por estatuadesal
(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 22/02/2018)
Portugal é pequenino, a nossa imprensa é minúscula, a chamada “imprensa de referência” corresponde a pouco mais do que uma mão cheia de títulos na comunicação social. Essa diminuta dimensão só engrandece a responsabilidade das entidades e indivíduos que são decisores do que diariamente é vertido em forma de notícias e opiniões. O espaço público é alimentado, moldado e excitado pela produção contínua de informações e interpretações protegidas por um quadro legal que até consente, facticamente, a prática de crimes sob as capas da “liberdade de imprensa” e da “liberdade de expressão”. A sociedade aceita estas normas tácitas, não se conhecendo qualquer intenção política para as alterar nem para diminuir as suas consequências.
Recentemente, explodiu com estrondo nesse pequeníssimo mundo jornalístico que é o nosso a problemática da violação do segredo de justiça, a qual também arrastou para a arena o conceito da presunção de inocência. O segundo tema é uma novidade como arma de arremesso político, e liga-se directamente a Sócrates e ao seu processo judicial. O primeiro, é uma presença regular nas conversas e peças mediatizadas há anos e anos, mas o qual também apresenta novidade. Em ambos, estamos a assistir pela primeira vez à defesa em “órgãos de referência” da abolição de uma lei e de um princípio jurídico. Abolição temporária e selectiva, claro, e ao serviço das agendas políticas e do lucro, claríssimo.
É fácil identificar aqueles a quem o crime da violação do segredo de justiça está a favorecer – Cui bono? São todos os que relativizam, desvalorizam e tentam que desapareça da atenção das audiências e dos eleitorados a prática de crimes no seio da Justiça, sejam procuradores ou juízes os seus agentes. Sempre que se aponta para os advogados, ou funcionários menores, ou entidades sobrenaturais conhecidas como “qualquer um” e “um qualquer”, em vez de se denunciar os casos em que só magistrados do Ministério Público podem ser acusados pelos crimes, sabemos que estamos perante um cúmplice de criminosos.
Criminosos que, como explicou divertida Joana Marques Vidal, andam a aproveitar a benesse de o crime apenas ser punido com um máximo de 2 anos de prisão. Logo, não existe ninguém sequer para o investigar, quanto mais para o prevenir. Pelo que é fartar, vilanagem, na Procuradoria-Geral da República que se especializou em conteúdos para a indústria da calúnia a partir de 2012 a troco da promoção dos seus interesses corporativos e ideológicos.
Acontece que este lado sórdido e assustador de termos magistrados criminosos que se sabem impunes é apenas uma parte do problema, quiçá a de menor importância. Quando vemos o que a Cofina faz com os crimes dos magistrados – ao pegar nas versões da investigação maximizadas para denegrir e caluniar os suspeitos ou arguidos, e depois passando a tratar as vítimas como definitivamente culpadas de tudo e mais alguma coisa que lhes apeteça agitar em frente dos borregos, haja ou não acusação – podemos acabar por esquecer o que vem a seguir. Ora, há algo que se segue, algo que temos visto com holofotes de gala no processo “Face Oculta”: uma efectiva influência sobre os juízes, os quais são pressionados para punirem ideologicamente certos acusados. É o caso de Vara e Manuel Godinho, condenados a penas muito acima do que foi a prática comum nos tribunais portugueses perante valores pecuniários similares, e sem provas directas de se ter cometido qualquer ilícito no que a ambos diz respeito. Os juízes foram explícitos acerca do que estava em causa, descrevendo como a partir do que consideram o sentimento popular quiseram fazer de Vara e do sucateiro um exemplo para atingir a classe política – isto é, certas pessoas da classe política, bem entendido, a tal ralé que não pertence ao grupo da “gente séria” e andava a pedi-las. A indústria da calúnia à portuguesa tem gostos refinados, não dispara sem fazer cuidada pontaria, mas quando atinge o alvo podemos ver o edifício da Justiça a oscilar para o lado da sua estratégia.
Há um aspecto grotesco nisto de tropeçarmos em autopropalados “liberais” a reclamarem o direito a destruírem os direitos de terceiros. Em celebrarem crimes de magistrados. Em explorarem as difamações e mentiras vertidas no espaço público. E em declararem que a presunção de inocência não passa de uma burocracia lá dos tribunais que eles não têm nem querem respeitar enquanto chafurdam nas manchetes tão mais melhores boas do que a honra alheia. Preferem satisfazer a pulsão de violentarem o nome e a personalidade dos seus ódios e vítimas. Preferem o gozo do assassinato ritual dos que concebem como inimigos à defesa do Estado de direito democrático e da módica decência sem a qual não há comunidade, apenas guerra civil. E depois interrompemos o pasmo. Olhamos com mais atenção e vemos que eles estão apenas a tentar sacar o seu, que têm despesas, têm filhos, têm de garantir o pão na mesa e ainda ir de férias para sítios giros e confortáveis depois de tanto esforço ao longo do ano. Ficamos em demorada e condoída contemplação. Coitados. Dá tanto trabalho ser caluniador profissional.
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