27.12.2017 16:50 por Alexandre R. Malhado645
Juíza que absolveu Carrilho diz que havia um "clima de harmonia" no casal. Para sustentar as conclusões, usa declarações públicas de Bárbara Guimarães e uma noite na discoteca Jamaica.
Em Portugal também existem casais desproporcionais.
Sábado
Um caso que já tem dois pontos de vista diferentes para o mesmo crime. Em menos de dois meses, dois julgamentos distintos tiveram desfechos diferentes para Manuel Maria Carrilho, que é arguido em processos por violência doméstica contra Bárbara Guimarães, a sua ex-mulher.
Para o Juízo Central Criminal de Lisboa, que condenou no fim de Outubro o antigo ministro da Cultura a quatro anos e seis meses de prisão com pena suspensa por oito crimes de violência doméstica, ameaça, ofensas à integridade física, injúrias e denúncia caluniosa, "o arguido actuou em todas as ocasiões com o propósito de humilhar, denegrir e maltratar física e psicologicamente" a apresentadora.
Contudo, no dia 15 de Dezembro, a Secção Criminal da Instância Local de Lisboa considerou que "este processo está nos antípodas de uma relação de aterrorizamento, de rebaixamento da dignidade, de domínio e de neutralização da vontade, de um dos membros do casal sobre o outro", frisando que Bárbara Guimarães "se determinasse a 'representar' perante a comunicação social". Com prova pericial inconclusiva e com testemunhas a ilibarem o antigo ministro, Manuel Maria Carrilho foi absolvido das acusações de violência doméstica.
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Havia um "clima de harmonia" entre Bárbara e Carrilho?
Afinal, em que se sustenta a decisão da juíza Joana Ferrer — que foi alvo de dois pedidos de escusa do advogado de Bárbara Guimarães e do MP por acusações de beneficiar o arguido - de absolver Manuel Maria Carrilho?
Além das várias testemunhas do processo e de uma ausência de um relatório pericial de dano corporal, a juíza sustentou-se em declarações feitas por Bárbara Guimarães entre Janeiro de 2011 e Junho de 2013, que revelam, na opinião de Ferrer, um "clima de harmonia entre o casal".
"A Assistente [Bárbara Guimarães], nas cerca de vinte declarações públicas que fez entre Janeiro de 2011 e Junho de 2013, sem denotar quaisquer constrangimentos ou reservas, traçou, da sua relação com o então marido, aqui arguido, um quadro que está verdadeiramente nos antípodas das descrições de violência doméstica e que terão levado à abrupta ruptura da relação conjugal, em Outubro de 2013", lê-se na sentença, a que a SÁBADO teve acesso.
A SÁBADO escolheu três frases da apresentadora analisadas durante o processo que correu na Secção Criminal da Instância Local de Lisboa, e que culminou na absolvição de Manuel Maria Carrilho.
"Ao meu marido, que me tem aturado..." (20 de Abril 2013, jantar de aniversário)
É um dos episódios de maior destaque no processo. No mesmo mês em que falaram pela primeira vez sobre a possibilidade de separação, Bárbara Guimarães deu uma "grande festa" no restaurante Can The Can, em Lisboa, entre amigos e o então marido - e terá feito um discurso elogioso a Carrilho.
Segundo a gravação da festa descrita pela juíza, a apresentadora "refere que estão ali as pessoas que mais ama, explicitando que, entre elas, se encontrava 'o meu marido'. Além disso, agradeceu a presença do marido de uma forma que mereceu destaque no processo: 'que me tem aturado'".
Como presente de aniversário, duas amigas ofereceram à apresentadora um cão. O arguido irritou-se com o facto e foi, como o próprio admitiu, "pouco simpático" para as convidadas. No capítulo dos "factos provados" do processo, lê-se uma "razão elementar e clara" para a irritação do antigo ministro: "A assistente [Bárbara Guimarães] tinha tido, durante cerca de doze anos, uma cadela, a Lola, a que estava muito ligada, e que tinha morrido num acidente, atropelada, cerca de dois anos antes".
Como presente de aniversário, Carrilho oferecera à apresentadora uma viagem e estadia durante oito dias no Rio de Janeiro. Ambos fizeram a viagem ainda nesse mês e, segundo a Secção Criminal da Instância Local de Lisboa, a apresentadora enviou uma SMS a uma "amiga próxima" a dizer que "estava tudo magnifico" na viagem.
