por estatuadesal
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 07/03/2018)
Daniel Oliveira
Tenho acompanhado, com algum distanciamento, a investigação do e-toupeira. Ao que parece, um técnico informático do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) tinha acesso a qualquer processo em qualquer tribunal do país. A coisa mais relevante que ficámos a saber é o grau de atraso do sistema judicial quanto à sua segurança informática. Como em muitas outras coisas, o século XXI ainda não chegou à justiça. Há outros dois funcionários judiciários que terão sido corrompidos com camisolas e bilhetes e que se juntam, com o técnico informático, o assessor jurídico do Benfica e um agente desportivo à lista de arguidos. A ser verdade o que se escreve, o negócio saía barato ao Benfica.
Como sabemos, a violação do segredo de justiça é uma constante que parece não ter solução à vista. Até hoje, acreditei que a incapacidade de combater esta realidade, que transforma a investigação num julgamento mediático e impede o arguido de se defender condenação pública organizada por quem apenas devia preparar a acusação ou o arquivamento, resultasse de uma verdadeira dificuldade em encontrar os responsáveis. Como se vê, o acesso aos processos não é assim tão pouco limitado. A violação do segredo de justiça é de tal forma generalizada, que o “Correio da Manhã” publica diariamente informações sujeita ao segredo de justiça. E toda a gente sabe, até pela seleção que é feita dessa informação, que a origem é quase sempre a mesma.
O olhar otimista sobre este processo é o que nos permite dizer que isto pode estar a começar a mudar. Que há, por parte dos poderes judiciais, uma vontade de pôr fim à balda instalada. Que finalmente vamos assistir a uma punição exemplar de quem, no sistema judicial e fora dele, acede a informação que não tem de estar disponível. Acreditar nisto não é otimismo, é ingenuidade.
A diferença deste caso e-toupeira com outros é que, desta vez, o acesso a processos em segredo de justiça não contou com a cumplicidade do Ministério Público. É que o destinatário da informação não era o “Correio da Manhã”, o seu órgão oficioso. O cúmulo das ironias é, aliás, vermos descritas na imprensa as investigações de um processo por violação de segredo de justiça que está, ele próprio, em segredo de justiça. Os mesmos que investigam este caso violam o princípio que supostamente estão a defender.
Não me verão defender Luís Filipe Vieira e o Benfica, muito menos os supostos subornos para ter acesso a processos que não são públicos. Mas esta investigação parece ter, perante o total desprezo que o Ministério Público sempre exibiu e continua a exibir para com o segredo de justiça, um propósito: defender o seu monopólio dessa violação. Violação que, nesta mesma investigação, se continua a exibir de forma totalmente despudorada. E ironia das ironias é ver o Benfica a queixar-se da violação do segredo de justiça num caso em que ele violou o segredo de justiça. É uma autêntica matrioska de violações sucessivas. Um “ganbang” do segredo de justiça.
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