Posted: 24 Feb 2018 01:35 AM PST
A propósito das visitas regulares do FMI, agora já não podemos invocar o senhor Subir Lall, entretanto substituído pelo mexicano Alfredo Cuevas. Mas a liturgia da visita não mudou muito. Apenas o choque com a realidade, que expõe e contradiz, de forma cada vez mais clara, o fracasso dos mantras da instituição, complica a vida dos seus técnicos, obrigando a maiores concessões e a um esforço acrescido de dissimulação.
A parte mais difícil será essa: reconhecer que os avisos sobre as políticas seguidas, ao arrepio das recomendações do FMI, não tiveram as consequências nefastas então profetizadas, como quem anuncia a chegada do diabo. O desemprego, por exemplo, não aumentou com a subida do salário mínimo - antes pelo contrário - e a economia cresceu mais do dobro que o previsto. E por isso tornou-se necessário reconhecer que o risco da dívida «moderou significativamente» e que o Governo português merece nota positiva.
Feita a parte mais difícil, seguem-se dois tipos de «mas». Os primeiros servem para defender a honra do convento, alertando por exemplo para a necessidade de proteger as reformas laborais e facilitar os despedimentos. Os segundos, que já merecem ser tidos em conta, servem para sinalizar problemas novos (como a necessidade de vigiar a evolução do mercado imobiliário ou de estar alerta para o peso que o turismo tem na recuperação da economia), ajudando também o FMI a melhor acomodar o seu próprio «virar de página», no plano discursivo, sobre os benefícios da austeridade.
Posted: 23 Feb 2018 03:57 AM PST
PS, PSD e CDS-PP travam regresso dos CTT à esfera pública e Vieira da Silva volta a defender prémio para baixos salários através da TSU. Duas notícias sem ligação aparente a não ser o sinal relevante de que em Portugal, e ao contrário do que se está a registar no trabalhismo britânico, por exemplo, a Terceira Via continua na prática a dominar uma social-democracia que acha que se pode salvar nesta região dependente através do bloco central europeu de que falava recentemente Centeno (que de resto nem sequer finge que é social-democrata, como se sabe).
O que vai valendo para algumas coisas importantes é não terem a maioria absoluta, ao mesmo tempo que nesta correlação de forças os avanços nas decisivas matérias de relações de propriedade e laborais são demasiadas vezes anulados pelas alianças com a direita, também fruto da pressão externa (Centeno encarna agora claramente esta duas dimensões, já agora). Neste contexto, creio que os factores de crise da social-democracia por essa Europa afora, produto da sua aceitação de demasiados termos euro-liberais, também se manifestarão por cá. Provavelmente, e de forma não desprovida de eventual paradoxo, tão mais intensos quanto por mais tempo forem contidos pela conjuntura económica e política.
Posted: 23 Feb 2018 02:53 PM PST
Primeiro Facto: Realizaram-se anteontem as eleições para os corpos gerentes do Sindicato dos Jornalistas. Num universo de 2098 inscritos, num total de cinco a seis mil profissionais, votaram 536 sócios (374 em Lisboa e Açores, 119 no Porto e 43 na Madeira).
Segundo facto: Havia duas listas. A Lista B que se candidatava a todos os corpos gerentes e que era presidida pela actual presidente do Sindicato, Sofia Branco. E a Lista A que se candidatava apenas ao Conselho Deontológico (CD) e ao Conselho Geral (CG), e cujo primeiro candidato ao CD era Alfredo Maia, qu foi presidente do Sindicato de 2000 a 2014.
Terceiro facto: Ganhou a Lista B. Para a Direcção, Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal, a lista B recebeu 433 votos. Para o CD, a Lista B teve 353 votos, contra 170 da lista A (4 mandatos contra 1). Para o CG, a Lista B teve 366 votos, contra 160 da Lista A (15 mandatos contra 6). Há 3 anos, e pela primeira vez desde 1987, apresentaram-se duas listas. A Lista B (encabeçada por Sofia Branco), ganhou a eleição com 378 votos contra a Lista A (encabeçada por Alfredo Maia) que recolheu 264 votos.