Ainda nessa mesma noite de aniversário, pelas quatro da manhã, Bárbara Guimarães quis prolongar a celebração na discoteca Jamaica. Contudo, "sem insultar" a apresentadora, Carrilho disse que não acompanhou a então esposa porque, segundo o próprio, "alguém tinha de tratar das crianças".
"Eu levaria [para uma ilha paradisíaca] uma garrafa de whisky ou vodka ou coisa assim" (17 de Maio de 2013 no programa Curto Circuito)
É um facto: verificou-se em Bárbara Guimarães uma série de hematomas - e Carrilho garante que essas lesões são provenientes de quedas após a ingestão de álcool.
Para o antigo ministro, conta o processo, "os hematomas ou ferimentos nas zonas do corpo atingidas, e que a Assistente então evidenciava, prende-se com a ingestão de álcool que a mesma fazia quase diariamente, e com consequentes quedas".
Uma das declarações públicas de Bárbara Guimarães mencionadas pelo tribunal no que diz respeito a este assunto aconteceu no programa da SIC Radical, Curto Circuito. Para responder à pergunta "o que levaria para uma ilha paradisíaca", a queixosa diz - em tom de brincadeira - "uma garrafa de whisky ou vodka".
Entre os factos provados, a juíza considera "as únicas declarações que perturbaram o clima de harmonia entre o casal tiveram, quase exclusivamente, por motivo aquilo que o arguido entendia ser um excessivo consumo de álcool" por parte da então esposa.
O arguido relaciona o consumo de álcool com o mau momento da carreira da apresentadora em 2013, com "o fim de contratos de publicidade (Seat, BCP ou a L'Oréal)". "São dados objectivos com os quais a assistente teve dificuldade em lidar", lê-se no documento.
Contudo, a juíza Joana Ferrer não apurou a origem das lesões. Mas conclui: "o arguido não agrediu a assistente fisicamente", nem "em termos psicológicos". Esta conclusão vai contra os factos provados no outro processo levado a cabo pelo Juízo Central Criminal de Lisboa. Segundo esse acórdão, a que a SÁBADO também teve acesso, ficou provado, "nos dias 21-05-2014, 30-05-2014, 15-10-2014, que o arguido, além de ofender a assistente [Bárbara Guimarães] com expressões 'tarada', 'ordinária', 'puta', 'cabra', 'vaca' e 'animal', agrediu-a fisicamente".
A juíza considera que a apresentadora deveria ter ido ao Instituto de Medicina Legal, para que as agressões ficassem documentadas: "Um relatório pericial de dano corporal seria, seguramente, um fortíssimo e decisivo elemento de prova a apresentar num julgamento por crime de violência doméstica". Guimarães diz que o não fez por "vergonha".
"Recorri a um grande leitor da minha casa, que lê muito, escreve muito, pensa muito" (19 de Junho de 2013, programa da SIC "Boa Tarde")
Além das alegadas agressões, também é referido pela queixosa que Carrilho se "isolava da família", refugiando-se no sótão.
Segundo o processo, o sótão era uma "divisão luminosa" de cerca de 100m2, e lá estava instalado o escritório e a biblioteca com milhares de volumes. Carrilho trabalhava lá e, segundo o processo, os seus filhos tinham "uma carteira escolar ao estilo dos anos 60", recantos próprios para brincar" e "uma mesa de bilhar".
Ferrer diz que o sótão era "um lugar de sonho" para a família - e não "uma divisão sombria onde o arguido se refugiava para se afastar do convívio". "Era uma importante e bonita divisão da casa", lê-se.
Para a juíza, que se baseia também numa declaração pública de Bárbara Guimarães num programa da SIC, aquando do lançamento do livro Páginas do Páginas Soltas, Carrilho estava disponível para ajudá-la. "Muitas vezes me tirou dúvidas, falámos, discutimos sobre as expectativas de alguns dos livros e matérias que para mim era na altura insondáveis... aqueles grandes filósofos!...", disse a apresentadora em directo.
A juíza considera que Guimarães "nunca entendeu muito bem a natureza do trabalho intelectual do então marido, o que é bem patente nas alusões que faz ao facto de este se 'isolar no sótão'".
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