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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

In vino veritas, in champanhe patranhitas

por Sérgio Barreto Costa

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Contava-me a minha avó que sentir as orelhas repentinamente quentes e vermelhas era um sinal evidente de que alguém estava a falar de nós. Caso fosse a orelha direita, estariam a dizer bem; se fosse a esquerda, estariam a dizer mal. Durante estes dias, em que muito se discutiu a figura de Rui Rio, dei por mim a pensar que, caso a minha avó estivesse certa, o novo presidente do PSD teria passado as últimas duas décadas com as orelhas a piscar intermitentemente, como se fosse uma árvore de Natal ou um carro dos bombeiros a caminho de um incêndio.

Durante os seus mandatos à frente da Câmara Municipal do Porto, tive de o defender algumas vezes em conversas onde o via alvo de ferozes acusações de falta de sensibilidade social, autoritarismo, ódio à cultura, economicismo e submissão aos interesses de especuladores. Algum tempo depois, tive de me defender algumas vezes em conversas onde me via alvo de ferozes acusações por ser apoiante de um homem, Passos Coelho, que, para esses mesmos interlocutores, estava a trair o verdadeiro e nobre espírito social-democrata do partido de, entre outros, Rui Rio! Inevitavelmente, desde o dia em que foram divulgados os resultados das directas, voltou a ser a orelha esquerda do político portuense a grande vítima dos seus bipolares analistas, o que significa que não deve faltar muito para me ver de novo envolvido em zaragatas verbais.

A verdade é que Rui Rio só me dá trabalho. Ainda esta semana, por causa dele, passei horas infinitas a pesquisar textos e vídeos antigos. Tudo teve início numa notícia do DN, na qual o realizador João Salaviza lhe apontava o dedo, referindo uma imagem em que o podemos ver a brindar com champanhe durante a demolição do bairro do Aleixo. Sobre essa celebração borbulhante, o deputado José Soeiro, uns dias depois, chamava canalha ao ex-autarca (sim, já estamos nesse ponto), dizendo que nunca conseguira esquecer a dita imagem. A partir daí, bombeado por um mar de gente, começando na líder do Bloco de Esquerda e terminando na senhora que lhes limpa a sede, o “champanhe do Rio” espalhou-se pela internet, inundando tudo à sua passagem como se estivéssemos numa festa do grande Gatsby. A famosa imagem, essa, é que não há forma de aparecer. Todos os jornais, rádios e televisões do país estiveram presentes durante a demolição, mas eu continuo sem saber se o brinde foi feito com champanhe francês ou com espumante nacional. Como é que querem que eu tenha uma opinião sobre o trauma profundo de José Soeiro quando nem sequer sei se o tchim-tchim foi feito com taças ou com flûtes? Uma pessoa chega até a pensar, depois de tanta investigação infrutífera, que o “champanhe do Rio” não passa de uma historieta fabricada, mas depois lembra-se que esse nunca foi o método do Bloco e volta a mergulhar no Google.

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