A expressão contra foi usada de forma consciente, na plenitude do seu sentido, e não apenas como utensílio descritivo.
E assim foi por diversas razões. Mas todas elas estranhas, quando os jornalistas têm levado na cabeça todos os dias, quando são forçados a ritmos de trabalho incompatíveis com a produção de uma boa informação e pagos ainda por cima com ordenados cada vez mais pequenos e aliciados/pressionados para fazer horários nocturnos sem ser pagos (aconteceu recentemente na TVI, tendo a administração recuado após resistência de alguns trabalhadores). Os despedimentos campeiam e jazem freelancers, que fazem uns artigos (poucos) pagos ao preço da uva-mijona, com meses de atraso. As redacções estreitam-se, os jornalistas empobrecem, a informação empobrece, ao arrepio das responsabilidades constitucionais (aqui) postas em causa quotidianamente.
Este cenário - que deveria levar todos os sindicalistas a encontrar o que os une, em vez de descobrir razões para se virarem uns contra os outros - foi completamente arredado da discussão eleitoral. E isso ficou claro desde o início:
A primeira eleição da lista B, há 3 anos, já surgiu contra a Direcção então presidida por Alfredo Maia. Defendia-se um novo sindicalismo, com novas pessoas (o que é sempre positivo), mas igualmente, por algumas pessoas, com um certo espírito anti-PCP e anti-CGTP. Sofia Branco disse na altura: "Quem votou escolheu a renovação. Esta votação superou os resultados das últimas eleições quando votaram 500 jornalistas. Desta vez, votaram 700. Temos um longo trabalho pela frente. Queremos tornar este sindicato um sindicato mais forte pela defesa da profissão".
Essa renovação ficou patente na obra que a Direcção quis deixar: realizar o 4º Congresso dos Jornalistas, que não se reunia há décadas. Aconteceu em Janeiro de 2017. Assumidamente por falta de experiência e auto-confiança, o Sindicato entregou a organização do Congresso à jornalista Maria Flor Pedroso que convidou a jornalista Helena Garrido (ambas assumiram essa função, sem quase controlo pela Direcção do Sindicato). E - na minha opinião - transformou-se aquela que poderia ser uma Assembleia Geral alargada do Sindicato numa imensa conferência sobre a comunicação social (inclusivamente com agências de comunicação, directores de informação convidados como tal e até os representantes do patronato), desprovido do seu carácter sindical que deveria ter sido assumido. A ponto de ter sido inclusivamente aprovada uma proposta (com origem em jornalistas da SIC) que, sem o designar, abre a possibilidade de constituição de uma Ordem, sempre recusada pelos jornalistas.
Apesar do carácter híbrido do evento (integrando mesmo não sócios do Sindicato), a Direcção do Sindicato assumiu-o como um órgão máximo do Sindicato e dispôs-se a cumprir as propostas de lá saídas. Mas passado mais de um ano sobre a sua realização, parte das propostas aprovadas no Congresso ficou, por cumprir. A Lista B apresentou-se a estas eleições dizendo algo que poderá ter uma leitura cómica, que foi: "Votem em nós para que possamos concretizar as propostas aprovadas"...
Mas isso é como tudo: os sindicalistas são generosos, mas são poucos! E o tempo passa depressa e não é possível ir a todas, sobretudo trabalhando ao mesmo tempo. Mas, por isso mesmo, era conveniente agregar toda a gente generosa, capaz e com vontade de ajudar. E não criar barreiras idiotas, apenas próprias de sectarismos políticos que não levam a nenhuma parte, se não a divisões artificiais. Abrir a actividade do Sindicato, em vez de a fechar.
