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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

O código saiu pela culatra

Novo artigo em BLASFÉMIAS


por Sérgio Barreto Costa

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Logo na sequência de abertura do filme Os Salteadores da Arca Perdida, Indiana Jones, depois de recuperar o ídolo de ouro das mãos do guia que o traíra, é perseguido por uma gigante bola de pedra da qual tem de fugir a toda a velocidade por forma a não ser implacavelmente esmagado. Havendo algum fundo de verdade nas abordagens psicanalíticas de Freud, Jung e outros, e eu julgo que há, é extremamente provável que, ultimamente, o ministro das finanças Mário Centeno ande a acordar a meio da noite, ensopado em suor, depois de ser assombrado por pesadelos que o colocam nessa correria febril à frente do monólito redondo, desempenhando o papel que, na fita, era de Harrison Ford.

Ser esmagado por uma bola, mesmo que de futebol, como é o caso que tem enchido as páginas dos jornais, não é um fenómeno raro no nosso país. Ainda há pouco tempo, por causa de uns jogos da Selecção Nacional no Campeonato da Europa, três secretários de Estado foram obrigados a arrumar a secretária e a mudar de vida, levando o Governo a, posteriormente, aprovar um código de conduta ligeiramente pueril e beatinho que proíbe os seus membros de aceitarem qualquer oferta de valor superior a 150 euros. Mas agora que Centeno, a estrela da companhia, teve a infeliz ideia de pedir uns bilhetes para ir ver o Benfica, o moralismo deixou de ser conveniente e de todo o lado surgem as mais divertidas interpretações do referido código.

De todas essas interpretações, a minha preferida, de longe, é a “teoria do não está à venda”. Como o ministro solicitou lugares na tribuna presidencial, que não são comercializados nas bilheteiras, dizem ser impossível fazer o enquadramento do limite dos 150 euros. Ficamos assim a saber que se a Gulbenkian oferecer ao secretário de Estado da Cultura um daqueles pósteres dos cães a jogar bilhar encaixilhado numa moldura bonita, este está tramado; no entanto, se no lugar dos simpáticos canídeos a Fundação lhe der um dos Amadeo de Souza-Cardoso da colecção, já não há qualquer problema, uma vez que as telas do famoso modernista não estão disponíveis no mercado.

Miguel Sousa Tavares, defendendo Mário Centeno no seu comentário televisivo, afirmou que, por causa deste tipo de exigências, qualquer dia ninguém quer governar Portugal. Não podia estar mais de acordo com o comentador. É uma observação tremendamente perspicaz e basta analisar o que se passou nas últimas legislativas para a confirmar. Neste país, o desapego ao poder é já tão grande, que foi preciso ir pedir encarecidamente ao 2º partido mais votado nas eleições que fizesse o sacrifício de assumir as funções executivas, sob pena de ficarmos para sempre numa situação de sede vacante. Felizmente para todos, António Costa, num bonito acto de abnegação, sacrificou a confortável reforma antecipada que o esperava, e acolheu as súplicas em prol da felicidade da nação. Assim sendo, é de toda a justiça que não o incomodemos muito com os aborrecidos diplomas legais que ele próprio elaborou.

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