenta, referindo-se, nomeadamente, ao Executivo.
NÃO SER BOM NA EUROPA. SER EXEMPLAR
Com Mário Centeno na presidência do Eurogrupo, a exigência da Comissão Europeia a Portugal será previsivelmente maior. Francisco Assis aplaude que, no plano do “cumprimento dos compromissos europeus, o Governo tenha revelado enorme determinação” e espera, por isso, que isso se mantenha. Mas isso tem riscos internos. “Há uma certa irritação à esquerda com o facto de o Governo depositar o seu sucesso na redução do défice [1,1% em 2018] e da dívida”, reconhece um dos conselheiros de Costa.
“A capacidade que o Governo teve de conjugar as metas orçamentais com o seu programa de Governo e com os apoios à esquerda foi bem-sucedida, mas isso não significa que não seja extremamente complexa. Essa complexidade vai manter-se”, declara João Galamba, porta-voz do PS. O fim do ano mostrou como as greves da função pública e vários protestos sectoriais voltaram em força. E aumentarão de tom em 2018.
PUXAR PELA ECONOMIA E PELOS FUNDOS
As previsões são de desaceleração do ritmo de crescimento económico (2,2% depois de 2,6 este ano) e, por isso, o Governo (reforçado com Pedro Siza Vieira na parte económica) vai estar centrado no apoio às empresas. Isso será determinante para haver mais dinheiro para distribuir, cumprir o programa de Governo e os acordos de esquerda mas também para continuar a aumentar o emprego. “O emprego está no centro da nossa capacidade de conquistar o futuro. Não apenas mais, mas melhor emprego. Essa é a prioridade que definimos para o ano de 2018”, declarou Costa na mensagem de Natal.
“Em 2018 vamos cumprir o OE, o que inclui reformas, muitas centradas nas empresas e nas linhas de capitalização e investimento, redirecionar o investimento público, descentralização, reforma das florestas, e ainda negociar o próximo quadro de fundos europeus”, resume o líder parlamentar e presidente do PS, Carlos César.
Por outro lado, Portugal vai ter de se preparar para o risco de, no final do ano, perder o apoio da compra de dívida por parte do BCE. “O Governo está a fazer o que é possível. Vamos ver se o tamanho do nosso barco tem força suficiente para aguentar as ondas”, diz Paulo Pedroso.
FAZER A REFORMA DA FLORESTA SEM MAGIAS
Vai ser um ano decisivo para a reforma da floresta e da proteção civil. Dia 1, por exemplo, entra em vigor o regime de incentivos fiscais para empresas que giram a floresta. Em março, começam a ser feitos os novos planos regionais de ordenamento florestal. “Vamos acelerar a reforma da floresta. Mas não há soluções mágicas na mão”, explica o ministro da Agricultura. Faltam cinco meses para começarem novas vagas de calor e ainda estão bem presentes o sofrimento e prejuízos provocados pelos incêndios de junho e outubro. “Reafirmo, perante os portugueses, o compromisso de fazer tudo o que tem de ser feito para prevenir e evitar, naquilo que é humanamente possível, tragédias como a que vivemos.
Melhorando a prevenção, o alerta, o socorro, a capacidade de combater as chamas”, prometeu Costa na mensagem de Natal. Será que até maio haverá novo dispositivo de proteção civil a funcionar em pleno? A reforma da floresta, essa, vai demorar a produzir efeitos.
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