A campanha eleitoral foi um exemplo claro disso. A Lista A surgiu, com pessoas incomodadas com o rumo do Sindicato, que achavam estar a definhar como sindicato de classe. E a Lista B sentiu-se injustiçada, atacada e armou-se de todas as maneiras. Criou-se um ambiente de barricada estupidamente feio, incompreensível.
Os comunicados da lista A podem ser encontrados aqui. E os da lista B aqui. E convidam-se todos a visitá-los e a testar o que deles transparece sobre o papel do Sindicato. A campanha eleitoral foi pobre, tendo em conta o panorama da classe e do país.
A Lista B abriu as hostilidades e degradou logo o ambiente. Num comunicado sobre o Conselho Geral, fez questão de afirmar que "uma equipa que não segue diretórios ou comités, uma lista de gente que pensa pelas suas cabeças, cuja unidade coerente se baseia na múltipla diversidade daqueles que nela participam", numa alusão ao facto de a Lista A integrar militantes do PCP e ser presidida por Alfredo Maia. Aliás, a lista B achou ainda por bem, no seu último comunicado, questionar a deontologia de Alfredo Maia, primeiro candidato da lista A para o Conselho Deontológico, por ser membro da assembleia municipal da Maia, eleito desde Outubro de 2017... "Por estas razões – mesmo sabendo que este parece ser um assunto tabu entre a classe –, convidam Alfredo Maia a esclarecer desde já a sua posição: tenciona ou não tenciona renunciar ao mandato na Assembleia Municipal da Maia, caso venha a ser eleito para o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas?" Um entendimento perfeitamente ilegal e abusivo, mas sobretudo uma manobra baixa de final de campanha.
Apesar de fustigada, a lista A ragiu à primeira em tom digno, respondendo à questão de fundo, mas já não quis reagir à última nota. Mas a animosidade estava lá.
Face a falta de resposta, um dos seus elementos da lista desenvolveu na sua página pessoal do Facebook as razões inconstitucionais de limitar os direitos de alguém apenas por ser comunista ou jornalista, quando nem o Tribunal Constitucional o questiona (Artº 13º, 2: "Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual."). E escreveu essa candidata: "O que dizer deste género de gente???!!!! Apenas que desonram o Jornalismo!". E depois atirou-se ainda, numa alusão à orientação sexual assumida pela candidata da lista B: "Ao que parece invocar as opções sexuais de alguém é crime de lesa indivíduo. Por seu turno, invocar as opções político-partidárias de alguém não. Sobretudo quando estas se situam na área do PCP. Pois bem, e que tal irem levar no entrefolhos?"
O mesmo tom de barricada foi recuperado ontem, mas do lado da lista B, por uma das candidatas eleitas ao CD pela Lista B: "E a lista B ganhou as eleições ao sindicato dos jornalistas, com maioria absoluta no conselho deontológico e no conselho geral!!!! A Direcção já era nossa e mantém-se com um belo número de votos de confiança face ao bom trabalho que tem sido feito!!!"
Claro que há demasiado anti-corpos de lado a lado. E, se calhar, baseados em motivos verdadeiros para ambos os lados, outros ampliadas por diversas razões, que tornam a leitura geral injusta. Mas aquilo que poderia ter sido aproveitado para trazer mais pessoas ao sindicalismo, foi desbaratado numa guerra suja.
Há pessoas válidas nas duas listas e interessadas em defender o melhor que sabem os interesses dos jornalistas como trabalhadores. Talvez haja orientações diferentes sobre qual deve ser o papel do Sindicato, mas tudo se discute e deve discutir, sem uma lógica dos "nossos" contra "eles". Receia-se que as divergências de política se transformem em disputas pessoais ou contra pessoas - e não numa unidade de acção ou numa disputa verdadeira de opiniões distintas - e que esse se torne o modo de funcionamento do Sindicato.
Que se arrepie caminho a tempo.
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