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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Com amigos assim, bem o merecemos

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 20/02/2018)

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O ministro espanhol da Economia, Luis de Guindos, é o novo vice-Presidente do Banco Central Europeu. Uma escolha que tem três coerências que merecem desvelo.

Luis de Guindos foi apresentado esta segunda-feira como o sucessor de Vítor Costâncio na vice-presidência do Banco Central Europeu (BCE). Decisão unânime do eurogrupo, dizem os despachos, mas também não havia mais nenhum, esclarece carinhosamente Mário Centeno. O Parlamento Europeu não gostou da sua prestação, o Partido Popular Europeu teme o deslize, os colegas não se entusiasmam, os que fazem contas percebem que um vice do Sul aumenta a possibilidade de um presidente alemão, mas isto de ser o candidato único tem mesmo muita força. Assim, será Guindos a partir de 1 de junho.

Pois, sem me arriscar a concordar com os comentadores, que são sabedores, oraculares e portanto europeístas do coração, atrevo que me parece uma escolha coerente. Não direi adequada, nisso não me apanham, caros leitores, mas coerente, assim mesmo. Guindos tem três coerências que merecem desvelo.

Em primeiro lugar, o homem era o chefe do Lehman Brothers para Portugal e Espanha em 2008. O banco faliu em setembro desse ano, e foi esse o momento de viragem a partir do colapso do subprime: o mercado desbancou, o efeito dominó varreu o mundo e mergulhámos na recessão.

Seria demasiada empáfia presumir que Guindos foi personagem assinalável nesse evento, era simplesmente um piloto dos mares financeiros a fazer-se à vida. Merece então ser alcandorado ao BCE não pelo que não descobriu nem pelo que cobriu no Lehman, mas certamente por que sabe fazer-se notar e fazer-se esquecer.

Em segundo lugar, já ministro de Rajoy, foi um dos operadores dos resgates bancários que custaram 122 mil milhões de euros em Espanha, 60 dos quais injetados no capital de diversos bancos, com sucesso variado: o CAM foi engolido pelo Sabadell, o Banco de Valencia pelo CaixaBank, o Catalunya Banc pelo BBVA, e o Bankia foi consolidado, como se dizia antigamente. Quando Draghi olhar para o seu vice, lembrar-se-á de ter dito que o Bankia foi resolvido da “pior forma possível”. E depois veio o Banco Popular, vendido do dia para a noite ao Santander pela quantia mágica de um euro, na base de uma avaliação da Deloitte que ainda hoje é secreta. A vida sorri quando se joga com milhares de milhões de euros de dinheiro público e quando se consegue uma concentração bancária que nem a ditadura nem a democracia tinham alcançado. Guindos merece o BCE por saber conduzir as coisas.

Merece ainda a vicegovernatura por uma outra razão. Guindos é um operacional, e se alguma alma caridosa que lê esta coluna de encómio ao ministro ainda não está convencida, pois então fará o favor de notar que ele entoa todos os poderes. Amigo e temente do Opus Dei, sabe que obedece quem deve e manda quem pode. Ei-lo, cinco dias depois do referendo da Catalunha, a decretar como as empresas podem mudar a sede social e a anunciar uma fuga de capitais, para defender mais o rei e a grei do que a economia. Guindos merece o BCE porque é disto que Frankfurt precisa, um expedito decisor, um excelso banqueiro e um político arrematado. Com amigos assim, que ninguém nos pergunte se a Europa tem futuro, ou sequer algum tino.

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